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REPORTAGEM

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Tiago Nunes rechaça rótulo de injustiçado e quer explorar a América do Sul

Tiago Nunes tem passagens por Athletico, Corinthians, Grêmio e Ceará - LUCAS UEBEL/GREMIO FBPA
Tiago Nunes tem passagens por Athletico, Corinthians, Grêmio e Ceará Imagem: LUCAS UEBEL/GREMIO FBPA

Colunista do UOL

27/06/2022 09h26

Tiago Nunes ficou quase um mês na Europa. Passou por Portugal e Espanha. Acompanhou vários jogos, conheceu estruturas, voltou a pisar na arquibancada e, especialmente, ampliou a carteira de contatos. Mas trabalhar agora no Velho Continente ainda não está nos seus planos.

Livre no mercado da bola desde março, o treinador gaúcho, apesar de se ver num "perfil diferente", quer solidificar a carreira no Brasil. Também está de olho nas oportunidades nos países vizinhos. Tem bastante interesse em experimentar outras ligas sul-americanas - chegou, inclusive, a recusar na semana passada uma oferta do Independiente Medellín, da Colômbia.

Dos maiores nomes da história do Athletico, Tiago Nunes, hoje aos 42 anos, tem facilidade em identificar as diversas falhas na condução do futebol brasileiro, mas, ao mesmo tempo, não se enxerga como "injustiçado" nos clubes em que foi obrigado a sair com um bilhete de demissão nas mãos: Corinthians, Grêmio e Ceará.

Por que não resolveu ficar pela Europa?
(Risos) A minha vontade era de permanecer, realmente. Mas eu tenho bases muito fortes, muito enraizadas no Brasil ainda. E, por enquanto, uma limitação de licença. Porque para a licença PRO da Conmebol ser reconhecida na licença da UEFA, você precisa ter um tempo de carência de, no mínimo, cinco anos como treinador de primeira liga, de primeira divisão. E eu não tenho esses cinco anos corridos, esses 60 meses ainda. Então, eu estou buscando esses 60 meses. Existe uma possibilidade, agora que a Conmebol está mais próxima da Uefa de haver uma diminuição desse tempo para três anos. E eu já poderia ingressar nesse mercado europeu. Mas é um sonho. Eu estou trabalhando, buscando me qualificar. Fui conhecer as estruturas, conhecer as pessoas. Olhar um pouquinho mais de perto, justamente para me preparar para poder rumar à Europa em algum momento. Mas, por enquanto, o meu mercado é o mercado brasileiro. Quem sabe o mercado sul-americano.

Voltou um Tiago Nunes diferente para o Brasil?
Certamente. Qualquer experiência nova nos faz ser diferentes, né? Por dois motivos, no meu ponto de vista. Ou você aprende algo novo, ou você reafirma um conceito que já carrega. E eu consegui aproveitar os dois pontos. Eu desfrutei muito dos eventos, das conversas com profissionais, tanto agentes, como representantes de clubes, com jogadores, pessoas com quem eu tive a oportunidade de me encontrar. Ver o futebol de novo da arquibancada, fazia muitos anos que eu não tinha a oportunidade de sentar na arquibancada e ver o jogo, conviver com a torcida, sabe? Curtir esse ambiente todo. Então, eu volto melhor, volto mais qualificado, com um olhar renovado. Mas também reafirmei muitas coisas pessoais que eu já carrego comigo. No que diz respeito ao jogo, às construções, à parte tática. Mas também do que eu imagino de um evento desportivo, um evento em que os profissionais têm mais estabilidade, têm mais uma certa tranquilidade para trabalhar, têm mais tempo para implementar certos processos dentro do clube. Existe um respeito maior nas relações imprensa/torcedor, dirigentes, atletas, comissão técnica.

Sentiu algum tipo de preconceito? Percebeu alguma barreira por ser treinador brasileiro?
Zero, zero. Me senti muito bem-recebido por todos. As portas foram muito abertas, especialmente em Portugal. Foi curioso, eu não sabia que eu era tão conhecido em Portugal. E aí eu fui entender. Porque o Campeonato Brasileiro é transmitido para Portugal desde 2019. Então, consequentemente, muitos jogos que eu fiz com o Athletico naquele período, enfrentando depois o próprio Jorge Jesus, outros treinadores portugueses que vieram para cá, acabaram difundindo meu nome e os de outros colegas profissionais no cenário europeu. É interessante, porque eles têm um respeito muito grande pelos brasileiros que passaram por Portugal. Figuras histórias, como Luiz Felipe Scolari, Paulo Autuori, Abel Braga, dentre outros profissionais brasileiros que passaram por aí, sabe? A relação com os atletas brasileiros. A gente tem uma relação muito presente no futebol português. Então, eu fui muito bem-recebido por todos e fui tratado com muito respeito. E a pergunta que me é sempre feita: "Por que os treinadores brasileiros não saem do Brasil?". É uma pergunta para a qual a gente pode elencar mil fatores. Eu penso que parte muito dos próprios treinadores quebrarem algumas barreiras. A gente fala muito das limitações de licença, limitações do idioma. Mas os treinadores históricos do Brasil pouco se tornaram treinadores internacionais em mercados muito competitivos. São poucos os treinadores que tiveram essa oportunidade de entrar no mercado europeu, quiçá no próprio mercado sul-americano. Porque, para você se tornar um treinador internacional, você tem que entrar no seu próprio continente. A gente não conseguiu conquistar isso porque não quebramos esses muros.

Como você se vende dentro do mercado?
Eu tenho um defeito, que pode ser uma virtude também: eu não sou um cara marqueteiro. Não costumo ser esse cara que fico fazendo muito marketing pessoal. Eu me espelhei muito tempo no que o (Marcelo) Bielsa fazia em termos de condução de carreira, e nunca vi ele sendo um cara espalhafatoso, aparecendo toda hora, sendo um cara tão midiático. Então, eu sempre tentei manter esse tipo de postura, sabe? Pensar no trabalho, no desenvolvimento do trabalho. Se eu tenho um ponto positivo, eu encaro assim, é a minha condução de dia a dia de trabalho, de execução de ideias táticas, de implementação de ideias. E, talvez, entre em uma rota de colisão com o futebol brasileiro porque são ideias e um trabalho que precisa de um certo tempo para amadurecer, para ser reconhecido. Conseguir coletar resultados imediatos é difícil. Eu volto de Portugal reafirmando isso, porque lá eu convivi com profissionais que têm nas ideias e no processo o seu grande predicado. Não só na condução do grupo, não só na gestão dos problemas, na gestão do dia a dia ou na relação midiática com a imprensa. Mas, sim, na condução do processo de treino, de trabalho e de desenvolvimento de jogadores. Então, eu volto reafirmado com isso. Talvez, o meu perfil não seja o melhor perfil para o futebol brasileiro, tendo em vista que as minhas ideias e o tempo que eu imagino ser necessário para implementá-las não consiga ser ideal. Eu passei por clubes importantes, talvez o clube que mais se assemelhe com a condução de trabalho que é desenvolvida na Europa seja o Athetico. Foi onde obtive mais sucesso, onde tive mais tempo para implementar, já estava no clube... Se você é um dirigente e me fizer uma pergunta: "Do que você precisa?", eu vou dizer: "Preciso que você me dê o respaldo e o tempo para que eu possa desenvolver ideias de acordo com a necessidade do clube". Porque isso é muito emblemático. Na Europa, os clubes sabem o seu tamanho, sabem pelo que estão lutando. Então, em Portugal, você sabe que o Benfica, o Sporting e o Porto vão lutar pelo título. O Braga vai lutar por uma vaga na Europa. As demais equipes vão brigar para se manter, ou para, quem sabe, ainda beliscar uma seletiva para a Europa League ou algo do gênero. Diferentemente do Brasil. No Brasil, às vezes, é muito complicado. Se você iniciar muito bem o campeonato e, daqui a pouco, o seu objetivo não é ser campeão, ou não é pegar uma Libertadores. Você está na 10ª, 12ª rodada, você se encontra em um G4, G5, e começa a cair e ir para uma posição que é realmente compatível com seu tamanho. O treinador é demitido, porque a expectativa que se criou foi muito alta.

É o futebol brasileiro que tem que se encaixar no seu perfil ou o contrário?
O contrário. Só que aí a gente entra em um conflito de valores, né? O meu valor pessoal é imutável. O que eu carrego como valor pessoal de condução de trabalho, de relação com os atletas e com as pessoas. Se eu combino algo com você, eu vou cumprir. Se você chega para mim e fala assim: "Bom, Tiago, a gente está te contratando...". E a pergunta que eu faço recorrentemente para os clubes que têm interesse no meu trabalho é: "O que você espera de mim? O que você espera do clube?". "Não, Tiago, estamos te contratando para fazer uma mudança estrutural, de perfil, de características de jogo". Como foi no Corinthians, por exemplo. Eu vou aplicar e entregar justamente isso. Em algum momento, por natureza...

Mas esse tipo de promessa, ou de pergunta, não é algo normal? Quando um clube troca de treinador, quer trocar uma filosofia. Ou seja, é quase que tentar comprar aquilo que se não se compra...
Mas, aí, o que acontece são os valores individuais. Eu me comprometo com o time e vou cumprir aquilo com o que me comprometi, mesmo que a contrapartida não seja verdadeira. Porque, se eu entrar nessa roda-gigante, para ficar pulando de galho em galho, eu estou desqualificando o meu trabalho. Desqualificando o meu investimento profissional no tempo de carreira que eu tenho e, principalmente, me violentando em relação àquilo em que acredito. Meu perfil é cumprir os combinados e o estabelecimento de metas claras para cada momento. Porque, dentro desse processo, eu erro. Erro um processo, erro uma condução, erro uma tomada de decisão, como todos nós fazemos. A minha condução em relação ao que foi combinado, essa não muda. Então, por isso que eu afirmei que talvez o meu perfil seja mais difícil de se enquadrar, e eu preciso de um pouco mais de tempo, ou preciso de um pouco mais de clareza nos combinados, nos objetivos do clube, para que eu possa entregar exatamente o combinado. Se a gente supera isso, ótimo. Por exemplo, no Ceará. O combinado que eu assumi foi o de que a equipe pudesse desenvolver um jogo um pouco mais ofensivo, que tivesse um pouco mais de repertório ofensivo, e que nós tentássemos garantir uma vaga para a Sul-Americana. Ponto. Entregamos isso. Os números estatísticos mostram. A gente começou a ter uma construção ofensiva mais eficiente. Com mais repertório, a gente conseguiu ter números ofensivos melhores e entregou a equipe na Sul-Americana. No ano seguinte, por exemplo, a gente tem uma mudança de perfil, são 15 jogadores que chegam no elenco. Uma mudança estrutural, uma mudança de elenco muito significativa. E muda a característica do jogo fundamentalmente. A gente muito bem. A gente, em 13 jogos, faz oito vitórias, quatro empates e uma derrota. Só que caímos no Estadual, nos pênaltis; ficamos fora da Copa do Nordeste, nos pênaltis, mesmo tendo a melhor campanha da Copa do Nordeste. São variáveis que, aos poucos, também não são controláveis. E cai em cima do treinador. No Brasil, não se dá tempo para o treinador sair de uma má fase, por exemplo. Eu vejo agora, por exemplo, o Red Bull Bragantino e fiquei muito feliz com o que eu vi. Passou por um momento, agora, muito delicado. 30 dias aí, derrotas, empates. O treinador, o Barbieri, muito pressionado. Mas o Red Bull, que é uma empresa, um clube que tem um propósito muito claro, manteve. Manteve, ganhou, empatou, agora ganhou de novo. No Brasil, não é assim na maior parte dos clubes. Você não tem tempo. Se você entrar em uma derrocada, em uma onda com dois, três, cinco resultados negativos, você não tem o tempo de sair deles. Você já é trocado para que outro venha dar o resultado.

O "pular de galho em galho" é culpa dos dirigentes, mas é também dos próprios treinadores...
Claro, porque uma coisa retroalimenta a outra, né? Se eu me sinto ameaçado de perder o emprego e surge uma nova oportunidade, eu vou sair daqui. Olha como funciona a mentalidade. Eu vou sair daqui, enquanto o momento é bom, antes que me mandem embora. Eu tive, agora, no Ceará, duas propostas para sair: uma, no final do ano passado, no final de dezembro. Já estávamos encaminhados na Sul-Americana, final de novembro, início de dezembro. Para o mercado mexicano. E não saí. Porque eu não quis, em respeito ao Ceará e ao trabalho que a gente vinha construindo. Em fevereiro, nós éramos uma equipe invicta na temporada, bem na Copa do Nordeste, uma equipe estruturada, tudo arrumado. Eu recebi outro convite, de um outro clube mexicano. E também não fui. Porque via que, depois de uma reestruturação que fizeram no Ceará, com tantos jogadores, que aquele time vinha encaixando bem, e a gente acaba por treinar o time que a gente forma. Então, eu tive participação efetiva naquela montagem de elenco do Ceará, por exemplo. Então, eu queria estar naquele time e acabei não saindo. Mas, depois, eu fico pensando: "Bom, será que eu não deveria ter ido? Aproveitado o momento positivo e saído por cima? Para poder iniciar um novo projeto internacional?". Então, eu não penso assim, no momento. A minha saída do Athletico, por exemplo. Era um final de ciclo, nós já tínhamos conquistado o que tinha que ser conquistado. E as mudanças para o ano seguinte seriam muito significativas, tanto é que foram, saíram mais de 16 jogadores, o elenco mudou, enfim. Então, tendo um novo desafio, eu saio. E o projeto não era de sair naquele momento, era terminar a temporada. Mas o clube pediu para eu sair, já que eu não iria ficar para a temporada seguinte. Então, assim, sem viajar muito na resposta. O que eu penso é: existe um processo, que parte da cultura do futebol brasileiro, que atinge os treinadores, e os treinadores devolvem para a cultura. Então, acaba que uma coisa retroalimenta a outra. Não tem como fugir disso.

Como você faz para lidar com o seu "romantismo" no futebol? Nem todos os treinadores pensam assim...
Ah, cara, eu trato com a tranquilidade de que quem chegou na principal liga brasileira, quem foi disputar uma Libertadores da América, quem pôde ter sido campeão de uma Copa do Brasil, quem pôde ter sido campeão de uma Sul-Americana. Quem pôde ter sido campeão gaúcho, quem pôde ter sido vice-campeão paulista, com o Corinthians, saindo lá do interior do Rio Grande do Sul. Um cara que não jogou futebol, um cara que não tem histórico familiar ligado com o futebol e sai de lá, com um canudo de Educação Física debaixo do braço, e chega nesse patamar, tendo esse tipo de comportamento e conduta. Então, se eu cheguei até aqui tendo esse tipo de conduta, isso, olhando em perspectiva, me faz reafirmar que esse é o caminho, sabe? Eu vou continuar trabalhando dessa maneira, dessa forma. Lógico que não quero vir com essa filosofia de bar barato, esse romantismo barato. Eu sei que o principal foco é entregar resultado, entregar performance. Mas é muito simplista simplificar a performance só pelo resultado, por mais que ele seja importante, muito importante. Quer ver um exemplo disso? Eu saí do Corinthians e aí meu trabalho no Corinthians é tachado como ruim. E é interessante, porque eu não sei quantos treinadores, no Corinthians, tiveram o desafio de treinar o Corinthians em uma pandemia. Não sei quantos tiveram. Foi em 2020, foi no início da pandemia. Então, a gente reestrutura o clube, sem dinheiro, em meio a uma pandemia, com uma parada. Treinamos em torno de janeiro, fevereiro, metade de março, menos de 90 dias. Paramos 100 dias. Retornamos e trabalhamos 70 dias, um pouco mais. Então, não tem uma continuidade de trabalho. O clube, em ano eleitoral, em meio à pandemia, quatro meses de salários atrasados, com uma reformulação de elenco, sabe? E saímos do clube em 13º lugar do Campeonato Brasileiro. Era o ideal para o Corinthians? Não. Mas era o melhor que se podia entregar naquele momento. Então, a perspectiva de resultado é muito complicada. Se quem conduz o futebol não tem essa visão, essa clareza, acaba sempre estourando no lado mais fraco. O lado mais fraco é quem está na ponta do processo, que são o treinador, os jogadores, enfim. Então, o que eu quero dizer é: performance, resultado e expectativas são algo com que a gente está lidando sempre. Eu quero ter a minha condução sempre baseada no trabalho e na relação com os atletas. A minha relação com os atletas é fundamental, o respeito ao clube e o respeito ao futebol, de uma maneira geral, acabaram me dando o que eu tenho até hoje.

É natural que os clubes interessados no seu trabalho te olhem como Tiago Nunes que brilhou no Athletico...
Com certeza. Existe também uma visão errada de que eu saí do Athletico e que, nos clubes para onde eu fui, eu tentei reproduzir o que eu fazia no Athletico. Isso é uma mentira, isso não existe, eu nunca tentei fazer isso. Até porque, basicamente, isso é uma questão de convivência social, são pessoas diferentes, um ambiente diferente, um clube diferente, socialmente diferente. Tem toda uma cultura de clube diferente. Você tem que ter a capacidade de entender o que você pode produzir com aqueles atletas, naquele clube, naquele momento. O fato de ter vencido a Sul-Americana, a Copa do Brasil, ter participado de um processo de quase três anos no Athletico, uma equipe extremamente vencedora, na qual atletas até então desconhecidos se tornaram referências mundiais. Você pega um Renan Lodi, você pega um Bruno Guimarães. Você pega caras que saíram desconhecidos daquele processo e viraram o que viraram. Mas, até então, não era. Você pega um Raphael Veiga, emprestado para o Palmeiras, o Palmeiras não queria ele. E o Raphael Veiga volta a jogar bem. Você pega o Pablo, que, até então, era um jogador local do Athletico, ali, tinha ido para fora, mas não era firmado, e joga bem. Você pega um Wellington, que estava no Vasco, sai com a torcida pegando no pé dele de lá. Ele vem a ser o capitão da Copa do Brasil. Tem uma série de fatores que ajudaram naquele processo e que as pessoas: "Ah, vamos fazer igual". Se é para fazer igual àquilo, não é que você tem que ter os mesmos jogadores. Você tem que ter a mesma condução de ideias: condução estrutural, condução de perfil de processos, de tempo, para que as coisas aconteçam. Eu cheguei no Ceará, por exemplo, e uma das minhas discussões internas era: o Ceará é um clube que tem que dar um passo do tamanho dele. Ou seja, vamos manter o time na Série A. 10º, metade de tabela, está muito legal, está top. Sabe, o time está se mantendo. Um passinho de cada vez, está andando. As competições nas quais a gente pode brigar para disputar são as competições de mata-mata.

Qual é o balanço que você faz entre injustiça e autocrítica dos seus três trabalhos mais recentes (Corinthians, Grêmio e Ceará)?
Eu não acredito em injustiça. Não acredito nem um pouco em injustiça. De maneira alguma [me sinto injustiçado]. Eu entendo que é a cultura local. É a cultura do futebol brasileiro. Por exemplo, me manter no cargo no Corinthians seria pensar fora da caixa. Seria contra a cultura do futebol brasileiro. No Grêmio, seria contra a cultura do futebol brasileiro, assim como no Ceará. Mesmo com bons resultados, você pega o aproveitamento que eu tive nesses clubes. Sempre ganhei mais do que perdi, sempre as equipes fizeram mais gols do que sofreram. Claro que isso aí acaba tudo virando estatística, então, eu não me sinto injustiçado, porque eu entendo que é a cultura. Me sentiria injustiçado se eu tivesse sido traído por alguém, se alguém tivesse mentido para mim. Não sinto, cara, não sinto esse sentimento de injustiça.

Você acredita mesmo nessas suas palavras ou se força a acreditar nisso?
Eu faço isso e acredito que não é uma injustiça justamente pela minha sanidade mental e pelo meu bem-estar. Penso que deveríamos ter uma mudança muito mais profunda em três vertentes: imprensa, torcida e clube. Eu acho que os caras que chegam de fora, como os portugueses, ajudam muito nisso, porque a gente tem, hoje, treinadores estrangeiros na zona de rebaixamento, meio da tabela e no alto da tabela. Mostram o quê? Que, como qualquer profissional, eles têm bons e maus resultados. Isso acontece com qualquer um de nós. E, ao mesmo tempo, eu tenho plena certeza de que, em todos os clubes em que eu passei, tomei decisões equivocadas. Eu errei, em algum momento. E aí, você imagina. Hoje, eu tenho 42 anos. Eu sou um cara que... A minha primeira experiência em Série A foi em 2018, com o Athletico. Então, eu trabalhei, em 2017, no Athletico. Em 2018, fomos campeões paranaenses. Depois, Brasileirão. Campeão da Copa Sul-Americana. E, depois, o processo novo, com Libertadores da América, e as competições que a gente ganhou em 2019. Então, a minha experiência com Série A é uma experiência restrita a um clube. Aí, eu saio desse clube, buscando realmente experiências, aprendizados, com quase 40 anos. 39, 40 anos. E vou para o Corinthians, cara. Que provavelmente seja o clube mais difícil de se dirigir... Não do mundo, mas um dos mais difíceis de se dirigir no mundo. Em um momento muito difícil e muito delicado. Certamente eu tomei decisões equivocadas. Nessa condução do dia a dia. Muitas vezes, de querer tomar a frente pelos dirigentes ou pelo clube no processo. De querer ser o porta-voz de um clube tão grande, tão gigantesco. Onde é preciso ter uma condução mais compartilhada com as pessoas, e, lá, eu tive uma condução muito centralizadora. Porque foi colocado que eu deveria conduzir todo o processo. Então, sim, tomei decisões equivocadas no Corinthians. Também no momento do Grêmio, do Ceará. Em todos os lugares. Faz parte da carreira do treinador, porque nós tomamos decisões diárias. São muitas decisões diárias, sobre vários processos, dentro e fora do campo. E a gente acaba, muitas vezes, deixando passar algumas coisas, que atingem diretamente as relações com as pessoas e, consequentemente, alguma situação dentro do campo.

Você falou muito sobre explorar o mercado sul-americano. É o seu próximo passo na carreira?
Na Argentina? Eu acho muito complicado, pela rivalidade. O Brasil aceita muito mais os "hermanos" do que os "hermanos" nos aceitam. Eu vejo dessa maneira. Mas, nos demais países, sim. O que eu tenho buscado em termos de visibilidade no mercado sul-americano são clubes que me oportunizem disputar competições internacionais, por esses clubes também. Para viver esse tipo de cultura, para poder ter essa experiência. Porque, na prática, financeiramente, não vale a pena sair do Brasil. Se você trabalhar em uma Série B do Brasil, em uma Série A do Brasil, ela vai pagar mais, propriamente, do que os principais clubes da América do Sul. São mercados que pagam menos. Então, é por um objetivo de crescimento profissional e pessoal. Então, esse é o próximo passo. Lógico que, no Brasil, existem alguns clubes nos quais eu me interessaria em trabalhar, mas teria que ser em uma condição de eu entregar o que se imagina para o clube. Então, assim. Vou assumir um clube que está na zona de rebaixamento. É quase como secar gelo, sabe? Você está ali, trabalhando, trabalhando para fazer uma pontuação mínima. No final das contas, você salva o time do rebaixamento, ganha uma grana por fazer isso. E, no final das contas, talvez, no ano seguinte, o projeto já não... Não exista projeto, já seja mais uma perspectiva de resultado, sem crescimento. E aí, é um pouco complicado. Então, estou esperando, cara. Sem pressa alguma, estou muito mais maduro para isso, estudando muito, me preparando muito, me qualificando, esperando, conversando com muitas pessoas, para poder ser mais assertivo nos próximos passos, errar menos. E ir tendo as oportunidades. Estou com 42 anos, sabe? Eu acho que eu tenho bastante lenha para queimar ainda. Mesmo com os cabelos brancos, acho que tem bastante coisa pela frente.

A pergunta agora não é o que você quer, mas, sim, o que você não se permite daqui para frente?
O que eu não me permito é ir para uma equipe em que eu não tenha como implementar o que eu acredito em termos de futebol. Então, eu acredito em um jogo extremamente competitivo, rápido, veloz. Um jogo técnico, um jogo que precisa, principalmente, ser físico. Então, se eu for para uma equipe que seja uma equipe de jogadores lentos, pesados, mesmo sendo uma grande marca, eu não vou. Porque eu não vou conseguir implementar minhas ideias. Eu vou exigir algo que tenha a ver com meu perfil comportamental. Que eu não vou conseguir entrar em sintonia com os atletas e, consequentemente, o trabalho não vai fluir. Então, para isso acontecer, eu preciso ter um perfil de jogador que vá ao encontro das ideias em que eu acredito.