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Vinte e Dois

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Mais um colapso no Leste deixa Philadelphia 76ers à beira da eliminação

Doc Rivers, técnico do Philadelphia 76ers, durante jogo contra o Atlanta Hawks nos playoffs da NBA - Tim Nwachukwu/Getty Images/AFP
Doc Rivers, técnico do Philadelphia 76ers, durante jogo contra o Atlanta Hawks nos playoffs da NBA Imagem: Tim Nwachukwu/Getty Images/AFP

Vitor Camargo

Colunista do UOL

18/06/2021 04h00

Um dia depois de o Milwaukee Bucks sofrer um colapso épico contra o Brooklyn Nets e entregar uma vantagem de 17 pontos para se colocar a uma derrota da eliminação, nós só precisamos de 24h para outro time não apenas igualar, mas superar a façanha duvidosa.

No terceiro quarto do Jogo 5, o Philadelphia 76ers chegou a liderar o Atlanta Hawks por 25 pontos faltando quatro minutos no relógio. Naquele momento, o modelo de probabilidades da ESPN dava aos Sixers 99,7% de chance de vencer a partida. No entanto, quando o jogo acabou, era o Atlanta Hawks que tinha aberto 3 a 2 na série e agora viaja para a casa podendo fechar a série no Jogo 6, enquanto Philly lambe as feridas após o terceiro maior colapso dos playoffs nos últimos 25 anos.

Se você apenas olhasse o box score da partida sem saber o resultado final, nunca teria imaginado que Atlanta venceu a partida. Trae Young foi excelente mais uma vez com 39 pontos e sete assistências, mas os Hawks foram -6 com ele em quadra. Na verdade, todos os titulares do time tiveram saldo negativo. Kevin Huerter teve incríveis -23, errando todos seus sete arremessos de quadra. Bogdanovic chutou 3-9 e não acertou nenhuma bola longa. Do outro lado, Joel Embiid teve 37 pontos, 15 rebotes, cinco assistências e quatro tocos, sendo +11 em quadra. Furkan Korkmaz, titular no lugar do machucado Danny Green, foi um +22. Seth Curry anotou 36 pontos com sete bolas de três. Tudo parecia indicar uma performance dominante dos 76ers, e foi o que tivemos por três quartos... até Atlanta dominar e vencer o último por 40 a 21. O que exatamente aconteceu?

Curiosamente, esse perfil de box score em uma derrota faz lembrar muito outro jogo dessa mesmíssima série: o Jogo 1, no qual Atlanta também venceu apesar de um grande jogo de Embiid e todos seus titulares com +/- no negativo. Na ocasião, o grande diferencial final foi a performance dos reservas da Philadelphia. Doc Rivers, técnico dos 76ers, inexplicavelmente, decidiu tirar todos seus titulares de uma vez e usar reservas no primeiro tempo. O quinteto foi massacrado, perdendo por nove pontos.

No segundo tempo, Rivers insistiu nas formações dependentes do banco, com quatro reservas e só um titular (Simmons ou Harris), e novamente essas formações não tiveram chance mesmo contra os reservas dos Hawks. No fim do jogo, Atlanta venceu por quatro pontos, e os Sixers foram -16 nos minutos com formações com quatro ou cinco reservas, mas +12 com todas as outras.

Essa insistência de Rivers nas formações com quatro ou cinco reservas novamente deu as caras no Jogo 5. Apesar de elas terem sido destruídas durante TODA a série, o técnico novamente recorreu a elas no fim do terceiro período, até mesmo chegando a colocar em quadra o quinteto com cinco reservas. No momento, Philly tinha uma vantagem de 22 pontos, mas Atlanta imediatamente emendou uma sequência de 13 a 2 em quatro minutos para apertar o placar antes que os titulares finalmente voltassem à quadra. No total, as formações com quatro ou cinco reservas em que Rivers tanto insiste foram -14 em nove minutos, enquanto todas as outras foram +11. Então não é totalmente incorreto dizer que novamente foi o banco - e a forma como ele foi utilizado - que custou mais um jogo aos 76ers.

Mas, apesar de não ser incorreto, também não conta a verdade toda. Mesmo que no agregado Philly tenha de fato perdido o jogo nos minutos dos reservas, o time ainda tinha uma vantagem de 11 pontos quando os titulares voltaram para quadra faltando 10 minutos no quarto período. E isso aconteceu porque esse quarto período expôs todas as deficiências inerentes aos 76ers de uma vez só, começando por Embiid. Ele é um fenômeno, absolutamente dominante, mas também está jogando com um rompimento no menisco e visivelmente limitado fisicamente, especialmente conforme o jogo vai prosseguindo.

A dominação de Embiid no primeiro tempo foi parte importante de como Philly abriu sua vantagem em primeiro lugar, mas, chegando no quarto período, ele estava visivelmente desgastado, com muito menos mobilidade e vivendo apenas dos arremessos. Nessas horas, o time inevitavelmente precisa que outros jogadores apareçam, mas tirando Seth Curry, literalmente NENHUM jogador dos Sixers fez uma cesta sequer no segundo tempo.

O elefante na sala nesse sentido é Ben Simmons, e não sem razão. Por mais espetacular que sejam seus passes e sua defesa - de fato, sua defesa em Trae Young foi o que ajudou os Sixers a virarem a série em primeiro lugar - seus problemas ofensivos estão cada vez maiores conforme Atlanta aprende a explorar as deficiências do australiano. Todo mundo já falou muito sobre a falta de arremesso de Simmons e o quanto isso afeta o espaçamento para Philly, mas sua recusa em arremessar talvez seja ainda mais chocante.

Com o resto do time perdido e Embiid claramente limitado, precisando desesperadamente de que seus companheiros ajudassem no ataque, Simmons tentou - de novo, TENTOU - exatamente zero arremessos no quarto período. Ainda pior foram seus lances livres: os Hawks recorreram à tática "hack-a-Shaq" contra ele, fazendo faltas intencionais sobre o armador e enviando ele para a linha do lance livre, tática que tem como objetivo tirar o ritmo do ataque e expor sua incapacidade nesses lances. Simmons acertou apenas quatro de 14 lances livres, a pior performance de um armador da história da pós-temporada, e foi parte importante do quão ruim o ataque dos Sixers foi - ao ponto de que Rivers precisou tirar de quadra sua segunda estrela para tentar estancar o sangramento em minutos decisivos. Na ausência da sua defesa, Trae Young aproveitou para embalar de vez e definir o jogo.

Ainda pior do que os erros, a tática de hack-a-Simmons teve outro problema: ela resolveu um dilema dos Hawks que foi fundamental na sua virada. Atlanta apostou no quarto período em formações com Lou Williams e Trae Young. Por um lado, a dupla oferece o enorme poder de fogo que o time precisava para tirar a diferença no placar. Mas são dois péssimos defensores que tornam impossível forçar erros do outro lado da quadra. Os lances livres de Simmons ofereceram a solução perfeita para manter Lou e Trae juntos em quadra, com as faltas intencionais (e os erros subsequentes do armador) impedindo que a dupla fosse explorada na defesa. Lou foi espetacular no quarto período, com 13 pontos e sendo absolutamente imparável, praticamente trazendo o time de volta por conta própria, e o único motivo para ele poder continuar em quadra foram os erros de lances livres de Simmons.

Outro jogador que não está recebendo as críticas que merece por suas contribuições (negativas) para Philly no Jogo 5 é Tobias Harris. Simmons foi péssimo no ataque, mas isso já é quase esperado - suas limitações são bem conhecidas. Harris, por outro lado, está sendo pago justamente para ocupar o papel de segundo pontuador do time, o que é ainda mais importante com Embiid machucado. Os pontos dele foram fundamentais na primeira rodada - especialmente após a lesão de o pivô - e nas duas vitórias sobre Atlanta, mas, nesse jogo 5, ele teve uma das piores performances da carreira: 2-11, apenas quatro pontos, e uma sequência incrível de erros no quarto período, que dava a impressão que ele estava tentando entregar o jogo. Ele parecia com medo de arremessar, e quando tentava errava.

Foi uma tempestade perfeita de tudo que pode dar errado para o Sixers de uma vez só: erros gravíssimos do seu técnico, problemas com o banco, as deficiências de Simmons sendo expostas, Harris completamente desaparecido, e um time que, quando chegou na hora decisiva, simplesmente não sabia o que fazer. Ninguém parecia querer arremessar ou tomar uma decisão. O time ficava jogando a bola em Embiid e esperando ele resolver tudo sozinho como no primeiro quarto, mas ele não estava em condições físicas para isso.

Enquanto isso, a equipe muito mais jovem e inexperiente dos Hawks manteve a cabeça no lugar, continuou jogando no erro do adversário e soube explorar as deficiências alheias enquanto se mantendo dentro do que faz de melhor. Nenhuma grande virada é feita de um time só, e Atlanta merece os méritos não só pela resiliência, mas pelas atuações de Lou, Trae e Gallinari que conduziram essa virada histórica. Não podemos deixar o colapso épico dos Sixers desviar nossa atenção do quão incrível foi o que fizeram os Hawks, um time jovem em sua primeira experiência em playoffs.