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Julio Gomes

O Centenário da Lusa é um fado: belo e melancólico

Canindé, estádio da Portuguesa -
Canindé, estádio da Portuguesa

14/08/2020 09h12

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Sempre que viajo, para onde quer que seja, levo comigo uma camisa da Portuguesa. Gosto de registrar alguma foto com ela em algum lugar histórico. Vira e mexe, cruzo com algum torcedor de outro time que me faz um sinal de joia. É como se eu levasse a Lusa ao mundo.

Estou em Lisboa já há dois meses. E hoje me dei conta de que não trouxe a camisa da Lusa para esta temporada europeia com a família.

Em 2004, na Eurocopa, fui a todos os jogos de Portugal com a camisa da Portuguesa. Em 2020, na Champions League, não irei a nenhum. Não tenho como estar vestido adequadamente para nossos 100 anos.

Sinal dos tempos? Não sei. O Canindé formou meu caráter. Eu não seria quem sou se não tivesse passado a infância vendo muito futebol na TV e sentindo muito o futebol ao vivo. Todo torcedor se acha diferente, mas somos todos iguais. E essa compreensão é essencial para qualquer pessoa que trabalhe com futebol. Todos e todas, um dia, fomos torcedores antes de sermos qualquer outra coisa.

Ao longo do tempo, no entanto, fui inegavelmente me desconectando da Portuguesa.

Melancolia. Este é o estado de espírito quando penso na Lusa. O clube chega aos 100 anos com uma história maravilhosa para trás e um futuro inexistente pela frente. O Centenário é uma festa virtual, bela e triste.

Não à toa, o fado é a música dos portugueses.

"Fado significa "destino" e os portugueses são um povo que acredita que o seu destino está traçado e que não há como fugir dele, por mais cruel que se mostre", diz o texto do "Observador", uma publicação lusa, que li recentemente. "O fado surgiu há quase dois séculos, nos bairros da classe trabalhadora de Lisboa, e começou por ser interpretado por prostitutas e pelas mulheres dos pescadores, que podiam ou não voltar do mar, ou seja, por pessoas que sofriam".

O fado é a saudade, a tristeza, a melancolia.

A Lusa é um fado. Sempre tivemos aquela remota esperança de que algo melhor pode acontecer, mesmo sabendo que dificilmente acontecerá. A Lusa é o clube que "nunca será", e nós, os que "nunca seremos".

Em 1996, chorei de tristeza porque sabia que nunca mais. Em 2011, chorei de alegria porque sabia que nunca mais. A melancolia aumenta. Este dia do "são nunca" nunca esteve tão perto.

Não consigo mais ir ao estádio encontrar o irmão, os sobrinhos, levar minhas filhas e filho, exorcizar meus fantasmas, gritar como se não houvesse amanhã, parar o carro no lugar de sempre, comer o melhor bolinho de bacalhau do mundo. A luz no fim do túnel é apenas um feixe de luz que some aos poucos.

Tenho saudades da Lusa. Tenho certeza que muita gente também, gente que nem torce pela Lusa, mas gostava dela ou entende a importância de sua existência.

Eu esqueço minha camisa, mas não esqueço dos laços familiares que tanto se estreitaram por causa da Portuguesa. Não esqueço das vitórias que me fizeram chorar. Das derrotas que me fizeram chorar. Dos roubos que fizeram odiar. Dos gols que me fizeram amar. E não me esqueço de 2013, o ano que fez desencanar.

Mas os lusos não conseguimos desencanar, não é mesmo?

Fiquei sabendo que, apesar de estarmos tão em baixa, aqui em Portugal farão um jogo para celebrar o Centenário da Lusa. Chamaram o Bayern de Munique e o Barcelona para jogar no estádio do Benfica. Talvez o estádio não esteja tão cheio, mas já estamos habituados a isso.

Irei para a festa. E tomarei um vinho depois.

Viva a Lusa!