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Lito Cavalcanti

A F1 começa neste fim de semana na Austrália. Será que Todt vai lá?

Jean Todt, presidente da FIA, posa para foto em cerimônia de início de obras para circuito de Fórmula 1 no Vietnã - Nhac Nguyen/AFP
Jean Todt, presidente da FIA, posa para foto em cerimônia de início de obras para circuito de Fórmula 1 no Vietnã Imagem: Nhac Nguyen/AFP

09/03/2020 10h07

Se existe um lugar onde Jean Todt, o presidente da Federação Internacional de Automobilismo, não gostará de estar neste próximo fim de semana, este lugar é a cidade de Melbourne, na Austrália. Mais exatamente no circuito de Albert Park, onde as dez equipes que compõem a Fórmula 1 devem dar início ao campeonato mundial de 2020.

A esperá-lo estarão duas situações que ninguém em sã consciência gostaria de enfrentar: de um lado, os planos e providências da entidade que preside para evitar males aos milhares de profissionais que viajam de país a país sob a ameaça de serem contaminados (ou contaminarem) pelo vírus Corona; do outro, sete das dez equipes em pé de guerra contra o procedimento da FIA na investigação das supostas irregularidades das unidades de potência que a Ferrari usou em 2019.

O que já parecia ser uma situação bastante espinhosa tomou contornos ainda mais delicados no último sábado (7), quando os organizadores do GP do Bahrein decidiram realizar a corrida com portões fechados, classificando como "uma atitude errada" manter seu GP aberto ao público. Esta prova será a segunda do campeonato e acontecerá no dia 22 de março, uma semana após a da Austrália.

Mesmo diante do cancelamento de outros eventos esportivos, inclusive duas provas da Moto GP, a FIA rejeita a hipótese de outros adiamentos, ignorando o risco de ser vista mundialmente como irresponsável. O único confirmado é o da China, que corre o sério risco de não ter seu GP realizado por falta de nova data no calendário. O temor de novos adiamentos se explica pelos custos que eles acarretam.

Por isso, os três primeiros GPs estão mantidos. A Austrália, por exemplo, permitiu a realização da final do campeonato mundial feminino de cricket. Tudo que fez foi impor cuidados mais rigorosos a quem vier da Itália, um dos países mais atingidos pelo vírus. É o caso da Ferrari, da Alfa Romeo, da AlphaTauri e da Pirelli, fornecedora exclusiva de pneus.

O plano B: corridas sem pontos

Segundo Ross Brawn, a ausência de uma só equipe bastaria para causar o cancelamento de uma corrida como etapa do Mundial - o que, nas entrelinhas, deixa antever a possibilidade de uma prova extra-campeonato, sem valer pontos. Mas essa hipótese também tem suas farpas, como a regra pela qual cada carro só pode usar três motores ao longo do ano. Se não houver pontuação, não haverá também razão para desperdiçar quilometragem das unidades de potência.

Grande parte das equipes começa a chegar hoje - inclusive a Ferrari, liberada pelo governo italiano da quarentena imposta à região de Modena. De lá, todos seguirão para o Bahrein e o Vietnam, que impuseram inspeções extremamente rigorosas para quem provém da Itália. Entre os GPs do Bahrein e do Vietnam haverá um intervalo de duas semanas. Voltar para casa neste período está fora de cogitação.

O outro problema que a entidade máxima tem pela frente é a ameaça real de um provável enfrentamento judicial com sete das dez equipes da Fórmula 1. Inconformadas com o desfecho da análise dos motores da Ferrari, elas contestam o sigilo do processo e o prosaico acordo pelo qual a escuderia italiana ajudará a FIA a monitorar as unidades de potência de todas equipes nos próximos anos.

Um comunicado desastroso

O comunicado emitido pela entidade foi o estopim da rebelião, a começar pelo momento escolhido para sua divulgação: ele veio a público quando faltavam dez minutos para o fim do último dia da pré-temporada. Ou seja, quando os chefes das equipes já estavam de saída para o aeroporto e a imprensa se via às voltas com o fechamento do noticiário. Nele, lia-se que "fora concluída a análise da unidade de potência da Ferrari e que as partes haviam chegado a um acordo cujos detalhes seriam mantidos em sigilo".

Além de não revelar a conclusão da longa investigação sobre a legalidade ou não das unidades de potência da Ferrari, a FIA dava a entender que o acordo derivava de uma negociação com a escuderia, uma maneira de compensar a tolerância com um motor cuja legalidade não havia sido comprovada.

Segundo a própria FIA esclareceria dias mais tarde, ela não estava convencida da legalidade do motor, mas não tinha recursos para comprovar qualquer irregularidade. E a Ferrari insistia que se manteve perfeitamente dentro das regras todo o tempo e não toleraria qualquer sanção, sob pena de levar a discussão aos tribunais.

A reação, indignada, não se fez tardar. Em um comunicado público, lido pelo CEO da equipe Mercedes Toto Wolff e subscrito por todas equipes que não usam motores da Ferrari (ou seja, todas menos a própria Ferrari, a Haas e a Alfa Romeo), o grupo se disse chocado e surpreso pela atitude da FIA.

Até as últimas consequências

Ressaltava ainda que essas equipes estão absolutamente determinadas a obter total esclarecimento de todo o processo de inspeção do motor da Ferrari para garantir que todos sejam tratados de forma justa e igualitária. Mais: se reservavam e enfatizaram o direito de recorrer aos tribunais da própria FIA ou da justiça comum caso necessário.

Na sexta-feira, o Conselho Mundial de Esportes se reuniu e, junto a outras decisões como a criação de uma comissão especial para o vírus Corona, emitiu uma declaração de apoio unânime à FIA e a seu departamento técnico, opondo-se "fortemente a qualquer comentário que afete negativamente a reputação e a imagem da FIA e ao Campeonato Mundial de Fórmula 1".

As equipes não reagiram às palavras do Conselho. Essa reação, contudo, se fará sentir na Austrália. Para as equipes descontentes, a desclassificação da Ferrari, além de corrigir um comportamento inadequado dos dirigentes, significaria um aumento significativo na sua parte dos prêmios para seis delas - a exceção é a Mercedes, a campeã.

É bom lembrar que a escuderia alemã tem como líder Toto Wolff, que não perdoa a Ferrari por vetar seu nome como sucessor do norte-americano Case Carey, o CEO da promotora das corridas da F1, a Liberty Media. A aposentadoria de Carey está prevista para o fim deste ano, e a Ferrari foi a única opositora aos planos de Wolff.

A rebelião das equipes também tem forte apoio de Christian Hoirner, chefe da Red Bull. De acordo com Helmut Marko, a eminência parda da escuderia austríaca, a promoção da equipe do terceiro para o segundo lugar no Mundial de Construtores traria um acréscimo de cerca de 24 milhões de dólares em sua premiação. Em escala regressiva, todas outras herdariam pontos, posições e prêmios - até a Alfa Romeo e a Haas, associadas a Maranello.

Será que Jean Todt vai à Austrália? Eu não apostaria um tostão nisso.

Sette Câmara de volta

O anúncio foi feito na manhã desta segunda-feira. O mineiro Sérgio Sette Câmara será piloto reserva da Red Bull e da Alpha Tauri neste ano. Sérgio, que andou flertando com a Fórmula Indy e a Fórmula E, foi piloto de desenvolvimento da McLaren até o fim de 2019 e agora volta ao círculo da Red Bull - ele integrou o plantel de jovens pilotos da Red Bull em 2016, quando disputava o Campeonato Europeu de Fórmula 3. Ele seguirá do Japão, onde está agora, para a Austrália, onde se iniciará na nova função.

Longe da perfeição

A título de teste, foram realizadas neste fim de semana provas de campeonato locais em Zandvoort, onde será realizada a quarta etapa da F1. A principal atração do circuito holandês são as curvas inclinadas, ao estilo dos circuitos ovais norte-americanos.

Nelas, um Porsche GT3, dirigido por Huub van Eijndhoven, se descontrolou na saída da curva Quatro, uma das que receberam inclinação durante a reforma da pista, e foi catapultado por cima dos guard-rails. Por sorte, e pela estrutura de segurança do carro, o piloto nada sofreu. Essa era a quinta corrida de Eijndhoven no Supercar Challenge GT da Holanda.

O acidente deixou claro que os guard-rails, todos com três lâminas, precisam ser mais altos para impedir que os carros ultrapassem os limites do circuito. Principalmente nas curvas inclinadas, que permitem velocidades muito mais altas que as planas. O Grande Prêmio da Holanda será no dia três de maio.

Às 20h30 desta segunda-feira, eu e Cassio Politi gravaremos ao vivo o podcast Rádio Paddock, que volta ao ar na próxima quarta-feira. Para participar da gravação é só acessar o canal youtube.com/litocavalcanti.