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Rafael Reis

REPORTAGEM

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Romário negociou folga de Carnaval em troca de gols: verdade ou lenda?

Romário brilhou no Barcelona, mas sempre deu um jeito de aproveitar o Carnaval - Phil O"Brien - EMPICS/PA Images via Getty Images
Romário brilhou no Barcelona, mas sempre deu um jeito de aproveitar o Carnaval Imagem: Phil O'Brien - EMPICS/PA Images via Getty Images

Colunista do UOL

20/02/2023 04h00

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Romário nunca escondeu por ninguém sua paixão pelo Carnaval. Mesmo nos tempos em que era um dos melhores atacantes do mundo, o herói do tetracampeonato mundial quase sempre dava um jeitinho de aparecer na Marquês de Sapucaí para curtir o desfile das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro.

Na festança de 1994, porém, pouco antes da Copa que marcou sua carreira, o Baixinho se superou. Ele venceu uma aposta com o técnico do Barcelona (de que marcaria dois gols em uma partida) e foi substituído ainda no primeiro tempo para viajar o mais rápido possível ao Brasil e desfrutar da sua recompensa: dois dias de folga em plena folia.

Bem, pelo menos essa é a história que circula com força há muito tempo pelas redes sociais e que até já faz parte do folclore que conecta futebol e Carnaval aqui no país.

Mas será que Romário realmente pagou com bolas nas redes por dias livres na festa do Rei Momo? Ou essa não passa de mais uma das incontáveis lendas urbanas que tanto fazem sucesso no dia a dia do futebol, como o autismo de Lionel Messi e a transexualidade de Marco Verratti?

Para começar, é preciso primeiro descobrir como esse caso veio à tona e se tornou de conhecimento público.

Em 2012, o holandês Johann Cruyff, técnico do Barcelona na primeira metade da década de 1990, deu uma entrevista ao jornal francês "L'Équipe" e levantou pela primeira vez essa história ao relembrar causos da sua passagem pela Catalunha.

"Uma vez, o Romário veio me perguntar se poderia faltar a dois dias de treinos para viajar ao Brasil. Acho que era para pular Carnaval no Rio. Eu respondi: 'se você fizer dois gols amanhã, te dou dois a mais de descanso do que para o resto do time'. No dia seguinte, ele marcou seu segundo gol com 20 minutos de jogo e imediatamente fez um gesto para mim pedindo para ser substituído. Ele me disse: 'treinador, meu avião sai em menos de uma hora'.

Após essa primeira entrevista de Cruyff, o próprio Romário começou a contar essa história para vários jornalistas, sempre ressaltando a facilidade que tinha para balançar as redes adversárias e também sua malandragem para negociar com os chefes.

Bem, se os dois personagens principais da história dizem que ela é verídica é porque ela realmente é uma verdade verdadeira, daquelas incontestáveis, certo? Então...

A questão é que o Carnaval de 1994 foi uma exceção para Romário. O hoje senador pelo PL não veio ao Brasil nos festejos daquele ano e permaneceu toda a semana "curtindo os treinos" na Catalunha.

No dia 13 de fevereiro, o domingo que abriu os desfiles do Grupo Especial do Rio, o Baixinho enfrentou o Zaragoza, pelo Campeonato Espanhol. Ele realmente fez dois gols naquela partida (goleada por 6 a 3), mas só foi substituído no final do segundo tempo.

Mas será que eles não erraram o ano? De jeito nenhum. Afinal, o único fevereiro de Romário como jogador do Barcelona foi mesmo o de 1994. No ano anterior, ele ainda estava no PSV Eindhoven. E, no seguinte, já havia realizado o sonho de voltar em definitivo para o Brasil e se transferido para o Flamengo.

A passagem do craque brasileiro pela Catalunha durou um total de 65 partidas. Apenas em cinco delas, Romário saiu de campo com dois gols na conta (houve ainda cinco hat-tricks). E, em nenhum desses jogos, ele foi substituído ainda na primeira etapa.

Para ser mais preciso, não existe nenhum registro histórico de algum jogo do Baixinho na Espanha em que ele tenha sido trocado por algum companheiro nos 45 minutos iniciais. Em apenas uma oportunidade, o atacante foi substituído no intervalo: empate por 1 a 1 com o Sporting Gijón, em 12 de janeiro de 1994. Mas, na ocasião, o gol blaugrana foi anotado por outro jogador, Julio Salinas.