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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pedrinho, volta aqui: você não entendeu o que escrevi

Pedrinho durante sua última partida com a camisa do Vasco, em 2013 - Marcelo Sadio/Vasco
Pedrinho durante sua última partida com a camisa do Vasco, em 2013 Imagem: Marcelo Sadio/Vasco

Colunista do UOL

04/01/2023 14h26

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Pedrinho gravou um vídeo para responder ao texto que escrevi sobre masculinidade tóxica.

De cara, um misto de sentimentos me invadiu.

Como fã do atleta que vi jogar muitas vezes, fiquei triste por perceber que ele não havia entendido tudo o que pontuei no texto.

Mas também fiquei um pouco lisonjeada porque não é todo dia que alguém como ele percebe nossa existência. Não era para tanto, pensei.

E não era mesmo.

O texto é elogioso a ele, eleito melhor comentarista por jogadores.

Pedrinho é excelente comentarista, como já disse algumas vezes. Merecia o prêmio, sem dúvida.

O texto o cita nominalmente porque ele foi o vencedor.

Para falar da eleição de melhores e piores, e de seus significados nesse mundo tão masculino, eu precisava citar os nomes escolhidos.

O vídeo-resposta que ele gravou reforça ponto a ponto os argumentos usados no meu primeiro texto.

Pedrinho começa explicando que optou por gravar o vídeo com um casaco para, assim, esconder seu bíceps e colaborar para que eu me concentrasse no conteúdo e não na musculatura.

Já no início temos essa canelada machista e vulgar fazendo referência ao texto que escrevi, que cita seu bíceps como motivo de elogios constantes dos colegas durante as transmissões.

Depois, diz que posso perguntar às mulheres que trabalham com ele se ele é gentil.

Em seguida, se autoelogia a respeito de qualidades supostamente doces que cairiam bem no trato com mulheres.

Ele reagiu com essas palavras ao que escrevi no meu texto que era o seguinte:

"[Dentro da cultura heterossexual masculina], nas relações com mulheres, o que é visto como respeito e gentileza, generosidade ou paternalismo, o que é visto como honra, é a colocação das mulheres em uma redoma".

Ou seja. A reação de Pedrinho está confirmando o argumento do texto original.

Pedrinho sugere que sou covarde e que eu não me exponho quando tudo o que eu faço é me expor diariamente.

Pedrinho diz que nem sabe o que é macho-alfa, o que não é culpa minha, mas escolhe ignorar o fato de que não fui eu que inventei esse conceito e, no texto anterior, apenas explico por que ele é colocado nesse lugar - e tomo o cuidado de dizer que não é sobre Pedrinho que escrevo, mas sobre o que ele representa.

Ou ele não leu ou leu e não entendeu.

Pedrinho diz que eu quero apenas lacrar e faz um vídeo-lacração sobre mim.

Depois se defende de não sei bem o que dizendo que foi estudar para ser comentarista.

Mas se eu o elogiei como comentarista de onde exatamente veio essa defesa?

Não acredito que pessoas diplomadas sejam melhores do que as não diplomadas. Alguns dos maiores especialistas que conheço nessa vida não têm diploma de coisa nenhuma.

Uma leitura atenta do texto, que é bastante curto, deixa evidente que a crítica não é a Pedrinho, pelo contrário.

Pedrinho diz que eu prego coisas que não pratico, acho que se referindo à minha luta antimachista, anti-LGBTfóbica, antirracista.

Aqui eu diria duas coisas.

A primeira é que, para ele dizer isso, deve estar se colocando no papel da vítima de um suposto preconceito que viu em meus argumentos. Contra ele? Não pode ser, dado que eu, quando o cito, elogio.

Contra quem seria então?

Contra machos-alfa? Contra a cultura hetero-normativa? Contra a masculinidade tóxica? Fica o questionamento.

E a segunda é que não estou atuando contra meus princípios ao criticar a masculinidade tóxica do meio. Estou, aliás, reforçando a luta.

Ao ter ímpetos de gravar um vídeo-resposta nesses termos, Pedrinho indica que não entendeu mesmo o que está no texto.

Ou talvez nem tenha lido e esteja apenas reagindo a comentários de pessoas que leram e não entenderam.

O apoio que alguns homens estão dando ao vídeo-resposta de Pedrinho - e a forma como o fazem -, ilustra magnificamente tudo o que argumentei sobre o pacto da masculinidade.

Eles não percebem? É ao mesmo tempo engraçado, inacreditável e encorajador.

Pedrinho, meu caro colega de profissão, deixo aqui registrado que considero você um dos melhores comentaristas de hoje, que fui sua fã nos gramados, o que é bastante significativo dado que você jogou em rivais, e que não precisa fechar seu bíceps porque ele é muito bonito até para padrões sapatônicos, que são precisamente os meus.

Fora isso, se um dia quiser ler o texto a partir de um lugar mais benevolente e cristão, vai perceber com toda a certeza que ele é elogioso a você.

Um beijo.