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Olhar Olímpico

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Australiano admite pela primeira vez que Sydney 'comprou' Olimpíada de 2000

Sydney, na Austrália  - Getty Images
Sydney, na Austrália Imagem: Getty Images

04/05/2022 16h32

Um dos dirigentes mais importantes do movimento olímpico, John Coates, presidente de honra do Comitê Olímpico Australiano, admitiu em uma entrevista descoberta agora que Sydney comprou o direito de sediar as Olimpíadas de 2000 pagando dois dirigentes africanos pelo voto deles. A votação terminou com diferença de apenas dois votos de Sydney sobre Pequim.

Na entrevista, dada em 2008 a um pesquisador da Universidade de Victoria, como parte de um projeto para preservar a história oral do esporte australiano na Biblioteca Nacional do país, Coates contou detalhes do acordo costurado por ele com um queniano e um ugandense que, à época, eram membros do Comitê Olímpico Internacional (COI) e tinham direito a voto na escola da sede olímpica.

Coates, que atualmente é vice-presidente do COI, na época liderava o Comitê Olímpico Australiano, e na entrevista contou que se reuniu com o queniano Charles Mukora e o ugandense Francis Nyangweso em um banquete em 1993, na véspera da votação decisiva. 'Fui até eles e 'Olha, vocês sabem, se vocês votarem na gente e a gente vencer, então há US$ 50.000 para cada um de seus dois Comitês Olímpicos. Dez (mil) por ano pelos próximos cinco anos ou o que quer que seja."

A oferta de recursos da Austrália para comitês olímpicos africanos em troca de votos já era conhecida, tendo vindo à tona durante as investigações que concluíram que os Estados Unidos fizeram isso para ter a Olimpíada de Inverno de 2002 em Salt Lake City. Mas Coates, ao longo dos anos, negou que o dinheiro fosse um suborno.

Agora, surge uma declaração em que Coates admite que Sydney 'comprou' a Olimpíada. "Um desses membros direcionou os 10 (mil dólares) para sua própria conta bancária e houve uma investigação sobre tudo isso e, portanto, foi sugerido que compramos os Jogos. Bem, em grande medida, nós fizemos…", afirmou.

As declarações foram publicadas no fim de semana em uma reportagem do jornal britânico The Guardian, que ouviu do COI que nenhuma regra foi quebrada com essas revelações de Coates, uma vez que, na época, era permitido que um país candidato a sediar a Olimpíada doasse dinheiro a outro com direito a voto.

Isso foi alterado depois que, em 1998, veio à tona que os Estados Unidos haviam oferecido vantagens e diversos eleitores do COI pelos votos para que Salt Lake City vencesse (como venceu) a votação pela sede dos Jogos de Inverno de 2002. Primeiro descobriu-se que o filho de um membro do COI tinha sua escola paga pelo comitê de candidatura norte-americano. Depois, investigações apontaram que cerca de 20 outros membros também recebiam vantagens de todo o tipo.

Mukora, o dirigente queniano citado por Coates, foi acusado de receber pagamentos em sua conta pessoal e renunciou à sua cadeira no COI antes que fosse expulso. Nyangweso, de Uganda, foi inocentado por um relatório independente, mas também acabou banido em meio ao escândalo, que deixou claro que quem investia mais dinheiro comprando votos vencia eleições do COI.

Esse tráfico de influência, segundo relatório do advogado canadense Richard Pound, vinha desde os anos 1980. Apesar das regras proibindo, o modelo continuou em vigor. Investigadores franceses apontaram que tanto o Brasil, que ganhou o direito de organizar a Rio-2016, quanto o Japão, por Tóquio-2020, pagaram o senegalês Lamine Diack no âmbito das respectivas eleições.