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Tem indígena na cidade? Claro! E a Wyka Kwara surgiu para acolhê-los

A Wyka Kwara acolhe e luta contra o silenciamento indígena nas grandes cidades - Divulgação
A Wyka Kwara acolhe e luta contra o silenciamento indígena nas grandes cidades Imagem: Divulgação

Camila Honorato

Colaboração para Ecoa, em Munique (Alemanha)

03/03/2023 06h00

Criada em meados de 2017, a Wyka Kwara surgiu a partir da necessidade de demarcação da identidade indígena, focando em "parentes" (como os grupos reconhecem uns aos outros) que vivem em cidades. O objetivo principal é reunir pessoas em busca de informações sobre seus antepassados, auxiliando na descoberta das etnias, no reconhecimento da identidade e no acolhimento a grupos de pertencimento.

A organização acredita que ser indígena não é apenas uma questão étnico-racial: é reconhecimento, sensação de pertencimento e percepção de cosmovisões.

Foi durante a pandemia da covid-19 e com a intensificação das atividades online, que a Wyka Kwara ficou mais conhecida. Caso a pessoa não descubra a etnia, a própria Wyka Kwara pode ser vista como grupo, e ajuda os indivíduos no caminhar coletivo de demarcação de identidade e em lutas coletivas.

Declarar-se indígena é, como os membros constantemente reforçam, um ato de resistência. A organização reforça a retomada da identidade como um percurso de valorização da ancestralidade, impulsionando pessoas a saírem das categorias pardas ou mestiças para recuperar um universo com o qual verdadeiramente se identificam. Para Joanna Denholm, de Mairi (BA), a principal contribuição da Wyka vem da sensação de pertencimento: "Entendi o que era o meu choro e a sensação de estar só", diz ela.

Muitas pessoas que vivem nas cidades perderam o contato com os hábitos de seus ancestrais, mas não se reconhecem nos modelos convencionais da sociedade. Além disso, a demarcação da identidade é permeada por mitos, já que crenças populares ainda tendem a associar a imagem do indígena a aldeias isoladas, ignorando a realidade da urbanização e dos avanços tecnológicos.

O fenótipo, aliás, não é a única marca a ser levada em consideração. Dida Farias chama a atenção para o fato de que a miscigenação camuflou características tidas como "padrão indígena", como cor da pele, cabelo e formato dos olhos.

"Comecei esse processo de retomada há muitos anos graças à minha conexão com a natureza", afirma ela, que inclusive cita participações em torés - que são rituais de dança, espiritualidade e brincadeiras, muito praticados por grupos como Xucurus-Kariris, Kariris-Xocós e Potiguares. Quando perguntada sobre o processo de retomada, ela relembrou o discurso recente do presidente Lula (PT) na cerimônia de posse: "O Brasil realmente precisa tomar posse de si mesmo, e isso inclui os povos indígenas".

Hoje, os projetos da Wyka Kwara são divididos em diversas etapas. Primeiro, as pessoas interessadas entram para o grupo de acolhimento, onde conversam sobre sua identidade e tentam recuperar informações sobre etnias de origem.

Ao todo, cerca de quatrocentas pessoas já passaram pelo acolhimento desde a fundação do projeto, que hoje conta com CNPJ e busca parcerias. Posteriormente, muitos passam a integrar grupos dos quais originam, enquanto outros seguem caminhando com os projetos da organização e se tornam associados. Atualmente, este último grupo reúne mais de cem pessoas.

Quem é associado participa de eventos, reuniões e projetos distintos. Moara Tupinambá, uma das coordenadoras, explica: "Além do auxílio a indígenas urbanos, também fazemos projetos para comunidades, que vão desde o auxílio ao acesso de luz elétrica até retomadas territoriais para a prática de agricultura familiar".

O grupo também ajuda associados a terem mais independência, impulsionando o trabalho de artistas e artesãos. "A maior parte das pessoas que integram a Wyka são artistas, algo que faz parte da natureza indígena. Divulgamos projetos como produção de cerâmica e artesanato", explica.

A ambição é que os grupos de estudo e projetos, intitulados como GTs e que incluem temas como cultura, história e relações internacionais, formem uma universidade. Essa universidade acolheria indígenas de todas as partes do Brasil e daria a eles mais oportunidades de estudo e trabalho, independente dos modelos convencionais da sociedade e preservando a coletividade.

O líder Kwarahý Tembé Tenetehar explica que essa ideia caminha lado-a-lado com a necessidade de preservar o meio-ambiente - um dos movimentos mais importantes das comunidades indígenas.

Nós caminhamos em um mundo egoísta, e buscamos nossos parentes para ressignificar a sociedade em que vivemos. A origem do nosso conhecimento é a natureza, a espiritualidade. Caminhamos para sempre respeitar essa lei natural, Kwarahý Tembé Tenetehar.