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Olhar Olímpico

Novas regras da Lei de Incentivo ao Esporte devem minar formação de atletas

Flávio Canto e pessoal do Instituto Reação recebem patrocinadores  - Divulgação
Flávio Canto e pessoal do Instituto Reação recebem patrocinadores Imagem: Divulgação

30/01/2020 04h00

O Ministério da Cidadania alterou a regulação da Lei de Incentivo ao Esporte para colocar freio no pagamento de bolsa auxílio a atletas. Homem forte do esporte olímpico do Esporte Clube Pinheiros, tradicionalmente quem mais emprega atletas de ponta no país, Cláudio Castilho foi enfático nas redes sociais ao comentar o impacto da medida para a formação de atletas: "devastadora".

Uma das entidades mais prejudicadas pela medida é o Instituto Reação, que depende da Lei de Incentivo ao Esporte e mantém dezenas de jovens talentos do judô afastados das ruas pagando a eles bolsa auxílio com recursos incentivados. Agora, um campeão brasileiro de base terá que abrir mão de ganhar a Bolsa Atleta, poderá receber apenas um auxílio pequeno da ONG, menor do que o salário mínimo, e com esse dinheiro só poderá se alimentar em dias de treino. A dúvida que fica é: como ele vai se manter no esporte?

Uma das novas regras, que têm sido criticadas por entidades que promovem o esporte com auxílio da Lei de Incentivo, diz agora o clube/ONG não pode mais pagar a bolsa auxílio direta ao atleta. Será obrigatória a prestação de contas de cada real gasto pelo esportista, e dentro de diversas regras. Por exemplo: a alimentação não pode exceder R$ 25 ao dia. E só em dias de treinos. A Lei de Incentivo também não paga mais do que R$ 12 por dia de transporte. E, novamente, só nos dias de treino.

Procurada, a Secretaria Especial do Esporte, subordinada ao Ministério da Cidadania, não explicou as razões para a criação da regra, que surgiu pela primeira vez em uma portaria publicada em 9 de janeiro. Entidades chiaram e, no dia 28, nova portaria detalhou que as novas regras só valem para os projetos apresentados a partir de agora - o calendário de inscrições abre em fevereiro.

De forma geral, as mudanças atendem a uma recomendação da Controladoria-Geral da União (CGU), que em 2018 apontou ser irregular o uso de recursos da Lei de Incentivo para o pagamento de auxílio a esportistas que já recebem a Bolsa Atleta. A recomendação, porém, só foi posta em prática dois anos depois, em momento em que a Secretaria Especial do Esporte espera uma devassa do Tribunal de Contas da União (TCU). Por falta de pessoal, a fila de análise de prestações de contas antigas de projetos é gigantesca. Projetos encerrados há uma década ainda não foram fiscalizados.

Por conta dessa recomendação, agora os atletas terão que escolher entre receber Bolsa Atleta (R$ 925 na categoria Nacional, R$ 370 para a base, R$ 1.850 para o Internacional) ou a bolsa auxílio do clube, paga com recursos da Lei de Incentivo. A secretaria estipulou que o auxílio não pode superar R$ 1 mil por mês, valor determinado, segundo o governo, tendo como parâmetro a Pesquisa de Orçamentos Familiares no Brasil (POF). Atualmente o valor máximo é R$ 2,4 mil.

Um atleta que recebia Bolsa Atleta Nacional e bolsa auxílio do clube vivia com até quase R$ 3,5 mil ao mês. Agora, esse mesmo atleta poderá receber no máximo R$ 1 mil. E o uso do dinheiro será restrito. Não poderá ser usado para comprar uma roupa, por exemplo, ou para se alimentar em dias que não são de treino. Para esse tipo de gasto ele terá que arranjar outra fonte de sustento, como um emprego fora do esporte, deixando de se dedicar integralmente a ser atleta.

A hipótese de entidades de médio e pequeno porte conseguirem patrocínio direto para pagar esse tipo de bolsa é considerada fora da realidade. Mesmo atletas de ponta do esporte brasileiro, constantemente na mídia, sofrem para conseguir patrocínio. Na base, a situação é muito pior. Além disso, são raras no mercado empresas que, podendo destinar dinheiro incentivado (logo, descontado do imposto de renda devido) para patrocinar um projeto, optam por aplicar sua própria verba de marketing.

Outras regras também devem gerar transtorno. Foi criado um teto de valor para projetos tanto de rendimento (R$ 3 milhões) quanto de participação (R$ 1 milhão). No ano passado, o Instituto Reação, por exemplo, captou R$ 4,1 milhões só no seu projeto olímpico (rendimento) e outros R$ 3 milhões para sua escolinha (participação). A partir de agora, para movimentar esses montantes, a ONG terá que apresentar cinco projetos diferentes, mais do que dobrando o trabalho burocrático tanto do instituto quanto do governo, que vai analisar cinco vezes os mesmos documentos e colocar cinco projetos diferentes em pauta.

O grande prejudicado com essa nova regra, porém, poderá ser o jovem piloto Sergio Sette Camara, cuja ONG captou R$ 6,4 milhões em um único projeto no ano passado. Esse projeto, em tese, não poderia ser desmembrado porque boa parte do valor vai para um único contrato, de aluguel de carro de corrida.

O teto de projeto não vale para projetos de organização de calendário internacional, como o Rio Open, nem para obras de infraestrutura. Também foi reduzido o valor máximo pelo serviço de produção de projetos (normalmente terceirizados para firmas especializados) caiu de R$ 170 mil para R$ 100 mil, com exceções que incentivam a criação de projetos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

O governo apresentou a portaria como um aumento na transparência e na agilidade da LIE. Isso porque os projetos passam a ser protocolados exclusivamente por meio virtual.