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Atiradores treinam em casa e confederação estuda até torneio online

Alexandre Galgani treina em estande construído no quintal de casa - Arquivo Pessoal
Alexandre Galgani treina em estande construído no quintal de casa Imagem: Arquivo Pessoal

16/04/2020 04h00

A maratona corrida ao redor da mesa de jantar nunca vai substituir uma prova pelas ruas de uma grande cidade em meio a milhares de adversários, assim como pedalar sobre um rolo passa longe da adrenalina de subir e descer uma serra com o vento no rosto. Mas simular a prática de um esporte dentro de casa é a opção que resta a atletas de todo o mundo, das mais diversas modalidades, até da mais improvável delas, o tiro esportivo.

A prática não é nova, conhecida como "tiro a seco", realizado sem munição, para treinar toda a técnica do esporte, que vai muito além da mira. À medida que a tecnologia se desenvolve, o tiro a seco também vai ganhando novas opções, com monitoramento online. No Brasil, sem nenhum atirador classificado para a Olimpíada, a Confederação Brasileira de Tiro Esportivo (CBTE) estuda até realizar um campeonato remoto, com cada atleta atirando a seco dentro da sua própria casa.

"O Scatt é um equipamento antigo, que hoje se modernizou. Vamos dizer que praticamente 90% dos atletas acabam fazendo esse treinamento a seco em casa ou em algum local que ele tenha isso instalado. Agora, por causa da pandemia, aumentou muito mais o treinamento com Scatt e a seco", explica James Walter Lowry, diretor de Carabina e Pistola da entidade.

O Scatt é um sistema que custa de US$ 1 mil (com fio) a US$ 2 mil (sem fio) e que pode ser instalado em qualquer lugar. Um dispositivo é acoplado no cano da arma e o tiro, sem munição, é dado em direção a um alvo marcado em uma parede. No computador, o Scatt aponta não só a pontuação do tiro como apresenta diversos dados, que vão de tempo de acionamento a posição da ama. Tudo para melhorar a técnica. Os tiros podem ser dados a qualquer distância a partir de três metros, e o próprio sistema faz as adaptações necessárias para computar o efeito de cada tiro à distância correta do alvo - 10m, 25m, 50m.

José Ailton Patriota, diretor técnico da CBTE, treina na cama de casal do próprio quarto. Atleta amador de tiro ao prato, ele utiliza outro equipamento, pouco mais complexo, o Dryfire. Por esse sistema, que custa US$ 1,2 mil, é projetado na parede, com laser, um ponto móvel que simula um prato saído de uma fossa. Com uma arma também sem munição e com outro dispositivo de laser acoplado, ele dá o tiro tentando acertar o ponto na parede.

Com um pouco mais de trabalho, poderia até fazer uma simulação ainda mais real, com projeção imagem real de uma pedana (local de competição). Importante, porém, é treinar a rotina de movimentos. "É mais pelo movimento muscular de estar com a arma. O tiro ao prato é um esporte muito metódico. Você treina desde o movimento de apoiar a arma no ombro até o posicionamento", explica Patriota, que dá 100 tiros por dia. Com munição de verdade, um treino assim custaria R$ 250 por dia, entre cartuchos e pratos.

Segundo ele, apenas seis atiradores brasileiros têm o equipamento, que tem sido utilizado por diversos países para atrair novos atletas. "Você usa o simulador para conseguir pessoas novas e só leva para atirar de verdade quando já está com sua técnica consolidada. Dá para instalar em escola, shopping, com armas não detonáveis, trata como uma brincadeira, com baixíssimo custo, e atrai mais gente para um esporte", diz ele.

Atleta mais velha do Brasil nos Jogos Pan-Americanos de Lima e presidente da comissão de atletas do tiro esportivo, Janice Teixeira diz que os sistemas tecnológicos ajudam, mas não resolvem o problema de quem precisa treinar em altíssimo rendimento. "A maioria das pessoas o que faz? Você monta a espingarda, coloca tua roupa, vai para alguma parte da sua casa, e faz o tiro em seco. Nesse momento, é a única coisa que tu podes fazer, e trabalhar bem mais a questão emocional. Fazer um bom trabalho em casa de exercício mental. No tiro ao prato é muito difícil falar que vai te render alguma coisa", argumenta.

Em três semanas, desde que chegou de uma viagem à Europa, ela já fez pelo menos 10 treinamentos com a espingarda, sem munição, mirando pratos que ficam em cantos opostos da sala. "Tu tenta ao máximo manter teu treinamento. Isso é extremamente importante, então tu fica simulando muito mais mentalmente do que fisicamente, também para não perder o hábito e a empunhadeira".

Treino no quintal

Cem anos depois de dar ao Brasil suas primeiras medalhas olímpicas e quatro anos após a prata de Felipe Wu, o Brasil não tem nenhum atleta classificado para a Olimpíada no tiro esportivo. Ao menos por enquanto, o único brasileiro com vaga em Tóquio é o cadeirante Alexandre Galgani, para a Paraolimpíada.

Com dificuldades de locomoção, Galgani, que perdeu grande parte dos movimentos dos membros aos 18 anos, após bater a cabeça no fundo de uma piscina e lesionar sua coluna, precisava viajar 40 quilômetros ente sua casa, em Sumaré, o estande de tiro em Campinas. Há um ano e meio, resolveu o problema montando um estande de tiro no quintal de casa, onde treina como auxílio da mãe.

Classificado para a Paraolimpíada em três provas, Galgani gasta ao menos R$ 300 em munição cada vez que treina com uma carabina calibre 22. Seus treinos também incluem um alvo eletrônico, acionado por tiros com chumbinho, e o Scatt, que não é seu preferido. "O problema de treinar a seco é que você não vê o resultado real. O Scatt é bom para corrigir posicionamento, mas quando você treina no Scatt a pontuação é mais alta. Como eu tenho o estande em casa, eu uso o Scatt mais quando tem erro no meu posicionamento", explica.

Esportivamente, para ele o adiamento da Paraolimpíada foi ruim. "Eu estava no auge do meu treinamento. Com a média de pontuação que eu estou, eu consigo ir para a final nas três provas. Eu tenho que manter o nível, mas eu não sei como vou estar de munição no ano que vem. Estou economizando a calibre 22, que é a mais cara, e mesmo economizando o que eu tenho acaba no fim do ano."