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Julio Gomes

Neymar, Rodrygo, as expulsões e a escola brasileira 'acima do bem e do mal'

Rodrygo e Neymar: ex-meninos da Vila Belmiro - Reprodução/ Instagram
Rodrygo e Neymar: ex-meninos da Vila Belmiro Imagem: Reprodução/ Instagram

24/02/2020 11h04

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Resumo da notícia

  • Neymar reclama da falta de ritmo e é expulso contra o Bordeaux
  • Rodrygo é rebaixado para o time B do Real e também é expulso
  • Até quando jogadores brasileiros se sentirão os "donos do mundo"?

No mesmo dia, Neymar e Rodrygo levaram cartões que não foram simples cartões. Foram expulsos e viraram o centro das atenções. Com Neymar, já estamos habituados. Com Rodrygo, ainda não.

É a escola brasileira de jogadores de futebol que se sentem acima do bem e do mal. Que podem tudo. Foram vários os precursores, hoje parece que vivemos o auge.

Alguns tomam um banho de profissionalismo na Europa e mudam - há inúmeros casos. Alguns são mandados embora e fecham as portas, tipo Gabigol - também há inúmeros casos. Outros são tão bons, tão bons, que são "aturados", como Neymar.

Rodrygo, que começou bem a temporada, agora foi rebaixado por Zidane ao time B, o Real Madrid Castilla, que esta na terceira divisão. Já havia acontecido com Vinícius Jr, que agora volta ao time principal. Na verdade, o Real Madrid viaja na maionese ao ficar contratando essa molecada assim cedo.

Muito mais útil seria deixá-los crescer no Brasil, jogar em times grandes, amadurecer. Nessa busca pela antecipação, o Real Madrid acaba interrompendo um processo natural de crescimento esportivo e pessoal desses caras. Neymar, por exemplo, passou por esse processo ao ficar no Santos.

Não adiantou muito na parte profissional (o monstro foi criado, como havia nos adiantado o spoiler de René Simões), mas adiantou bastante na parte esportiva.

No domingo, Neymar fez uma falta tão dura quanto desnecessária no finalzinho do jogo do Paris contra o Bordeaux, pela Ligue 1. Levou o segundo amarelo, foi expulso e saiu aplaudindo o árbitro ironicamente. Para quem reclamou outro dia de falta de ritmo de jogo, não parece muito inteligente ser expulso assim.

A reação na web e nas mídias europeias foi automática: "o cartão do Carnaval". Apesar do vídeo engraçadinho em que diz que será "desfalque no Carnaval", Neymar tomou um vermelho que só se explica se o plano for pegar um avião...

Não é só culpa dele. A escola é antiga. Romário, Edmundo... passamos anos aplaudindo a "malandragem" de quem dá um jeitinho para escapar para o Carnaval. Podemos seguir passando pano ou tratar como deve ser tratado.

O próximo jogo do PSG é sábado, em casa, contra o Dijon, presa fácil com ou sem Neymar. Depois, na outra quarta-feira, tem clássico contra o Lyon pelas semifinais da Copa da França.

Você vai se surpreender se Neymar aparecer hoje ou amanhã por aí, em alguma avenida?

Eu, sim. Depois da derrota para o Borussia na Champions, o "anúncio" de que não viria e da festa totalmente desproposital com presença de jogadores do PSG dias após a derrota em Dortmund, o que gerou uma péssima impressão no clube, eu acho difícil que Neymar apareça no Carnaval. Seria surpreendente. Mas espantar, não me espantaria.

A própria desconfiança geral pelo vermelho mostra bem o que todos pensam e qual a imagem de Neymar. Ele que construiu a dúvida: foi um cartão apenas bobo ou um cartão pensado? Não dá para criticar a desconfiança.

E aí chegamos a Rodrygo. Um garoto de apenas 19 anos, que deveria estar jogando no Santos, mas está tentando a vida no maior clube do mundo. Não dá para culpá-lo, quem resistiria? E quem resistiria ao fato de se achar muito mais do que ainda é?

Rodrygo deve estar P da vida de estar jogando na terceira divisão, enquanto o time A perde do Levante com um caminhão de chances desperdiçadas por Benzema.

A maneira de retomar o lugar? Trabalhando. Simplesmente não há outra forma. E mostrando ter a cabeça no lugar. Postura é um negócio muito sério.

Trabalhar, ele parece que trabalhou no fim de semana, ajudando na vitória do Castilla. Na origem da jogada de seu gol, já no finalzinho, há um lance de cotovelada lá atrás, em que o jogador rival fica caído. Não consegui ver a imagem inteira, o fato é que Rodrygo faz o gol e o goleiro Xabi Irueta, que não é menino (33 anos), vai cobrá-lo por não ter parado na jogada.

Essa cobrança por "ética" é muito comum na Europa. Eu não gosto. Acho que passa dos limites e as arbitragens deveriam coibir essas intimidações. O problema é a reação de Rodrygo, rebatendo com uma comemoração ostensiva na cara do goleiro. Deveria ter ignorado. Isso, na Europa, é visto como algo mais grave. Levou o segundo amarelo, foi expulso e, como na Espanha os cartões valem para todos os campeonatos, está suspenso do clássico de domingo contra o Barcelona. Para mim, pareceu um claro gesto de frustração por Rodrygo estar onde estava.

Agora, e se Zidane quisesse resgatá-lo para o time principal, que sofre com falta de gols, após o bom treino no Castilla? E se Zidane estivesse contando com ele para o superclássico? Alguém tem dúvidas de que Rodrygo voltou algumas casinhas no tabuleiro da vida no Real Madrid?

Se fosse Neymar, eu não teria a menor dúvida de como reagiria seu staff. Neymar seria considerado injustiçado e incompreendido. Iriam meter o pau no técnico que lhe "rebaixou", no goleiro, no juiz, no mundo inteiro, com nenhuma gota de autocrítica.

Rodrygo, após a atitude infantil, deveria ser fortemente repreendido por quem gere sua carreira e deveria se desculpar interna e externamente (por uma questão de imagem). Erros acontecem. E é errando que se aprende. Não terceirizando culpas.

Eu não tenho a menor dúvida de que muitos jogadores estarão ao lado de Neymar e de Rodrygo. É uma questão cultural e também de corporativismo. Essa crítica não vai para a maioria, para os que estão no time dos que se adaptam ao profissionalismo europeu. Estes, na verdade, sofrem as consequências do que fazem outros.

Saberemos, com o tempo, que tipo de resposta Rodrygo dará. Se ele vai ser da turma que aprende, da turma que é mandada de volta para casa ou da turma que é tão boa que continua fazendo o que quer mesmo, no melhor estilo "dono do mundo".