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Como Santos superou ano caótico e avançou na Liberta? Cuca tenta explicar

Cuca fala em desgaste por atuar também como diretor de futebol em parte da temporada - Marcelo Endelli/Getty Images
Cuca fala em desgaste por atuar também como diretor de futebol em parte da temporada Imagem: Marcelo Endelli/Getty Images

12/01/2021 04h00

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Como o Santos superou salários atrasados, suspensão na Fifa que impediu contratações, impeachment de presidente e surto de covid-19 para brigar por uma vaga na final da Libertadores?

Essa é uma das perguntas mais feitas e mais difíceis de serem respondidas no futebol brasileiro atualmente.

Em busca da resposta, o blog entrevistou com exclusividade o técnico Cuca e o ex-presidente Orlando Rollo, que completou o mandato de José Carlos Peres, alvo de impeachment.

Eram 19h10 desta segunda (11) quando Cuca enviou mensagem de texto avisando estar disponível para conversar por telefone. Ele estava exausto após um dia em que teve que resolver uma série de assuntos, a maioria ligada à partida de volta pelas semifinais da Libertadores contra o Boca Juniors, nesta quarta (13), na Vila Belmiro. Um novo 0 a 0 leva a decisão da vaga na final para os pênaltis. Igualdade com gols classifica os argentinos. Quem vencer por qualquer placar será finalista.

O treinador não esconde o cansaço nem a alegria de ter ajudado um elenco recheado de jovens a chegar tão longe.

Respondendo à complexa pergunta, ele aponta o fato de ter ajudado evitar que os jogadores se abalassem com os salários atrasados como ponto fundamental para o sucesso da equipe até aqui.

O discurso foi de que, mesmo sem receber em dia, a valorização profissional de cada um viria se os resultados fossem alcançados.

"Não dá pra explicar assim com palavras. Eu vim pro Santos pelo prazer do trabalho. Pelo lado financeiro, hoje eu ganho a metade do que eu ganhava em 2018. Até falei pro Cuquinha (seu irmão e auxiliar): 'vamos porque lá vai ser bom de trabalhar, de aparecer o trabalho'. A gente veio sabendo das dificuldades que existiam. A gente não tem do que reclamar porque a gente sabia que ia ser assim. Que não poderia contratar, que os salários iriam andar atrasando, como estão até hoje, infelizmente. Mas a gente espera que o novo presidente (Andrés Rueda) consiga saldar esses atrasados, salários, premiações. A gente vai ter que jogar aberto com os jogadores, nos fechar. Fazer os caras entenderem que nós vamos ter que pensar em jogo, em resultado antes do dinheiro. É assim que a gente tem feito. Não tem posto a faca na garganta de ninguém. A gente tem jogado mais por amor do que por tudo. E graças a Deus o grupo fechou, bem fechado mesmo. Tá todo mundo coeso, ciente das dificuldades que o clube enfrenta. Lógico, quero que saldem as dívidas, que paguem os meninos, mas a gente não tem se queixado de nada pra ninguém. Acho que isso tem sido o fator principal que tem dado certo", afirmou o treinador.

Conquistar a vaga na final seria a confirmação de que Cuca estava certo em seu discurso para os atletas.

"A diferença nossa é a oportunidade que eles estão tendo, de chegar numa final de Libertadores. Se isso acontecer, vai ser tão maravilhoso na vida deles. O jogador muda de prateleira. Passa a ser um cara que vai poder exigir um contrato melhor porque ele é ganhador. Então, a gente está investindo muito nisso mesmo", ressaltou o técnico.

Também para Rollo a superação do Santos passa pela forma como os atrasos salariais foram enfrentados.

"Acho que o mais importante foi o trabalho de 'vestiário', passando confiança para o elenco, e demonstrando boa vontade em efetuar os pagamentos em atraso.

Muitas vezes demonstramos, com total transparência, a fonte dos recursos e explicávamos os motivos dos atrasos", disse o ex-dirigente.

Ele valoriza o trabalho feito por Cuca para blindar os jogadores dos problemas políticos. "Foi muito importante. A liderança e experiência dele foram fundamentais", declarou Rollo.

As palavras do presidente podem soar burocráticas, mas ouvindo Cuca temos a dimensão do que foi essa blindagem e da exaustão que ela provocou no treinador.

Enquanto Peres e sua cúpula estavam afastados temporariamente e se defendiam do pedido de impeachment, o técnico acumulava funções. Ele trabalhou dobrado e, além de fazer o seu, atuou fora de sua praia. Foi o período mais difícil para o treinador.

"A gente joga aberto sempre com os jogadores. Passa os problemas do clube, sempre a verdade, as dificuldades que o clube tem para eles entenderem e fazerem parte do processo. Como na época a gente estava sem diretor de futebol, isso aconteceu. Mas depois veio o (Felipe) Ximenes (superintendente) e o Jorge Andrade (gerente de futebol ), que me ajudaram demais. Antes tinha os diretores que eram o Pedro Doria e o Matheus Rodrigues (membros do comitê de gestão montado por Peres), que são pessoas fantásticas e também ajudavam bastante. E o tempo que ficou sem, a gente fez esse meio-campo aí", recordou Cuca.

Até o sono do treinador foi afetado no período em que praticamente acumulou a função de diretor de futebol.

"É muito desgastante, eu quero ficar só no verde, no gramado, que é melhor. Fica muito pesado. Você não dorme, você tem que tratar com empresário pra você não perder jogador, para o jogador poder jogar e essa coisa vai te desgastando muito", relembrou Cuca.

O que mais incomodou o treinador nessa fase foi não conseguir focar no futebol como queria. O desempenho do Santos chegou a ser prejudicado, segundo ele.

"Você perde um pouco do foco do campo. Isso aconteceu comigo. De repente, eu olhei e os resultados não estavam vindo. Eu falei: 'tenho que prestar mais atenção aqui'. Agora o Ximenes chegou e tomou conta, tem me ajudado muito nisso", contou Cuca.

Esse esforço deixou marcas. "Pesa, chega uma hora que você está num desgaste... Eu mesmo, agora, nesses momentos, estou um fiapo. Você não dorme direito, não se alimenta direito, é complicado", desabafou o comandante santista.

Outro grande obstáculo que apareceu no caminho do Santos nesta temporada, a punição aplicada pela Fifa, que impediu o clube de registrar novos jogadores, teve um lado positivo na opinião de Cuca. Na prática o Santos ficou impossibilitado de contratar atletas. A limitação forçou a utilização de mais jogadores da base. E deu certo.

"Tenho um ditado que levo comigo: 'tudo que Deus faz é bom. Não me queixo das coisas porque Deus prepara as coisas pra gente. Então, não pode contratar, é porque vai fazer esses meninos. E Deus é tão bom que ele fez o Sandry, fez o Kaio Jorge pra nós. Fez o Lucas Lourenço, o Palha, o Alex e tantos outros que eu poderia citar, que se pudesse contratar, de repente, não iria fazer. Então são coisas que a gente não entende no momento, mas se de repente esperneasse, talvez, não tivesse feito esses meninos. Marcos Leonardo, Bruno, fico muito feliz de poder lançar esses meminos", disse Cuca.

Ao narrar a trajetória de superação santista, o treinador lembra, além de Rollo, de Peres, que nega ter cometido as irregularidades das quais foi acusado e que provocaram seu impeachment.

"O Rollo tem méritos, o Peres tem méritos. Todo mundo mete o cacete no Peres, mas ele tem méritos. Ele trouxe jogadores importantes (Marinho é um exemplo) que estão aqui hoje.Tem coisas erradas, mas tem coisa boa também", disse o técnico, antes de chegar em casa para, finalmente, descansar.

A terça-feira promete ser mais um dia agitado na rotina do comandante de uma equipe que se acostumou a superar desafios. Afinal será o último dia de preparação antes de encarar o seu maior obstáculo na temporada até aqui.