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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Felipão passa longe de ser um inimigo do futebol

Luiz Felipe Scolari, o Felipão, durante Athletico x Atlético-GO, jogo do Campeonato Brasileiro - Gabriel Machado/AGIF
Luiz Felipe Scolari, o Felipão, durante Athletico x Atlético-GO, jogo do Campeonato Brasileiro Imagem: Gabriel Machado/AGIF

29/07/2022 17h14

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Foi a polêmica da semana. Algumas pessoas acusaram Luiz Felipe Scolari de ser o "inimigo do futebol" pela postura do Athletico contra o Flamengo, no jogo de terça, pela Copa do Brasil. Entre eles, alguns colegas de UOL que respeito demais, como Mauro Cezar e Rodrigo Mattos. Houve também defensores do treinador.

Achei o debate justo e as críticas, honestamente, exageradas.

De fato, é um equívoco achar que a estratégia de Felipão na terça foi bem montada. Não foi. O time cedeu muitas chances, nunca ameaçou e só não perdeu por sorte. Verdade também que o Athletico foi prejudicado pela arbitragem e não lhe foi dada a chance de mudar de postura - ou de pelo menos vermos o que Scolari faria com um ou dois a mais em campo.

A execução da estratégia, a meu ver, é muito mais criticável do que a estratégia em si. Todo time tem direito de se defender, de não atacar, de jogar assim ou assado. Há beleza em muitos aspectos deste jogo que amamos tanto. E há também o direito de criticar a estratégia adotada. Não gosto muito da crítica à estratégia em função do material humano disponível (do tipo, é OK o Cuiabá fazer isso, mas não é OK o Athletico fazer isso). Mas aí entramos no campo da subjetividade e o debate racional não chega a lugar algum - fica bom só na mesa de bar (fica ótimo, aliás).

Um dos técnicos mais bem pagos do mundo, Diego Simeone, faz exatamente o mesmo que Scolari fez na maioria dos jogos. OK, alguém dirá que ele merece críticas também. Acho justo. Mas não é que o que esses caras fazem seja assim tão trivial. Eles vão além de "colocar o time na defesa", são caras com tal ascendência sobre atletas que conseguem fazer os comandados jogarem de um jeito que, convenhamos, não é o sonho de uma criança quando decide jogar futebol. Tem mérito aí.

Eu já vi um jornalista (também amigo) falar aos gritos para outro jornalista (também amigo) que Felipão era "o anti-futebol" em 2006, na Alemanha, em uma mesinha do restaurante que havia no campo de treino de Portugal na Copa do Mundo. Eu discordei dele então, como discordo dos amigos hoje.

É simplesmente um exagero. O futebol sempre teve um monte de técnicos "retranqueiros" ou técnicos que usassem expedientes defensivos para conseguir resultados. Felipão sempre foi um resultadista e sempre teve método para conseguir os resultados (que ele, diretores, presidentes, jornalistas e torcedores sempre colocaram como objetivo único no futebol). Os métodos variaram de acordo com os contextos.

A seleção brasileira que disputou a Copa de 2002 não praticava anti-jogo. A seleção portuguesa das Euros de 2004 e 2008 e a Copa de 2006 tampouco. Teve time violento e defensivo, teve time rápido e vertical. Sim, 'é verdade que nunca houve um nível de sofisticação máximo, de jogo trabalhado, de dominar os rivais, etc. Mas e daí?

Considerando que a maioria dos treinadores de futebol nem têm a capacidade cognitiva de ser um Cruyff ou um Guardiola, por que de repente vamos exigir que todos eles sejam os guardiões do futebol ofensivo? Por que exatamente tanta raiva pelo fato de um time ter jogado na retranca para segurar um 0 a 0?

Felipão nunca se proclamou e nunca foi representante do futebol ofensivo. Ele sempre foi um representante do futebol de resultados, e sempre foi um dos mais competentes da história no que se propõe a fazer. O 7 a 1 está aí para mostrar que é melhor treinadores serem fiéis a seus conceitos do que tentarem algo com o que não estão acostumados.

O que mais preocupa do jogo de terça é ver que Fernandinho, um cara que era exemplo de comportamento na Premier League, já está 100% comprometido com cera, catimba e fala-fala. Ou seja, o futebol brasileiro é rápido em contaminar as melhores famílias.

Nosso problema não é jogo retranqueiro. Nosso problema é falta de educação, de berço. Falta de respeito e de empatia. Somos uma sociedade pobre de espírito, em que cada um aprende desde cedo a tentar levar a melhor e fazer tudo o que estiver ao alcance para isso, mesmo que a ética seja pisoteada no caminho. Para entender o que acontece em um campo de futebol, não é preciso olhar para o desenho tático. Basta olhar para o trânsito ou para a fila do banco ou do embarque no aeroporto. Basta olhar para o comportamento geral das pessoas. Nosso buraco está muito mais embaixo.

Inimigo do futebol de verdade é quem monta o calendário brasileiro, é quem impede a profissionalização dos árbitros, é quem permite a dança das cadeiras dos técnicos, é quem atira pedra em ônibus com jogadores dentro, é quem imita macaco na arquibancada, é quem vai ao estádio para brigar, é quem simula lesão, é quem dá carrinho criminoso sabendo que pode quebrar a perna do adversário, é quem ganha comissão indevida em cima de venda de jogador, é quem escala jogador para fazer favor e ganhar por fora, é quem faz caixa 2 com dinheiro de federação, é quem se dopa, é quem corrompe, é quem trapaceia.

O futebol tem um milhão de inimigos que não sejam técnicos que impedem a vitória do teu time.

Felipão já derrapou muito, como quando mandou alguém enfiar o dedo no fiofó de Edilson, na época de Palmeiras x Corinthians. Já usou métodos de anti-jogo, sem dúvida. Mas muitos já fizeram o mesmo e nunca vi o jogo sujo como um conceito presente constantemente. Noves fora, prestou muito mais serviços do que desserviços aos clubes, jogadores e seleções.

Podemos e devemos analisar e criticar. Mas calma lá.