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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O garoto palmeirense, seu celular e a reação de Calleri

Calleri dá tapa em celular de torcedor do Palmeiras na saída do Allianz - Reprodução
Calleri dá tapa em celular de torcedor do Palmeiras na saída do Allianz Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

07/04/2022 14h11

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Agora que o assunto do celular destruído por um tapa do são-paulino Calleri perdeu uma certa temperatura me parece um pouco mais seguro voltar ao tema para dar uma opinião que escapa do que foi fartamente reforçado.

Calleri não tinha que ter dado o tapa no aparelho do jovem palmeirense, isso é inquestionável. Errou, errou feio, e teve que pedir desculpas pela violência da reação.

Não quero falar do aspecto Calleri desse episódio, mas sim abordar o ponto de vista do menino que estava filmando a saída da delegação do São Paulo.

O que faz a gente achar que é do jogo um garoto que acabou de ver seu time ser campeão Paulista com uma implacável e humilhante goleada sobre um grande adversário ir filmar a dor do rival em vez de celebrar o feito do seu clube?

Que tipo de sociedade não diz nada sobre esse ímpeto de sadismo? Quem se coloca na posição de registrar imagens da saída cabisbaixa do derrotado em tom de deboche?

Acho que não há como argumentar que o garoto estivesse ali para fazer os registros jornalísticos da saída dos derrotados. O registro jornalístico, como a imagem do menino chorando quando o Brasil foi eliminado na Copa de 82, é absolutamente legítimo. Não é disso que estamos falando. O garoto, seu corpo recostado ao muro, numa linguagem corporal displicente, estava ali para dar aquela pisada no sofrimento do rival. Isso não me soa legítimo.

Vou reforçar aqui porque são tempos binários: Calleri errou. Não deveria ter dado o tapa. Foi um erro grosseiro.

E o garoto errou. Não deveria estar ali pisoteando a moral do adversário em vez de estar glorificando o feito do seu time.

Seria preciso que pudéssemos abordar esses aspectos do episódio sem que isso nos colocasse imediatamente a favor do tapa no celular, sem que fôssemos acusados de estar relativizando a agressão de Calleri.

Acho, claro, que o Palmeiras tinha que ter reagido contundente e imediatamente à agressão de Calleri em nota oficial. Mas acho que o Palmeiras não tinha que ter dado um outro celular ao rapaz sem colocar as coisas em um contexto.

Como? Por exemplo abrindo diálogo sobre o que a gente sente quando ganha e o que a gente sente quando perde. Com a temperatura mais baixa, a instituição Palmeiras deveria ter ponderado o que fez seu torcedor (assim como o que falaram alguns de seus jogadores ao fina do jogo) dizendo, também em nota, que tem respeito pelo São Paulo, um rival histórico e contra quem já travou disputas inesquecíveis. O respeito começa a ser construído assim. A gente fala muito na violência que envolve o futebol mas raramente se implica nos caminhos da reconstrução.

Empresto a lógica de pensamento muito bem elaborada por meu colega Menon para me referir ao ocorrido: Calleri não sabe perder. Isso é fato. Mas eu alargaria argumentando que o jovem palmeirense vai precisar aprender a vencer - e seria bom que ele aprendesse logo porque, ao que tudo indica, o time dele vai seguir ganhando implacavelmente.

A vida, ao contrário do computador, não é binaria, não cabe em planilhas, não pode ser matematicamente interpretada. Para o bem ou para o mal, alguns assuntos deveriam ser abordados em suas totalidades e não simplificados na chave do "contra" e "a favor".