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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que leva as torcidas a estarem à beira de um ataque de nervos

Contra Univ. Católica, pela Libertadores, torcida do Flamengo protesta contra diretoria - Jorge Rodrigues/AGIF
Contra Univ. Católica, pela Libertadores, torcida do Flamengo protesta contra diretoria Imagem: Jorge Rodrigues/AGIF

Colunista do UOL

18/06/2022 15h10

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Vamos tirar dessa conta a torcida do Palmeiras - por motivos óbvios. Considerando as demais, o que temos visto são grupos de torcedores enraivecidos e furiosos que se estão se manifestando sonoramente desde as vaias até invasões de CTs passando por ameaças e outros delitos.

Vaias - uma manifestação legítima e aceitável - têm sido constantes a despeito de possíveis bons resultados recentes. Não importa estar entre os 16 melhores da América, ter conquistado o estadual, estar vivo na Copa do Brasil. Duas derrotas ou três empates bastam para que a torcida mostre sua insatisfação.

Dentro dos grupos de insatisfeitos há os mais violentos, os invasores de CTs, os que saem dizendo coisas pelas quais podem ser processados.

Esse é o diagnóstico: a tolerância do torcedor está em seu nível mais baixo. Há muitos anos não víamos isso.

A partir daí deveríamos nos perguntar por que.

Já vivemos outras fases violentas em nossa história futebolística. Os anos 90 foram brutais. Os mesmos anos 90 de violências sociais, de crises econômicas, de aumento da parcela faminta de brasileiros, do começo do fim das redes públicas de amparo social.

Na Inglaterra de Margaret Thatcher, enquanto o neoliberalismo destruía todas as formas sociais de solidariedade e privatizava o que era até então público, conhecemos os Hooligans e testemunhamos muitos horrores nos campos.

Um estudioso da fúria da torcida, membro da polícia inglesa, chegou à conclusão de que o torcedor tratado como bicho vai se comportar como bicho.

O mesmo vale para o cidadão. Trate-nos como animais ferozes e assim nos comportaremos.

Mas o que é tratar como um anima feroz?

Revistar violentamente antes da entrada no estádio? Sim, isso faz parte. Espremer em transporte público precário? Também. Obrigar a ter três empregos, trabalhar os sete dias da semana apenas para tentar pagar as contas básicas no fim do mês? Idem.

O futebol não acontece numa dimensão separada da vida social. Está tudo interligado. O torcedor está à beira de um ataque de nervos porque, fora do estádio, a vida está mais difícil do que antes.

É momento para ampliar nosso conceito de violência.

É violento invadir um centro de treinamento e sair esmurrando portas. É violento, sem dúvida.

É violento ameaçar jogador? Violento, criminoso e covarde. Ato que precisa ser investigado e devidamente punido.

Mas as violências cometidas pelo Estado, pelas diretorias dos clubes, por quem deveria nos proteger precisam ser igualmente nomeadas. Ingressos a 200 reais é um ato de violência.

Passou da hora de sairmos do diagnóstico e chegarmos à causa. Até que isso seja feito, até que consigamos estabelecer pactos de proteção social que beneficiem os mais pobres e excluídos, veremos a violência aumentar. Dentro e fora dos estádios.