Topo

Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Escolha de melhores e piores é retrato da masculinidade tóxica no futebol

Pedrinho, comentarista do Grupo Globo - Reprodução/SporTV
Pedrinho, comentarista do Grupo Globo Imagem: Reprodução/SporTV

Colunista do UOL

03/01/2023 11h41

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Pedrinho foi eleito o melhor comentarista de 2022. Casão e Ana Thais, os piores.

A eleição feita por jogadores do Brasileirão 2022 diz muito sobre o papel da masculinidade tóxica e frágil no futebol.

Pedrinho é, sob muitos aspectos, um excelente comentarista.

É inteligente, faz uma leitura criativa do que estamos vendo em campo, cria linguagem própria e inovadora. Está, sem dúvida, entre os melhores.

Mas ele não foi eleito apenas pelo que diz, pela capacidade de analisar o jogo, de organizar ideias e contar a história tática e estratégica daquela partida para quem vê.

Ele foi eleito também por ser o macho-alfa dessa história.

O macho-alfa é aquele que se destaca pela capacidade de liderar. Não é alguém que se auto-declara assim, mas o receptor da adoração e da sujeição dos outros machos.

Entendam que não estamos falando de Pedrinho, mas do que ele simboliza.

Está em Pedrinho a imagem do macho dominante, aquele que é celebrado, reverenciado e amado pelos outros machos da turma.

Ter Pedrinho em uma transmissão é ver essa celebração ao vivo.

Falam do bíceps, da malhação, de como ele está forte, de como os jogadores que estão em campo o adoram, de como é talentoso, de como manda bem, de como sabe o que diz, de como entende do jogo etc etc etc.

Pedrinho não passa por uma transmissão sem ser saudado em seu papel de líder másculo, viril, potente, inteligente, invejável.

Nada aqui acontece para que mulheres vejam.

Não estamos incluídas nesse festejo da masculinidade.

É entre eles. É o que fazem quando estão sozinhos. É por eles e para eles.

Para além da fulanização desse debate, precisaríamos perceber que não falamos de Pedrinho em si, mas do que ele representa.

Não estamos preparados para falar da homo-erotização que existe nesse jogo.

Outra vez preciso pontuar que não estou abordando a sexualidade desses homens até porque eles se identificam como heterossexuais.

É aqui que entra o pensamento da filósofa estadunidense Marilyn Frye sobre a cultura da heterossexualidade:

"Dizer que um homem é heterossexual implica somente que ele mantem relações sexuais exclusivamente com o sexo oposto. Tudo ou quase tudo o que é próprio do amor, a maioria dos homens heterossexuais reservam a outros homens.

"As pessoas que eles admiram, respeitam, adoram, imitam, idolatram e com quem criam vínculos mais profundos; a quem estão dispostos a ensinar e com quem estão dispostos a aprender. Aqueles cujo respeito, reverência e amor eles desejam, esses são, em sua maioria esmagadora, outros homens.

"Em suas relações com mulheres, o que é visto como respeito e gentileza, generosidade ou paternalismo, o que é visto como honra, é a colocação das mulheres em uma redoma.

"Das mulheres, eles querem devoção, servitude e sexo. A cultura heterossexual masculina é homoafetiva: ela cultiva o amor pelos homens".

Não por acaso, são quase todos adeptos do extremismo bolsonarista, um projeto de sociedade que reproduz esses valores em grau máximo.

Também não por acaso, elegem pessoas como Casagrande e Ana Thaís como os piores comentaristas.

Ao fazerem isso, não estão avaliando o papel profissional de ambos, mas o componente de traição a esse culto à masculinidade tóxica que existe em Casão e a ameaça que Ana Thaís representa a esse projeto de sociedade.

A masculinidade, antes de qualquer coisa, é um pacto entre homens - e Casão e Ana não fazem parte desse clube. Para nossa sorte.

Seria preciso alargar o debate para entender do que se trata.

Eu sugeriria que antes de cair na tentação de xingar a autora usando como argumento a defesa reverente e apaixonada a qualquer outro homem vocês pensassem se uma reação assim não estará reforçando o argumento do texto.