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OPINIÃO

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O presente e o futuro do Cleveland Cavaliers, a grande surpresa da NBA

Jogadores do Cleveland Cavaliers comemoram pontos na partida contra Houston Rockets na NBA - Jason Miller/Getty Images/AFP
Jogadores do Cleveland Cavaliers comemoram pontos na partida contra Houston Rockets na NBA Imagem: Jason Miller/Getty Images/AFP

21/12/2021 04h00

Após 30 jogos, mais de um terço da temporada, acho que já podemos falar com propriedade: Tem algo de especial acontecendo em Cleveland.

No momento em que eu escrevo essas palavras, o Cleveland Cavaliers tem a terceira melhor campanha da Conferência Leste da NBA, com 19 vitórias e 12 derrotas —à frente de times como Bucks, Sixers e Hawks— e o quarto melhor saldo de pontos de toda a liga. Ah, e vale citar, tudo isso enfrentando o segundo calendário mais difícil da NBA para começar o ano.

Por qualquer métrica possível, os Cavaliers têm sido um ótimo time em 2021-22, e não é exagero dizer que essa tem sido a grande surpresa do ano. O time terminou 2021 empatado com a quarta pior campanha da liga. As casas de apostas tinham os Cavs vencendo 27 jogos no ano inteiro, quinta pior marca da NBA. O time não ia aos playoffs sem LeBron James desde 1998. E, agora, os Cavs são, talvez, o time jovem mais interessante de toda a NBA, e a melhor história do ano até agora. A velocidade com que as coisas podem mudar na NBA nunca deixa de ser impressionante.

A temporada incrível dos Cavs começa do lado defensivo da quadra, onde eles têm a segunda melhor defesa da NBA. E o mais curioso é que estão fazendo isso com um perfil defensivo que não é o que normalmente associamos a boas defesas: as melhores unidades neste quesito tendem a ser as que mais impedem arremessos perto do aro, aqueles que têm o maior aproveitamento em todo o esporte e normalmente forçam colapsos defensivos. Cleveland, no entanto, é o segundo time que mais cede esses arremessos tão cobiçados, e mesmo assim consegue ser elite desse lado da quadra.

Essa aparente contradição é, na verdade, um testamento ao quão bem tem funcionado a formação do time com dois pivôs, Mobley e Allen, algo que muita gente torceu o nariz quando o ano começou. Allen e Mobley são ambos excelentes protetores de aro. A aposta dos Cavs na defesa é simples: os adversários podem ter um alto volume de arremessos perto da cesta, mas para conseguir converter esses arremessos eles precisarão finalizar por cima desses dois excelentes defensores, e que a dificuldade de realizar esse feito diminui em muito o seu aproveitamento nessas bolas —o suficiente para que a matemática se vire a favor da defesa.

E, até agora, o técnico JB Bickerstaff tem se provado certo: os adversários estão acertando apenas 58,1% desses arremessos no aro, a melhor marca de toda a liga por uma boa margem. E a contrapartida de ceder tais chutes e confiar na dupla de pivôs para contestá-los é que o resto do time pode se focar em fechar o resto dos arremessos disponíveis. Cleveland é um dos times que menos sofre arremessos de três pontos na NBA, e quase todos são contestados; apenas três times cedem um aproveitamento menor nos chutes de longe. É uma linda equação ao redor do que alguns pensavam ser uma dupla "ijogável" de garrafão, e ajuda que Mobley é um monstro desse lado da quadra. Ele protege o aro, troca a marcação em armadores, toma boas decisões e é capaz de executar qualquer esquema possível, e tudo em alto nível; essa versatilidade e dominação oferecem um grande leque opções para Bickerstaff, permitindo se adaptar a cada situação e adversário sem precisar abrir mão do seu esquema defensivo. Os Cavs até mesmo têm usado uma defesa por zona com Mobley no topo, e essa é apenas uma das variações que temos visto da equipe esse ano. A defesa dos Cavs com Mobley em quadra é a melhor da liga com folga, e cai para a média quando ele senta.

Se a versatilidade e jogo de perímetro de Mobley permitam que essa formação com dois pivôs atinja sua melhor forma na defesa, a questão é mais complicada do outro lado da quadra. Formações com Mobley e Allen podem ser devastadoras na defesa, mas tem sofrido para pontuar: o time anota apenas 104 pontos por 100 posses de bola com os dois juntos em quadra, marca que seria a quarta pior da NBA. O saldo ainda é positivo porque a defesa tem sido absurda a esse ponto, mas é algo a se ficar de olho: Mobley projeta ter habilidades de um jogador "de perímetro" com bom arremesso e domínio de bola, mas hoje elas são mais projeções para um futuro brilhante do que algo plenamente realizado. Elas tem sido suficiente para fazer a parceria não ser um desastre no ataque, mas não o suficiente para sonhar com mais.

Mas esse é um desafio para o futuro, não para o presente; Mobley ainda é calouro e tem muito por evoluir, e os dois têm menos de 30 jogos juntos para desenvolver entrosamento e química. Vale lembrar, também, que os Cavaliers não tem exatamente os melhores arremessadores do mundo para ajudar a espaçar a quadra, o que aumenta o problema de ter dois pivôs - um dos motivos pelos quais o trio com Lauri Markkanen de SF titular funcionava tão bem, já que Mobley, Allen e a defesa por zona dos Cavs conseguiam esconder sua defesa, enquanto o chute de Markkanen abria a quadra para os Cavs.

E é aqui que entra a outra peça fundamental dessa temporada dos Cavs. Depois de um ano de calouro fraco e um bom segundo ano escondido por um time ruim dos Cavs, Darius Garland agora tem sido talvez o melhor jogador desse time. Garland tem tudo que você pode pedir em um armador moderno: é um bom passador e criador que já desenvolveu ótimo entrosamento com Allen e Mobley, mas também é um excelente arremessador capaz de criar seu próprio arremesso e chutar de fora com facilidade. Garland tem médias de 19 pontos e 7 assistências por jogo, arremessando 53% para dois e 39% para três pontos, e se Mobley é o motor defensivo dos Cavs então Garland é o motor ofensivo: Cleveland pontua no nível do sexto melhor ataque da NBA quando o armador está em quadra, e cai para o pior ataque da NBA com ele no banco.

E, talvez mais importante, a dupla Mobley-Allen em quadra é consideravelmente melhor no ataque quando joga junto de Garland, subindo de 104.2 para 107.3 pontos por posse de bola - ainda abaixo da média, mas uma melhora significativa. Esse número ainda vai ter que melhorar muito para o futuro, claro, mas novamente estamos falando de jogadores jovens, ainda muito crus e no começo da sua curva de desenvolvimento; Garland está no terceiro ano, jogando na posição com a mais complicada curva de aprendizado da NBA, depois de perder seu único ano na faculdade por lesões.

E, no fundo, esse é o verdadeiro horizonte que os Cavs têm que ter em mente: o futuro. Por melhor que esteja jogando, é difícil ver esse time brigando por algo sério nos playoffs em 2022; times se acostumarão e se adaptarão ao estilo defensivo original dos Cavaliers, alguma regressão deve atingir a equipe, e mesmo o resto da conferência deve se estabilizar ao longo do tempo. E tudo bem, porque até aqui os Cavs estão já muito à frente da curva; se esse era para ser mais um ano de reconstrução, agora o time já mostra uma identidade e uma base para o futuro, e isso já sendo competitivo no curto prazo.

E, em termos de futuro, os Cavs têm em Mobley e Garland dois grandes pilares para montar seu time ao redor, ambos ainda em contratos de calouro e com potencial de serem All Stars. Jarrett Allen, com apenas 23 anos, também é parte desse futuro, pelo menos por ora - conforme o resto do time for pago, o pivô possivelmente se torna o homem dispensável, mas isso é discussão para depois.

Além desse trio, as coisas são menos certas; duas peças-chaves, em particular, ainda são incógnitas. Isaac Okoro, segundanista que começou o ano mal em meio a lesões mas vem pegando fogo, é uma delas: apesar de não oferecer tanto em termos de criação, Okoro é um excelente e versátil defensor que está arremessando 41% de três pontos depois de um começo tenebroso. Se o arremesso for verdadeiro, ele parece ser o perfeito complemento a Garland e Mobley, um jogador que não precisa da bola nas mãos e encaixa em qualquer lugar. Okoro ainda tem muito a provar, mas os sinais têm sido encorajadores.

A situação de Collin Sexton é mais complicada: de fora de 2022 com uma lesão, o ala-armador vai se tornar agente livre restrito ao fim do ano. No papel, Sexton até encaixa com o resto do núcleo jovem do time: bom arremessador, capaz de criar de forma secundária, e que teve bons números no passado. Na prática, as coisas são menos simples: ele e Garland se sobrepõe em muitas coisas, fazendo com que nenhum dos dois tire o máximo das suas habilidades (não é por acaso que Garland decolou após a lesão de Sexton), e defensivamente os dois juntos criam problemas consideráveis pelo tamanho e deficiências. Não que ele seja um problema e que o time seja necessariamente melhor sem ele, mas é válido questionar quanto vale a pena pagar em um jogador que, a essa altura, parece ser dispensável. Os Cavs deixarão o mercado ditar o preço de Sexton antes de decidir se igualam a oferta ou não, mas dependendo do valor, pode ficar além do que Cleveland aceita pagar.

Na NBA, nada é garantido. Acertar no primeiro passo não é suficiente; você precisa acertar também no segundo, no terceiro, no quarto, e por aí vai. A história da liga está cheia de times jovens que começam bem, empolgam, e não conseguem passar para o próximo nível. A NBA se move rápido demais para se sentar sobre os louros.

Mas, para dar o segundo passo, você precisa antes dar o primeiro, e os Cavs parece ter acertado em cheio. A equipe tem um núcleo com duas possíveis estrelas, uma identidade bem definida, e um time que tem mostrado uma evolução em química e entrosamento notáveis. Playoffs não são obrigação, mas daria uma experiência muito valiosa a essa equipe e acelerariam esse crescimento. Pela primeira vez desde que LeBron James deixou Ohio, existe esperança de dias melhores em Cleveland. E, enquanto ela se desenvolve, nós podemos assistir um dos times jovens mais empolgantes e divertidos da NBA no processo.