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Renato Mauricio Prado

Que se danem os cartolas. Viva Hugo Neneca, filho do seu Jorge

28/09/2020 04h00

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Seu Jorge acordou cedo lá no céu. Estava nervoso pois sabia que o filho teria um jogo muito importante pela frente. No caminho para a arquibancada celeste foi encontrando inúmeros rubro-negros. Alguns famosos, como Jayme de Carvalho e sua barulhenta charanga ou Cláudio Coutinho, treinador daquele timaço do Zico, campeão brasileiro em 80. Viu até o Carlinhos, ex-jogador e técnico de tantos títulos. O Violino vinha caminhando ao lado do amigo e massagista Jorginho, que chegara há pouco tempo e conhecia bem o seu moleque lá do Ninho do Urubu. Sabendo do nervosismo do pai, todos fizeram questão de animá-lo.

- Apesar dos desfalques, a turma tá empolgada pra tocar hoje! - avisou o Jayme. Basta o guri fechar o gol lá atrás! - brincou o chefe da torcida mais antiga do Flamengo.

- Tenho acompanhado a carreira do filhote, hein? Se continuar assim, ganhará muitos títulos e fará história, como o Raul - profetizou o Coutinho.

- Ele vai longe. Gosto de ver sempre os jogos dos moleques e estou de olho no seu menino faz tempo. Ele e os outros garotos que jogarão hoje têm muita qualidade - emendou o Carlinhos.

Rolou a bola e o coração de seu Jorge ameaçava sair pela boca. Logo no comecinho da partida, um chute de longe de Zé Rafael passou bem perto, caindo na rede, logo atrás do travessão.

- Tranquilo, Jorge, tranquilo. Teu filho estava na bola - acalmou-o o Marcial, grande ex-goleiro rubro-negro, campeão carioca em 63, naquele Fla-Flu que detém o recorde histórico de público em jogos entre clubes. Mais de 180 mil no Maraca!

Aos poucos, a garotada do Flamengo ia se tranquilizando e com Arrascaeta, Gerson e Thiago Maia ditando o ritmo no meio-campo, logo eram Pedro e o próprio Arrasca que obrigavam o arqueiro do outro lado, Weverton, a trabalhar. Mas não demorou e Gabriel Menino, de longe, voltou a dar trabalho ao filho do seu Jorge que, firme, encaixou a bola chutada pelo talentoso jovem palmeirense.

O lance de maior perigo na área rubro-negra, no primeiro tempo, porém, viria pouco depois, num chute forte de Zé Rafael, da meia-lua. Seu Jorge chegou a saltar junto, na tentativa de ajudar o filho, que brilhou no Allianz Parque se esticando todo para uma espalmada tão difícil quanto salvadora para a jovem equipe do Fla. Zero a zero no placar e fim do primeiro tempo.

Veio o segundo e, naturalmente, a pressão palmeirense aumentou. De cara, mais um chute da entrada da área. Desta vez foi Rafael Veiga quem fez a pressão de seu Jorge disparar.

- Fica frio, amigo. Teu menino eu conheço. Não dá rebote. Encaixa firme - sussurrou o Jorginho, sentado ao seu lado.

Pouco depois, entretanto, não teve jeito. A bola chutada de longe por Patrick de Paula desviou em Thiago Maia, deslocou o filho do Jorge e foi beijar a rede. Um baita castigo para quem vinha tão bem. Palmeiras 1 a 0.

- Ele está há nove meses sem jogar! Se estivesse com mais ritmo talvez pegasse essa... - lamentou-se o pai, desolado, provocando a reação imediata de todos os que o cercavam.

- Que isso, homem de Deus? Essa ninguém pegava. Nem aquele inglês, o Gordon Banks! - ralhou o Cláudio Coutinho.

O gol ainda atormentava Jorge quando o Flamengo reagiu com um cruzamento perfeito de Arrascaeta e o golaço de Pedro, deixando tudo igual, novamente. O Palmeiras, porém, não queria nem pensar no empate e alçou uma bola precisa, na área rubro-negra, bem na cabeça do artilheiro Luís Adriano. Coutinho lembrara de Gordon Banks? Pois a monstruosa defesa que o filho do seu Jorge fez naquela cabeçada, no contrapé, foi do mesmo quilate.

- Monstro, monstro, seu garoto é um monstro! - urrou Jayme de Carvalho, elevando o tom de charanga, que festejou a linda espalmada com a ponta dos dedos como se fosse um gol. E não foi mesmo?

- Milagre, milagre! - gritava, lá embaixo, o locutor Luís Roberto, da Rede Globo, encantado com o grau de dificuldade da intervenção.

Os últimos minutos foram tensos, mas o filho do seu Jorge seguiu firme: um paredão até o apito final do juiz. Rony bem que tentou, mas nova encaixada perfeita, especialidade da casa, enterrou seus sonhos e o de todos os palmeirenses, que fizeram tanta questão de realizar essa partida sem sentido, na esperança de levar vantagem contra um time de garotos.

Garotos que, como o filho do seu Jorge, honraram a camisa rubro-negra que envergaram, jogando como gente grande, com o coração típico dos grandes campeões. E a grande festa que começou lá em cima, na arquibancada celeste, só parou para ouvir a emocionada e emocionante entrevista do jovem goleiro, eleito o craque da partida:

- Não jogo há nove meses. A diferença da última para essa é que meu pai estava na arquibancada me assistindo e hoje não o tenho mais. Faz seis meses que perdi meu pai. Um cara que me deu tudo. Foi a primeira vez que entrei em campo sem ele. Meu pai não está aqui fisicamente, não viu de casa, mas está lá em cima, melhor que a gente.

À essa altura, lágrimas já rolavam copiosamente pelo rosto de seu Jorge e dos seus amigos rubro-negros. Que ainda ouviram o filho completar:

- Sempre entrei em campo pensando na família. Tenho minha mãe, minha irmã, meus irmãos, por parte de pai. Essa vitória vai para a minha família.

- Esse é o meu garoto! - balbuciou, todo orgulhoso, o seu Jorge. Festejado e abraçado pelos muitos rubro-negros do andar de cima. De onde, com certeza, continuará a acompanhar, passo a passo, jogo a jogo, a carreira de seu filho Hugo, o Neneca.

Os "meninos do ninho" provaram, no gramado sintético do Allianz, que o elenco do Flamengo é ainda mais forte do que se pensava. Só precisa que os insensíveis, arrogantes e egocêntricos dirigentes rubro-negros não atrapalhem.