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REPORTAGEM

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Fezes e desmaios. Diretor e torcedor corintianos narram caos na Argentina

Torcedores do Corinthians enfrentaram problemas na Bombonera, estádio do Boca, durante jogo da Libertadores - Ricardo Martins/ Arquivo pessoal
Torcedores do Corinthians enfrentaram problemas na Bombonera, estádio do Boca, durante jogo da Libertadores Imagem: Ricardo Martins/ Arquivo pessoal

20/05/2022 04h00

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A ida até a mítica Bombonera se tornou um pesadelo ou uma aventura perigosa para parte dos três mil corintianos que foram acompanhar seu time contra o Boca Juniors, pela Libertadores, na última terça-feira (17).

Entre esses fiéis e o suado empate estavam obstáculos como passar horas dentro de um veículo, permanecendo lá até depois de a partida começar, fezes pelo caminho e pessoas desmaiando. As cenas angustiantes foram narradas à coluna por Herói Vicente, diretor de negócios jurídicos do Corinthians, e pelo torcedor Bruno Nogueira.

Herói contou que viajou com recursos próprios.

Bruno tem Síndrome de Hanhart, que causa ausência parcial e/ou total dos membros superiores e/ou inferiores.

Em meio ao caos, depois de carregar o amigo nos ombros, Herói viu Bruno desaparecer no meio da multidão. A seguir, leia os depoimentos dados pelos dois à coluna.

Depoimento de Herói Vicente, diretor de negócios jurídicos do Corinthians

"O desconforto iniciou-se no hotel. A van para traslado entre o local e o estádio (minguados 4 quilômetros), que em circunstâncias normais custaria o equivalente a no máximo R$ 600,00, saltou para R$ 1.200,00. Até aí, nada contra a organização da partida e as autoridades portenhas, porque a vil exploração independe dessas entidades, porém... O que se viu do momento do embarque em diante foi surreal.

Na nossa van estava o jovem Bruno, pessoa extraordinária, pessoa com deficiência. Fomos conduzidos ao comboio que abrigava as torcidas organizadas e as demais vans. Depois de uma certa espera, lentamente, começamos a nos deslocar. Não em direção ao estádio (?), mas para um 'city tour' involuntário de mais de uma hora, que visou nos atrasar 'deliberadamente', sabe-se lá a qual pretexto.

Fizeram-nos esperar ao todo cerca de inacreditáveis quatro horas, sem poder descer dos veículos e sequer abrir as janelas. Estávamos presos. E em ponto longe, bem longe, da tal Bombonera, que despontava pequena em nossa perspectiva distante. Imediatamente pensei no Bruno. Quando nos 'soltarem' o que será dele? Como ele vai chegar no estádio?

Tentei me identificar como diretor do clube para sair da van e falar com o chefe do policiamento e fui proibido. Tentei falar que eu deveria estar dentro da praça de esportes, até para colaborar com a solução rápida do problema, mas isso me foi proibido.

Quando finalmente nos livraram do cárcere, todos correram para o destino. O jogo já havia começado fazia mais de 25 minutos. Tentei ajudar o Bruno. Não consegui. Caí impotentemente. E ele comigo, acocorado. Bruno sumiu na multidão.

Depois de passar por várias barreiras, nas quais os objetos das mulheres, perigosos batons e maquiagens, eram obrigados a ser descartados, finalmente, chegamos à arena, apenas para constatar que não havia como ingressar!

Todas as pessoas se apinhavam umas sobre as outras. Pessoas desmaiadas, fezes, urina. Não havia banheiro. É, não havia banheiro. Gente desmaiada, borrachada da polícia e, claro, o fim da picada para quem já não aguentava mais. Voltei, porque não iria deixar as mulheres do grupo desacompanhadas. Infelizmente não pude ajudar e formalizar um protesto junto ao delegado da partida. Eu estava do lado de fora. Como todo Corinthiano."

Depoimento de Bruno Nogueira, membro do Fiel Torcedor, o programa de sócio-torcedor do Corinthians

Bruno Nogueira - Ricardo Martins/Arquivo pessoal  - Ricardo Martins/Arquivo pessoal
Bruno Nogueira, na Bombonera
Imagem: Ricardo Martins/Arquivo pessoal

Meu nome é Bruno Nogueira, tenho 27 anos, sou natural de Mauá-SP, e estive na Bombonera no jogo entre Boca Juniors e Corinthians na última terça-feira.

Sou uma Pessoa com deficiência (PCD) e pude presenciar em Buenos Aires a maior falta de respeito que já vivi em relação à acessibilidade. A sensação é que estávamos retornando para os anos 90 no que diz respeito ao futebol, a começar por mais de quatro horas presos na van. O Herói [Vicente] buscou conversar com diversos policiais solicitando prioridade no desembarque, informando sobre a minha deficiência, mas não obtivemos retorno.

Tanto que comemoramos o gol do Du Queiroz dentro da van, e apenas próximo aos 20 minutos do 1º tempo os policiais começaram a liberar os torcedores para subir ao estádio. Havia cerca de três revistas até chegar à entrada em corredores nada organizados. Em alguns deles tínhamos que passar de lado. E ao chegar na porta do estádio o meu amigo Hélio Ferrante perguntou para um dos seguranças se tinha algum acesso diferenciado. E a resposta do segurança foi: 'sim, as escadas'. E lá fomos nós, com apoio dos amigos e da diretoria, que me ajudaram a subir mais rápido. Entrei na arquibancada aos 35 minutos do 1º tempo.

Na descida, cada degrau era uma aventura. Deve ter pelo menos 50 cm de altura cada degrau na arquibancada. Então, fui me apoiando em cada torcedor ao lado para descer da arquibancada até chegar na escadaria.

Foi uma grande aventura, pude vivenciar um clima super-hostil de Libertadores em Buenos Aires. Esperava mais empatia e estrutura do Boca Juniors. #VaiCorinthians!"