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Cossenza Responde: Wild e Meligeni, final de RG, 5 min. com Federer e mais

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Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

31/12/2020 11h28

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A última semana do ano aqui no blog é também tempo de #CossenzaResponde, aquele post em que eu escolho as perguntas mais interessantes que apareceram no Twitter (e, este ano, também no Instagram) para dizer o que eu acho sobre qualquer que seja o tema. Neste último dia de 2020, falo sobre a relação de amizade (ou não) entre Nadal, Federer e Djokovic, a final de Roland Garros, o potencial de Thiago Wild e Felipe Meligeni, os porquês de o Brasil estar tão atrás da Argentina, o 2021 de Andy Murray e o hype em cima de Jannik Sinner.

Além disso, falei o que faria se recebesse um cheque em branco para desenvolver o tênis brasileiro, comentei o cenário para trabalhar jornalisticamente com a modalidade no país e revelei o que eu gostaria de perguntar se tivesse cinco minutos com Roger Federer.

E antes que você, leitor, siga adiante no post, fique com meu agradecimento pela companhia de sempre e meus desejos de que o seu 2021 tenha mais aces e menos duplas faltas e, principalmente, que sua superfície de jogo seja bem mais suave do que na quadra de 2020. Uma boa virada de ano para todos. Saúde sempre. Até daqui a pouco.

Primeiro, é preciso estabelecer o que seria uma "nova geração". Usemos, só para efeito deste exercício de imaginação, 22 anos como divisor. Partindo disso, não vejo ninguém no tênis feminino com até 22 anos para dar um grande salto de qualidade ou no ranking em 2021. No masculino, Thiago Wild (20) e Felipe Meligeni (22) são os nomes óbvios. Wild é o mais pronto dos dois e terá a vantagem de manter os 250 pontos do título de Santiago até 2022. Além disso, os 80 do título de Guaiaquil/2019 vão ficar com ele até a reta final de 2021. Considerando isso e o espaço para evolução técnica, o céu é o limite. Meligeni vem amadurecendo um pouco depois, mas também tem um potencial enorme - tecnicamente, parece ter mais espaço ainda a evoluir do que Wild. Orlando Luz (22) vem um pouco atrás. Embora não tenha evoluído tão rápido quanto alguns esperavam (e isso inclui ele mesmo, a julgar por entrevistas que deu), o gaúcho também tem bastante potencial para crescer. A turma seguinte, com João Lucas Reis (20), Gilbert Klier (20), Matheus Pucinelli (19), Gustavo Heide (18) e outros, também tem seu potencial, mas não vejo esses nomes alcançando o trio acima já em 2021. Quem sabe, né?

Ótima pergunta, Lucas. Pelo que vi, ele não disputou a reta final de torneios tão preparado ou afiado como devia/poderia estar. Não acredito que tenha a ver com o nível de torneios - das sete derrotas seguidas, cinco foram em Challengers (uma final e quatro estreias) e duas foram em primeiras rodadas de qualifying. Pressão? Acho justamente o contrário. Talvez tenha faltado motivação mesmo. Wild tinha os 80 pontos de Guaiaquil garantidos e não perderá os 250 do título de Santiago. Ainda assim, a reta final de 2020 era uma chance para saltar algumas posições e garantir uma vaga direta no Australian Open. Fica como oportunidade perdida, e o paranaense agora precisa torcer por desistências para não precisar ir até Dubai jogar o qualifying.

Não sei se eu chamaria de "panela", viu? Tem um histórico aí que ajuda a explicar por que Nadal e Federer têm uma relação de maior proximidade. Isso tem muito a ver com o enorme respeito que um sempre teve pelo outro - o que inclui os respectivos times. Com Djokovic, os atritos são de longa data e vêm desde lá atrás, em 2006, quando ele abandonou uma partida perdendo para Nadal em Roland Garros e disse que tinha o controle do jogo. As desistências do sérvio, aliás, renderam uma rara entrevista irônica em que Federer critica a postura de Nole por abandonar partidas. Falando em entrevistas, não foram poucas oportunidades em que o pai de Djokovic criticou Federer abertamente. Com Nadal, ainda houve o atrito de 2011, ano em que o sérvio somou seguidas vitórias sobre o espanhol, a rivalidade cresceu, e houve um climão que acabou com Benito Perez Barbadillo, assessor de ambos, tendo que escolher um lado (ele trabalha com Nadal até hoje). Somando a isso tudo as discordâncias sobre a direção que a ATP deve tomar e a disputa por poder no Conselho dos Jogadores, acho que ficam claras as diferenças.

Essa é a eterna pergunta, Renan. Ela faz sentido porque estamos falando de um país vizinho, que tem as mesmas dificuldades geográficas (distância em relação aos maiores torneios) e financeiras que o Brasil, além de ter uma federação nacional que historicamente não é conhecida por ajudar financeiramente os atletas (e nem acho que federação deva bancar profissional no meio da carreira, mas isso acontece em alguns países por interesses extraquadra). Eu só discordo quando você usa "pelo menos" na questão. Mirar a Argentina é pensar bem alto. Estamos falando de um país que tem quatro campeões de slam (em simples), jogou cinco finais de Copa Davis (campeão em 2016) e que hoje, mesmo com uma geração nada espetacular para os padrões argentinos, tem um top 10 entre os homens e uma semifinalista de Roland Garros entre as mulheres. É muita coisa. Tudo isso sem contar com tantos torneios profissionais no país, patrocinadores fortes ou ajuda estatal. Isso não aconteceu da noite para o dia lá e não vai acontecer tão cedo aqui. Eles têm uma cultura esportiva (não só no tênis) diferente, têm mais técnicos bem preparados e atletas que começam a caminhada sabendo bem as dificuldades que enfrentarão e não ficam esperando ou contando com esmolas daqui e dali. Leia o que o Chico Costa fala sobre a "cultura do atalho" e você vai entender um pouco melhor a coisa toda. A grande dificuldade, a meu ver, é que o Brasil está muito atrás em muitos quesitos que nem dependem de dinheiro. Temos "panelas", temos rivalidades internas (já foi pior), temos poucos treinadores no alto rendimento e temos poucos jovens atletas realmente bem orientados. É óbvio que um patrocinador forte, um centro de treinamento e mais torneios ajudariam demais (já falo mais sobre isso), mas isso dependeria de outros fatores - econômicos e estruturais - para transformar o Brasil numa potência tenística como a Argentina.

Adorei essa pergunta, Francisco, porque o Brasil tem um zilionário que jogou tênis e, até onde eu sei, nem ele deu um cheque em branco para investir por aqui. E, convenhamos, ele não está errado, né? Mas você sugere um cenário fictício tentador, então vou topar esse Farmville tenístico.

Primeiro, a base: é preciso formar professores e educadores (algo que, lembremos, Guga faz muito bem numa escala menor, em suas escolinhas), depois treinadores, depois técnicos de alto rendimento. E se eu tenho dinheiro, não preciso abrir um "cursinho" cobrando por essa formação. Posso levar os cursos aos interessados e ir até um pouco mais longe: só trabalha no meio quem tiver a formação adequada. E posso exigir isso porque eu tenho meios para formar todos esses profissionais sem que eles precisem pagar (lembro que neste exercício estamos partindo do cheque em branco). O próximo passo é criar um circuito juvenil com um número razoável de etapas espalhadas pelo país. Gera competição, aumenta o nível, estimula o esporte em mais regiões.

Depois disso, dá para pensar em promover/subsidiar torneios profissionais de todos os níveis. Uns 40 WTTs (M15, M25, W15, W25, W60, W80 e W100), duas dezenas de Challengers e um par de ATPs. Se a base está bem feita e surgem mais atletas de bom nível, eles vão ter chances nesses torneios. O raciocínio aqui não é muito diferente do que acontece na Itália. Obviamente, um cenário assim atrairia tenistas do mundo todo, mas isso também fortaleceria os torneios e, indiretamente, ajudaria os brasileiros.

No topo dessa pirâmide, um centro nacional de treinamento em uma cidade grande que abrigaria os melhores do país (de todas faixas etárias) e permitiria que todos treinassem no mesmo ambiente. Quebraria as panelas, estimularia a troca de informações e traria uma série de outros benefícios logísticos. Contrataria renomados técnicos estrangeiros para uma primeira fase e, num segundo momento, promoveria os técnicos desenvolvidos no país.

Sobrou dinheiro? Contrataria lobistas que brigassem por uma mudança na política esportiva brasileira. Ou, melhor dizendo, pela criação de uma política esportiva que leve mais modalidades às crianças, que permita a descoberta de mais talentos, que possibilite a orientação e o desenvolvimento desses talentos. Essa, sim, é "A" grande mudança estrutural que o país precisa.

E se ficar algum trocado na conta, ainda ataco a vila da Jennifer Lopez só para ver se aqueles anúncios toscamente dublados desaparecem do meu Instagram (eu colocaria o link para um deles aqui, mas não farei isso de graça).

Eu acho que a coisa toda envolvendo o Sinner tem a ver com a relação idade/potencial. Ele é o único adolescente no top 100, já tem um título de ATP (Félix, com 20, não tem) e tem um tênis agressivo, que muita gente gosta de ver. Se eu me lembro bem, não é muito diferente da expectativa que existia em cima do Zverev em 2015/16, quando ele tinha seus 19 e entrava no top 50. Também ajuda a explicar esse hype o fato de o Sinner já ter no currículo quartas de final de slam com apenas cinco slams disputados. É claro que o italiano ainda tem muito a conquistar, e ele não tem tantas vitórias grandes assim (venceu dois top 10 em sete confrontos, mas um desses triunfos veio sobre um Zverev doente). Maaaas não acho o hype exagerado, não, viu?

Fisicamente, estava sim. Maaas pegou um Nadal no saibro, em Roland Garros, fazendo um dos melhores jogos de sua carreira e ganhando quase todos pontos importantes. Um detalhe interessante daquela partida é que o primeiro set, que terminou com um pneu de Nadal, teve quatro games em "iguais". E mais: os cinco primeiros games do segundo set tiveram 30/30 ou "iguais", e Nadal venceu quatro deles. Estamos falando de nove games equilibrados, e o número 1 do mundo venceu apenas um. Isso dá a dimensão do que Nadal fez nessa final.

A questão dos pisos não é muito diferente de tudo que envolve a velocidade das quadras. É claro que eu adoraria ver um circuito com mais torneios de saibro e, principalmente, de grama, assim como uma maior variedade na velocidade das superfícies de jogo. Por outro lado, não acho que seja o caso de chamar de justo ou injusto. O circuito é o que é por uma série de circunstâncias. Nos últimos 20-25 anos, o calendário foi montado para privilegiar os slams (o que me parece muito justo) e os Masters/WTA 1000, transformando quase todo o resto em datas de "aquecimento". Ou seja, joga-se no saibro nos dois meses que antecedem Roland Garros, na grama antes de Wimbledon e em quadras duras o resto do ano, com raras exceções. Até os torneios de fevereiro viraram "aquecimento" para Indian Wells e Miami - daí a dificuldade dos eventos sul-americanos em atrair mais estrelas. Não vejo uma saída para isso do mesmo jeito que não imagino um circuito com quadras mais rápidas. O público prefere ver ralis a dois sacadores trocando aces. Logo, os torneios foram se ajustando a isso, usando pisos cada vez mais lentos para criar um equilíbrio com atletas mais velozes e que batem mais forte na bola do que há 20 anos. Até os torneios indoor se livraram dos carpetes supervelozes.

Acho que os "desafios" (palavra bonitinha que o mundo corporativo usa no lugar de "problema") serão os mesmos de sempre, principalmente em um lugar com moeda fraca em relação ao países que sediam torneios maiores. É obviamente mais difícil e menos agradável cobrir um esporte sem estar perto dos atletas, ver treinos, circular e colher informações de bastidores. Fora isso, existe o dilema de sempre: tenistas mal formados, mal orientados sobre o trabalho da imprensa e que, consequentemente, ou evitam dar entrevistas ou conversam com jornalistas usando frases feitas como "o importante é desfrutar", "não tenho expectativas" ou "preciso melhorar tudo." Infelizmente, ainda reina, entre técnicos e atletas, o conceito de que a profissão de tenista é apenas entrar em quadra, treinar e competir. De modo geral - e isso também inclui patrocinadores e dirigentes - o cenário do tênis brasileiro ainda tem muito amadorismo.

Se é possível viver só do jornalismo com a cobertura de tênis? Não sei. Nunca vivi só do tênis. Não conseguiria. Acho que é um cenário parecido com o que o Chico Costa disse em nossa entrevista recente. É preciso deixar de ser apenas jornalista para ser um empresário do tênis. E isso requer certos acordos comerciais que acabam causando conflitos de interesse.

Um ótimo 2021 para você também! Eu não curto muito fazer "previsão", vocês sabem, né? Ainda mais no caso do Murray, que não conseguiu uma sequência de resultados ou jogos desde o título na Antuérpia, em 2019. Foram só oito partidas (quatro vitórias) em 2020, e as derrotas para Auger-Aliassime e Wawrinka deixaram uma péssima impressão. Porém, o escocês fez bons jogos semana passada, contra Evans e Norrie, o que indica que ele está, na pior das hipóteses, competitivo em melhor de três sets. Não imagino um 2021 trágico, não, viu? Se o corpo permitir, claro.

Um pouco de cada. Embora não esteja tão longe, o Demo não está, tecnicamente, no nível da elite-elite. Fora isso, existe o eterno problema da "bolha" das duplas. Como não há qualifying nos Masters 1000, é preciso uma sequência de bons resultados nos 250 e 500 para se aproximar do top 30, de onde é mais fácil - ou menos difícil - entrar nos Masters. Roma e Madri, por exemplo, costumam fechar em 60-70, e esse número é a soma dos rankings dos dos tenistas. Não conseguindo, o caminho de Demo para para os Masters vai quase sempre depender de uma parceria com um simplista top como Medvedev, que já atuou com o brasileiro antes. O problema dessa opção é que o gaúcho vira "passageiro" no torneio, dependendo da boa vontade do parceiro, que pode desistir das duplas se for longe nas simples.

Em mais ou menos 15 anos acompanhando as carreiras dos três, já tive várias perguntas que quis fazer (e fiz algumas) para cada um deles, mas poucas sobre tênis. Já perguntei a Nadal (em 2006, parece outra vida), por exemplo, sobre sua relação com o dinheiro. Hoje, eu gostaria de bater um papo com Federer para conversar sobre longevidade e sua vontade de continuar competindo. Todos sabemos que ele adora tênis e os torneios porque ele já disse isso em muitas entrevistas, mas no meu mundo dos sonhos eu teria cinco minutos com o suíço para destrinchar esse sentimento e fazê-lo ser um pouco mais específico. Sabe aquele diálogo de pai e filho em que a criança segue perguntando "por quê?"? Acho que quem fizer isso com Federer e sua relação com o tênis vai tirar uma resposta bem bacana - até poética - sobre o assunto.

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