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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Depoimento contra Daniel Alves é brutal

Daniel Alves em treino da seleção brasileira durante a Copa do Mundo - Heuler Andrey/Eurasia Sport Images/Getty Images
Daniel Alves em treino da seleção brasileira durante a Copa do Mundo Imagem: Heuler Andrey/Eurasia Sport Images/Getty Images

Colunista do UOL

21/01/2023 05h43

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O UOL Esporte revela detalhes do depoimento da mulher que acusa Daniel Alves de violência sexual.

Os pontos são avassaladores e têm uma particularidade: são fáceis de serem provados ou descartados via exames porque envolvem materialidades claras, como agressão física e ejaculação.

Se o que diz quem o acusa for verdadeiro, Daniel Alves está bastante encrencado.

O fato de a justiça espanhola não ter dado a ele a opção de uma fiança já indicaria a gravidade.

Seria importante que entendêssemos algumas coisas sobre os crimes de violência sexual.

Quando uma mulher acusa um homem de violência sexual - especialmente um homem famoso - a reação imediata de boa parte das pessoas é achar que ela faz isso para aparecer e tirar uma grana do cara.

Aqui é sempre bacana a gente trabalhar com dados.

Há, claro, casos que se mostram falsas acusações.

Ou por falta de materialidade, ou por evidências de que quem acusa mentiu.

Os falsos casos são da ordem de 3% a 5%, segundo a pesquisadora Amia Srinivasan.

Ela trata do tema em seu livro "O Direito ao Sexo".

Amia explica que dentro desses falsos casos, a maior parte dos acusadores é um homem que acusa outro homem de ter estuprado uma mulher.

Nesse pequeno universo, quem normalmente acusa é um homem branco; e quem normalmente é acusado é um homem negro.

Entre os casos que chegam a uma condenação, é comum que o condenado seja pobre e negro. Incomum que seja rico e branco.

Não houve ainda uma mulher que tenha "se dado bem" levando adiante uma acusação como essa.

Mesmo quem ganha na justiça terá perdido pelo caminho coisas irrecuperáveis.

Perdemos dignidade, perdemos nossos nomes, perdemos oportunidades, perdemos anos.

A jornada até o veredito - supondo que ele seja favorável à vítima - é uma jornada de morte. Até quem ganha a batalha terá perdido a guerra.

O caso precisa ser contado e recontado inúmeras vezes numa artimanha do sistema que obriga a mulher a reviver o abuso.

Nesse trajeto, o que é comum é a mulher virar ré para a opinião pública: o que você usava naquele dia? Você tinha bebido? Você se ofereceu? Você gosta de sexo?

Perguntas cujas respostas não deveriam importar. Perguntas que vão aos poucos construindo a hipótese de a mulher ter provocado a situação.

Muitas desistem pelo caminho. Muitas entram em depressão. Algumas abrem mão de seguir existindo.

A estimativa é que para cada caso denunciado haja nove que não são. A maioria prefere o silêncio a ter que passar por essa penitência.

São fatos que devem ser levados em conta quando um novo caso de denúncia de abuso sexual vem à tona.

Daniel Alves é um dos maiores jogadores de futebol que esse país já teve.

É também eleitor e simpatizante de um ex-presidente que se orgulha de ter dito a uma colega deputada a frase: só não te estupro porque você não merece.

Estupro não é sobre sexo; é sobre poder.

Não é sobre tesão; é sobre dominação.

É o modo que a sociedade patriarcal encontra para manter o corpo de uma mulher domesticado e submisso.

Não mais. Estamos atentas e vamos à luta.

Que a verdade venha à tona - seja ela qual for - e que se faça justiça - seja ela para quem for.