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Jovens relatam 'pressão positiva' por título de eleitor e 1º voto

Mayanne Silva perdeu o prazo para tirar o título em 2020 e se arrependeu - Ricardo Labastier/UOL
Mayanne Silva perdeu o prazo para tirar o título em 2020 e se arrependeu
Imagem: Ricardo Labastier/UOL

Do UOL, em São Paulo

04/05/2022 04h00

"Estou bastante animada". Júlia Menezes, 15 anos, não se refere a uma festa ou a um show, mas sim às eleições deste ano.

Enquanto o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) se desdobra em campanhas para que a faixa etária entre 16 e 18 anos tire o título de eleitor até o fim do prazo, que se encerra nesta quarta-feira (4), Júlia se antecipou: fez o documento ainda em janeiro e diz incentivar os amigos — assim como a cantora Anitta, a quem agradece pelas mobilizações em prol dos votos dos mais jovens.

"Muitos só fizeram isso depois da campanha dos famosos", disse à reportagem.

Júlia é uma das quatro pessoas entrevistadas pelo UOL na faixa entre 15 e 19 anos. Moradores de diferentes cidades, todos votarão pela primeira vez este ano.

Até março, o TSE havia registrado a menor quantidade de eleitores entre 16 e 18 anos desde 2004. Após as campanhas de influenciadores, o número aumentou 45%.

"As pessoas estão mais desmotivadas", relata Júlia, que completa 16 anos a tempo de votar. "Quem eu conversei disse que está com preguiça de tirar o título, de ir na fila votar", acrescenta.

Mas o documento, hoje, está a um clique de distância: é possível tirar e regularizar o título, além de transferir o domicílio eleitoral, pela internet.

"Tentei tirar com alguns amigos, mas o site estava fora do ar. Nos juntamos em sala de aula e tentamos mandar os arquivos, mas [o sistema] não estava aceitando", conta Andrey Pires, de 16 anos, estudante no Senai de Curitiba (PR).

O TSE não respondeu aos questionamentos do UOL sobre uma possível instabilidade no sistema. Até a publicação da reportagem, Andrey conseguiu tirar o título.

"Conheço bastante gente desanimada, com a velha ideia de que candidato x já vai ser eleito, de que nem adianta ir lá e votar", diz Andrey, que já escolheu seu candidato para a Presidência da República.

mayanne, voto - Ricardo Labastier/UOL - Ricardo Labastier/UOL
Mayanne Silva votará pela primeira vez neste ano
Imagem: Ricardo Labastier/UOL

Mayanne Silva, de 19 anos, também já tem a cola pronta para votar em outubro. "Só mudo de ideia se algum deles desistir", diz.

A estudante de História na Unibra (Centro Universitário Brasileiro), no Recife, não votou nas eleições municipais de 2020, apesar de já ter a idade mínima permitida. Ela perdeu o prazo, que, em 2022, termina nesta quarta-feira (4).

"Eu queria muito ter votado, mas fui deixando passar o tempo, acabei não tirando o título e não votei", lamenta. Este ano, o título está a postos.

Envelhecimento da população

Diogo Cruvinel, cientista político e analista do TSE, afirma que o tribunal atribui a queda de novos títulos entre 16 e 18 anos à atual pirâmide etária do Brasil.

A nossa população está envelhecendo, não é só o número de jovens com título de eleitor que tem diminuído, mas a quantidade de jovens na população no geral."
Diogo Cruvinel, cientista político e analista do TSE

Segundo dados publicados em 2019 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística), a faixa etária entre 30 e 39 anos é a maior do país, correspondendo a 15,8% da população, seguida da parcela entre 40 e 49 anos (13,8%). Os jovens de 16 a 18 anos representam 6,1% da população.

No entanto, após a campanha que mobilizou até atores internacionais, como Mark Ruffalo e Leonardo Di Caprio, a procura aumentou. "Foi uma grande e positiva surpresa essa adesão espontânea dos artistas. Isso acabou tendo um impacto grande nos números", relata Diogo.

Medo do cancelamento

Estudante de Educação Física na Unifia (Centro Universitário Amparense), no interior de São Paulo, Pedro Mantovani admite que tem receio de se posicionar sobre política.

Política é um assunto que entra bastante nessa cultura de cancelamento. Eu não gosto de me abrir em público para evitar esses desconfortos."
Pedro Mantovani, 17 anos

Enquanto falava sobre as manifestações de ódio na internet, Pedro consultava o Twitter para ver qual o assunto da vez. "Deixa eu ver aqui nos Trending Topics". No dia, nenhuma "treta" dominava o noticiário.

"A maneira que as pessoas usam a internet hoje em dia é muito mais destrutiva do que construtiva. Isso faz com que as pessoas não queiram dar a opinião por medo", acrescenta Andrey Pires.

Mayanne concorda, em parte, com a opinião de Pedro e Andrey. "Muitos influenciadores digitais estão com medo de se posicionar, são pessoas públicas. Mas, olha, talvez pela minha bolha social, pessoas mais próximas não estão com tanto medo. Ainda bem."

A jornalista Manuela Pinho, 50 anos, mãe de uma adolescente que votará pela primeira vez em 2022, discorda.

"Tenho a impressão de que os jovens falam o que querem", observa. Ela acrescenta que o seu ponto de vista é limitado: "Eu tenho 50 anos, não trabalho com a juventude, não estou inserida nesse universo. Digo pelo que vejo na minha filha, nos amigos dela, e na minha convivência pessoal, que é muito restrita."

manuela, filha - Manuela Pinho/Arquivo Pessoal - Manuela Pinho/Arquivo Pessoal
Manuela Pinho, 50 anos, líder do "Se liga, 16!" em 1989, posa ao lado da filha Helena, 15, que vai votar pela primeira vez em 2022
Imagem: Manuela Pinho/Arquivo Pessoal

Se liga, 16!

Há 33 anos, Manuela liderou o movimento "Se liga, 16!", voltado para atrair a juventude para as urnas eletrônicas na primeira votação aberta desde o fim da ditadura militar.

pinho - Lula Marques/Folhapress - Lula Marques/Folhapress
Manuela Pinho, em julho de 1989, durante audiência com o então presidente do TSE, ministro Francisco Rezek, em Brasília (DF)
Imagem: Lula Marques/Folhapress

Em 1989, diz, havia um clima de conquista e novidade, já que também foi a primeira vez que pessoas dos 16 a 18 anos puderam votar —a faixa etária passou a ter esse direito a partir da Constituição de 1988.

"O ambiente democrático favoreceu para que o movimento tivesse mais força e chamasse mais atenção naquela época", destaca.

'Pressão positiva'

Os quatro estudantes concordam com a importância das campanhas para que os mais novos compareçam às urnas em 2022. Apenas Mayanne diz que não se sente pressionada.

A política está no nosso dia a dia, está no transporte público que a gente pega ou na calçada mal feita que é minimamente decente, mas que pode não ser útil para uma pessoa com necessidades especiais. Por isso é importante votar."
Mayanne Silva, 19 anos

"Eu sinto que é um 'mal necessário', porque a gente tem que acordar um pouco para a vida", diz Andrey.

Júlia avalia que é importante o jovem entender o voto como um direito que foi conquistado: "Acho que é uma pressão positiva, porque é muito importante desde cedo ter essa consciência de que a gente precisa ir lá votar e isso vai afetar as eleições e também o nosso futuro."

Para Pedro, a pressão existe, mas é normal: "Todos nós temos que tirar o título em algum momento".

Nada de dancinha

O estudante de Educação Física acrescenta que é importante que os candidatos se aproximem do público mais jovem e abram novos canais de diálogo. "Eles usam as redes sociais hoje mais para conseguir visualizações e nem tanto para chegar perto da nossa faixa etária", lamenta.

Júlia defende que há formas simples de estabelecer conexões entre os políticos e os novos eleitores.

Não estou falando para fazer dancinha no TikTok, mas sim conversar, fazer uma live que apresente um diálogo mais simples, falas mais simples, que todos possam compreender e entender a importância."
Júlia Menezes, 15 anos

Se os políticos estão cada vez mais presentes nas redes sociais — Instagram, canais do Telegram, Twitter, Facebook e até no TikTok — eles avaliam que nem todas as dinâmicas destas redes devem ser abraçadas. Isso inclui, também, as dancinhas que viralizaram nas plataformas.

"Olha, até não tem problema eles fazerem a dancinha do TikTok. Mas mesmo assim é bem estranho, né?", comenta Pedro.

Júlia, por outro lado, faz um apelo mais assertivo aos candidatos:

"Não! Não façam isso [dançar no TikTok]! É muito ridículo!"