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Aldeia expulsa invasores que desmatavam em RO: 'Andavam sempre armados'

André leva reportagem por Terra Indígena Karipuna - Felipe Corona
André leva reportagem por Terra Indígena Karipuna Imagem: Felipe Corona

Felipe Corona

Colaboração para Ecoa, em Porto Velho (RO)

01/02/2023 06h00

As notícias sobre a destruição dos povos originários, da fauna e da flora, na Amazônia, rodam o mundo. Pelo menos 13 mil kayapós e mundurukus estão ameaçados por garimpeiros ilegais, a Polícia Federal abriu inquérito para apurar o genocídio yanomami e grileiros cortaram mais de 3.000 árvores na Terra Indígena Karipuna.

O povo indígena karipuna, que está localizado entre os distritos de Jacy-Paraná e União Bandeirantes, pertencentes a Porto Velho, capital de Rondônia, tem um grande desafio: proteger seu território que sofre invasões sistemáticas de grileiros, madeireiros ilegais e grandes latifundiários de soja ou da pecuária.

A pequena vila que é sede da Terra Indígena Karipuna fica a 150 quilômetros (cerca de cinco horas de viagem em caminhonete com tração nas quatro rodas) da capital.

Território maior que da cidade de São Paulo

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Área invadida da Terra Indígena Karipuna teve 3 mil árvores em três anos
Imagem: Felipe Corona

Segundo dados oficiais da Fundação Nacional do Indígena (Funai) acessados por Ecoa, a Terra Indígena Karipuna foi demarcada em 1997 com 152.930 hectares e se encontra homologada pelo decreto s/nº de 09/09/1998, com registro nos cartórios de imóveis de Guajará-Mirim e Porto Velho.

Fazendo a conversão, a área tem 1.529,3 quilômetros quadrados é maior do que milhares de municípios brasileiros, incluindo São Paulo (SP) que tem 1.521,110 km² .

'Era uma turma que sempre andava armada'

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Tora de madeira deixada para trás durante operação da PF na Terra Indígena Karipuna
Imagem: Felipe Corona

De acordo com André Karipuna, uma das lideranças do povo que recebeu Ecoa durante visita no começo do mês de janeiro, as incertezas e o medo tomaram conta de todos os indígenas da vila por muito tempo.

"Com os discursos de ódio do presidente Bolsonaro contra os indígenas, os invasores se sentiram apoiados e fortalecidos para fazer todo o tipo de crimes contra a gente. Nossa maior preocupação são os grileiros de terra, que passam os seis meses do verão amazônico em nossas terras. Eles derrubam tudo, tiram a madeira, vendem, limpam o terreno com fogo e depois negociam o lote", afirma ele.

Subindo os rios Jacy-Paraná e Formoso, durante três horas em voadeira (como são chamados os barcos com motor na região), André mostrou vários pontos em que eles tiraram fotos, fizeram vídeos e relatos para as autoridades como Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais] e Ministério Público Federal.

"Foram três anos de ações intensas na nossa área. A gente calcula que foram mais de 3 mil árvores retiradas daqui, com média de mil toras por ano. Sentimos muito medo, pois era uma turma que sempre andava armada, muito agressiva, que mandavam recados ameaçando nossas vidas".

Uma das marcas da ousadia dos criminosos foi a construção de uma ponte que cruzava o Rio Formoso, da Terra Karipuna para uma fazenda vizinha à região, onde os madeireiros transportavam as toras por caminhões para serem negociadas.

A construção com toras de madeiras e sustentadas por cabos de aço foi destruída com dinamite após uma operação conjunta da Polícia Federal e o Ministério Público Federal na região, em meados de dezembro do ano passado.

"Esse pessoal trabalhava seis meses na época da seca, que chamamos de verão, e ficavam seis meses fora, no inverno, que é a estação das chuvas. Porém, trabalhavam dia e noite aqui. Não paravam. Depois de tantas denúncias e provas que enviamos, a operação policial parece que deu um freio neles. Parece que estão com medo", contou André.

'Estão querendo voltar'

Contudo, durante nossa pequena viagem pela região, encontramos dois invasores fazendo uma espécie de mapeamento em uma das margens do Rio Formoso.

"Desde a operação policial que a gente não via ninguém aqui. Isso é um sinal de que eles estão querendo voltar para derrubar a floresta", afirmou o líder indígena.

André Karipuna parou em um local que fazia semanas que não tinha recebido a presença dos invasores ilegais. Porém, eles deixaram rastros de que estiveram ali há pouco tempo, relativamente perto da vila do povo indígena que tenta proteger a área dos criminosos.

Placas solares alemãs e apoia internacional

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Os jornalistas Felipe Corona e Lennart_Berggrand na Terra Indígena Karipuna
Imagem: Felipe Corona

Os karipunas vivem como a maior parte dos indígenas do Norte do país: plantam, pescam e caçam para sobreviverem. O que sobra vendem sob encomenda, como castanhas-do-brasil (também conhecidas como castanha-do-Pará) e farinha d'água, produto mais grosso do que as farinhas de mandioca vendidas nos supermercados do Sul e Sudeste do país.

De acordo com eles, com o enfraquecimento das políticas ambientais pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), restou pedir socorro apenas para entidades da sociedade civil e a imprensa nacional e internacional.

Uma dessas entidades é a Pastoral da Terra, ligada à Igreja Católica. Quando a reportagem de Ecoa retornou para Jacy-Paraná, no barco em que André Karipuna levou todos, a irmã Laura Vicuña Pereira Manso, da Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas, ficaria na vila deles por seis dias para verificar novamente a situação da destruição deixada pelos invasores, grileiros e madeireiros.

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Irmã Laura Vicuña: "Levamos o André para várias embaixadas [internacionais] em Brasília (DF) para que contasse pessoalmente os fatos."
Imagem: CNBB

"Em 2017, os karipunas entraram em contato conosco e pediram nossa ajuda, para que chamássemos a atenção para a situação de terror vivida por eles. Levamos o André para várias embaixadas [internacionais] em Brasília (DF) para que contasse pessoalmente os fatos", destacou ela.

O apoio rendeu ações concretas: há dois anos, a embaixada da Alemanha instalou duas estações de energia solar para a vila, que custaram cerca de 200 mil reais. É a única fonte constante de energia do local, que contava apenas com um pequeno gerador à gasolina, que funciona apenas por algumas horas, nos dias em que as baterias não são carregadas, justamente nos dias mais nublados.

A benfeitoria possibilitou que os karipunas tivessem acesso à internet e antenas para assistirem TV por assinatura, por exemplo. Um pequeno luxo no meio do isolamento da floresta.

Quem também veio verificar essa situação de perto foi o jornalista finlandês Lennart Berggrand, que mora na Suécia, mas trabalha para uma TV da Finlândia.

"A gente percebeu que há uma nova dinâmica na questão da preservação ambiental com Lula (PT) e com a nova ministra [Marina Silva]. Por isso que viemos aqui, para verificar como está a expectativa desse povo em relação à proteção da Floresta Amazônica e mostrar para a Finlândia o que pode ser feito para mudar a atual situação", disse o jornalista.

Depois de tanto medo de serem expulsos da própria terra, os sentimentos dos karipunas já é diferente: "O discurso já é diferente, as ações são outras. Esperamos um pouco mais de paz para sobreviver. Não é fácil dormir sem saber o que vai acontecer no futuro.", disse André.