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'O que é lixo para algumas pessoas pode saciar a fome de muita gente'

 Lídia Lira criou o projeto Siricutico em Pernambuco - Arquivo Pessoal
Lídia Lira criou o projeto Siricutico em Pernambuco Imagem: Arquivo Pessoal

Amanda Tavares

Colaboração para Ecoa, de Recife

03/08/2022 06h00

É fácil esbarrar com Lídia Lira, 55 anos, ao andar pelas ruas do bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife (PE). Nas feiras de produtos orgânicos, na associação de moradores, nos cafés, nas padarias, nos mercadinhos? Lá está ela. Conversando com alguém, contando histórias, ou planejando o próximo evento ou projeto que vá "movimentar" a comunidade. Nos últimos anos, a ativista social de direitos humanos tornou-se uma personalidade praticamente impossível de passar despercebida naquela região.

Há cinco anos Lídia escolheu o bairro como local de moradia. Mas, para ela, não bastava apenas estar ali. Sentia a necessidade de transformar, característica herdada da família, que sempre incentivou o viés político.

"Quando eu era criança, nossa situação financeira não era boa, mas minha mãe ia ao Ceasa (Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco) pegar o que as pessoas chamavam de 'resto de feira'. Assim nos garantia receitas deliciosas, feitas com frutas e legumes. Aprendi, desde cedo, que o que é lixo para algumas pessoas, pode saciar a fome de muita gente", ressalta.

Com o passar dos anos, à medida que caminhava pelas ruas da Várzea, Lidia descobriu novos espaços e conheceu pessoas. Foi assim que começou a pensar em projetos que pudessem levar ainda mais vida para o bairro. O primeiro — e o mais conhecido — foi o Siricutico, também chamado de "cozinha revolucionária". O projeto já existe há 10 anos e une uma das suas paixões — o ato de cozinhar — a eventos artísticos e políticos.

LIdia - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Lidia Lira criou o Siricutico
Imagem: Arquivo Pessoal

O nome surgiu na época em que a ativista social preparava marmitas para vender no trabalho. "Quando as pessoas abriam, sentiam o cheiro da comida, vinha aquela sensação boa, que a gente começou a chamar de 'siricutico'. Daí decidi batizar o projeto com esse nome", conta a ativista, que já levou a experiência a vários estados brasileiros para onde viaja.

Quando passou a morar na Várzea, Lídia deu continuidade ao projeto dentro da sua casa. Iniciou vendendo marmitas apenas na opção "passe e pegue". Com o tempo, foi ganhando mais clientes e amigos.

Em 2020, em meio à pandemia do covid-19, surgiu uma oportunidade de expandir ainda mais os negócios. "Um amigo me ofereceu uma sala maior para cozinhar, já que a minha casa se tornou pequena. Gostei do espaço e vi que ao lado tinha um quintal abandonado, cheio de lixo. Resolvi transformá-lo", conta. Surgiu "O Quintal", como ela chama. "Não costumo dizer que é restaurante, pois a proposta não é comercial. O quintal e a cozinha do Siricutico são espaços de construção de imunidade física, mental, espiritual e política. Quero que as pessoas reconheçam como um local onde sempre terá alguém disposto a construir", afirma, citando que já promoveu, naquele espaço, desde saraus a shows artísticos e almoços com preços populares, para que estudantes participassem de debates políticos.

O quintal está temporariamente fechado por conta do período chuvoso. Mas as ações do Siricutico não cessam: a comida voltou a ser feita na cozinha de Lídia e é servida na porta de casa. A maioria das pessoas compra e leva os produtos, mas sempre há uma cadeira ou um banquinho à disposição de quem quer sentar e comer ali mesmo, na calçada, e emendar um bate-papo ou uma roda de conversa sobre novos projetos e ações para o bairro. A ativista aproveita esses momentos para fortalecer a agricultura familiar (ela participa e apoia pelo menos duas feiras de produtos orgânicos que acontecem às quartas-feiras e aos sábados, nas ruas do bairro); falar sobre alimentação saudável e acessível e elaborar novos projetos, como o de compostagem, que está sendo implementado com o apoio de moradores e comerciantes locais e em breve proporcionará uma coleta de lixo diferenciada para a comunidade.

Os impactos de Lídia no bairro da Várzea

"Lídia é uma pessoa agregadora, faz questão de participar de todos os movimentos sociais da Várzea. É uma das apoiadoras da nossa feira de orgânicos e está sempre buscando trazer mais pessoas para comprar os produtos", declara a agricultora Mariana Torres.

"Moro na Várzea há apenas dois anos, tempo suficiente para perceber o quanto ela é atuante nos projetos de transformação do bairro. Promove o fortalecimento da cultura e da economia local, assim como está atenta às necessidades da parcela mais carente da comunidade. No último mês de maio, quando muita gente perdeu suas moradias por causa das chuvas, ela foi uma das protagonistas do movimento solidário, atuando na arrecadação de donativos e na cozinha, para garantir que aquelas pessoas em situação de vulnerabilidade não ficassem desamparadas", destaca o jornalista Eduardo de Melo.

Lidia - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Lidia Lira criou o projeto "Siricutico" de comida revolucionária
Imagem: Arquivo Pessoal