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Luís Rosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

É questão de tempo para que uma morte como a de Gabriella Anelli se repita

Ettore Marchiano e Dilcilene Anelli Prado dos Santos, pais de Gabriella, palmeirense morta - Reprodução
Ettore Marchiano e Dilcilene Anelli Prado dos Santos, pais de Gabriella, palmeirense morta Imagem: Reprodução

11/07/2023 04h00

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Primeiro, meus sentimentos diante da dor dilacerante e o sofrimento dos pais de Gabriella Anelli, Dilcilene Anelli Prado dos Santos e Ettore Marchiano. Não lembro em qual filme ouvi, mas a frase que marcou e chocou vê-los, assistindo pela TV, dando entrevista na porta da Santa Casa é a seguinte: "É contra a natureza humana, os pais enterrarem os filhos. Tem que ser o contrário".

Não é em se tratando do que contexto no qual a morte da torcedora palmeirense, de 23 anos, ocorrida nesta segunda-feira. Ela foi ferida por estilhaços de garrafas de vidro, que foram arremessadas por rubro-negros e atingiram o seu pescoço, no último sábado, em meio a uma briga, antes da partida do Palmeiras contra o Flamengo, no Allianz Parque.

Eu não tenho nenhum receio de escrever. É assustador e precisamos aceitar que outros pais vão ver os seus filhos saírem de casa para torcer pelos seus clubes de coração e vão receber a triste notícia de que eles nunca mais voltarão para a casa.

É a crônica de mortes anunciadas, afinal somente neste 2023 já foram ao menos oito pessoas que morreram por causa de confusões entre torcidas.

Ao longo desta segunda-feira, conversei com pessoas que hoje não fazem mais parte das lideranças de torcidas organizadas, além de amigos jornalistas que, como eu, acompanharam a escalada da violência que envolvem as torcidas organizadas para tentar entender como isso chegou ao ponto de causar a primeira morte, que eu lembro (comecei no jornalismo esportivo em 1996), de uma mulher nos arredores do estádio.

Todos concordam que não podemos tratar a violência das torcidas organizadas como algo dissociado, um mundo paralelo, do que ocorre na sociedade em geral. No Brasil, impera a lei do ódio e da força, e questões banais são resolvidas à base da força brutal.

É como se vivêssemos em uma guerra civil, e isso, infelizmente, não é "privilégio" apenas dos grandes centros. A violência no Brasil é endêmica.

Para mudar o comportamento das torcidas organizadas, então teria que mudar o comportamento da sociedade, o que não acontecerá nos próximos 20, 30 ou 50 anos.

Então vamos ter que lavar as mãos e assistir incrédulos que outros pais e mães enterrem os seus filhos?

É óbvio que não, mas não vejo a curto e médio prazo vontade de todos os envolvidos, líderes de torcidas organizadas, clubes, federações, policiais, políticos, jornalistas, em criar formas para impedir que a violência nos tire o prazer de acompanhar uma partida de futebol.

São 26 anos desde que eu cobri a primeira morte de um torcedor. Muito falatório e poucas ações práticas.

Do que a coluna apurou sobre a confusão, Gabriella Anelli era integrante da Mancha Alviverde, mas não era da linha de frente, os chamados "cachorros doidos". Conversando com pessoas ligadas à torcida, o relato é que ela deu o "azar" de estar muito próxima do bloqueio entre as duas torcidas, na rua Prade Antônio Tomás, setor de entrada dos visitantes.

Como mostram alguns vídeos que circularam nas redes sociais e antissociais, as placas de ferro foram abertas e ela participou de um dos bate-bocas com os torcedores do Flamengo. Foi neste momento que garrafas foram arremessadas, e os estilhaços de vidro acertaram o seu pescoço.

Os torcedores reclamaram que tinham poucos policiais para conter os mais inflamados. O efetivo só aumentou com a chegada do Batalhão de Choque, que, entre outras medidas, usou gás de pimenta para conter a explosão de um confronto generalizado. Isso ocorreu já durante a partida em andamento. O vento forte levou o gás para dentro do estádio e a partida foi paralisada duas vezes durante o primeiro tempo.

Como eu destaquei, bastava que os dois lados se respeitassem que nada disso aconteceria. Esse é o mundo ideal, o mundo real é uma guerra, repito, longe, muito longe de um acordo de paz.

Segundo o delegado Cesar Saad, titular da Delegacia de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância Esportiva (DRADE), o flamenguista Leonardo Felipe Santiago Xavier, 26 anos, confessou ter arremessado as garrafas, mas em seu depoimento oficial, ele disse ter jogado apenas gelo. O suspeito, que está preso preventivamente, vai ser indiciado por homicídio doloso, quando tem a intenção de matar.

Sem exagero e um aviso para quem acha que estou praticando sensacionalismo. Pelo que eu ouvi dos que conhecem bem de perto a rivalidade entre torcidas organizadas de Palmeiras e Flamengo, é uma guerra com previsão de mais capítulos sangrentos.

Assim, está em curso o famoso "olho por olho, dente por dente" vai entrar em cena. Ou seja, haverá retaliação pela morte de Gabriella Anelli.