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Prefeitura de SP abre mão de vender cotas da F1 e perde até R$ 100 milhões

A Prefeitura de São Paulo deixou de arrecadar até R$ 100 milhões ao abrir mão de tentar comercializar, nos últimos dois anos, sob gestão de Ricardo Nunes (MDB), as quatro cotas publicitárias do GP São Paulo de Fórmula 1 que comprou com o objetivo, descrito em contrato, de revendê-las. Procurada, a prefeitura não respondeu à reportagem.

Na engenharia financeira do acordo, recentemente renovado até 2030, a prefeitura é responsável por pagar US$ 25 milhões por ano à Fórmula 1, além de bancar obras e a organização, recebendo como contrapartida o direito de comercializar essas quatro cotas e abater parte do investimento.

Na época, o prefeito Bruno Covas (PSDB) só aceitava pagar US$ 15 milhões em taxas pela corrida, a F1 queria US$ 25 milhões, e o então governador João Doria (na época no PSDB, hoje sem partido) aceitou que o estado arcasse com os US$ 10 milhões faltantes, com a condição que essas cotas fossem incluídas no contrato. Ele as revenderia a empresas interessadas em exibir suas marcas na corrida e jogaria a conta para a "iniciativa privada".

Só que a participação do estado no negócio não faz parte do contrato. Ainda que tenha sido Doria a tomar a frente das negociações, sendo ele inclusive o responsável pelo anúncio do acerto, só a prefeitura assumiu responsabilidades junto à F1.

À época, a justificativa foi que incluir o estado no contrato demandaria uma série de aprovações, que atrasariam a assinatura e poderiam fazer São Paulo perder a corrida para Miami ou Los Angeles. O acordo foi anunciado antes de ser assinado, três dias antes do primeiro turno da eleição municipal, na qual Bruno Covas concorria à reeleição. Após a morte de Covas, Ricardo Nunes, seu vice, assumiu a Prefeitura.

O que ficou acertado, então, era que o estado compraria essas cotas por US$ 10 milhões junto à prefeitura e as revenderia ao mercado, assumindo o risco de não arrecadar o total que pagou.

Doria fora, estado fora

O modelo de negócio foi executado no primeiro GP do novo contrato, de 2021. O estado comprou as cotas por US$ 10 milhões e as ofereceu ao mercado através de uma concorrência pública. O próprio governador recebeu cerca de 30 empresários em evento no Palácio dos Bandeirantes, com a participação do já prefeito Ricardo Nunes e do promotor do GP, Alan Adler, para apresentar o projeto.

Ali, disse que queria arrecadar R$ 32 milhões com essas cotas, que foram rearranjadas em uma "ouro", outra "prata" e duas "bronze" — por contrato, elas têm as mesmas propriedades. A Raizen fez a única oferta, de R$ 10 milhões, para arrematar a ouro, e as de bronze foram vendidas para a Fortesec e a Fundação 25 de Janeiro (São Paulo Convention & Visitors Bureau), por R$ 4 milhões cada. No total o estado recuperou R$ 18 milhões.

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Em 2021 e 2022, porém, a prefeitura sequer procurou o estado para oferecer-lhe as quatro cotas, conforme foi confirmado pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) à coluna. A Secretaria Estadual de Turismo também confirmou que não há nenhum registro de conversas sobre esse assunto para a prova do ano passado, quando o governador era Rodrigo Garcia (PSDB). Vice de Doria, ele assumiu o governo em abril de 2022, concorreu à reeleição e foi derrotado ainda no primeiro turno.

Prejuízo para o município

Pelo contrato firmado entre prefeitura e F1, o município tem o direito de "reter a receita derivada da venda" de "quatro pacotes de eventos locais" (as cotas publicitárias), mas a gestão Ricardo Nunes não colocou esses direitos à venda nos últimos dois GPs. A Raizen, que na primeira corrida comprou a cota da prefeitura, seguiu como patrocinadora, mas pagando diretamente à F1 em 2022 e 2023.

O governo municipal incorporou os direitos encalhados à cota que pertence à prefeitura, e que dá a ela o nome "GP São Paulo" e o direito de expor placas de grande visibilidade, na cobertura dos boxes e na reta de largada.

Na corrida deste ano, as placas de todas as cinco cotas foram utilizadas para fazer propaganda institucional da cidade. Também ficaram com a prefeitura 80 ingressos de hospitalidade Paddock Club VIP, 400 ingressos "comuns" e um espaço de 800 m² para ativação publicitária na Fan Zone.

Parte dos direitos associados às cotas, porém, ela já tinha, como acesso facilitado à compra de ingressos, oportunidade de ativação na Fan Zone e desconto na aquisição de imagens para uso publicitário.

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Como revelou o Olhar Olímpico em 2021, ainda que seja a dona da prova, a prefeitura não tem direito a receitas de bilheteria ou de paddock. Quem fica com o dinheiro é uma empresa chamada Brasil Motorsport, que a F1 exige, em contrato, que seja contratada pela prefeitura por R$ 20 milhões/ano como organizadora. Além disso, cabe ao governo municipal realizar obras em Interlagos, já que o autódromo é municipal.

A prefeitura foi procurada por intermédio de sua assessoria de imprensa, na quarta-feira. Na sexta, quando o UOL insistiu, a gestão Ricardo Nunes pediu maior prazo para responder aos questionamentos, o que foi concedido. Desde então, não houve nenhuma resposta. O espaço segue aberto e o texto será atualizado quando houver resposta.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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