Topo

Ser enterrado evita que a gente siga poluindo o mundo depois de morto?

Capsula Mundi é uma forma de enterro sustentável criada por dois arquitetos italianos - Capsula Mundi/Reprodução
Capsula Mundi é uma forma de enterro sustentável criada por dois arquitetos italianos Imagem: Capsula Mundi/Reprodução

Maiara Marinho

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

29/07/2022 06h00

Em tempos de emergência climática, os cuidados ambientais perpassam todas as etapas de nossa vida até o fim dela: a morte. Com a pandemia de covid-19, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) produziu Nota Técnica para alertar os riscos ambientais do aumento dos cemitérios, pedindo ao Ministério do Meio Ambiente atenção para evitar a construção em áreas que exijam desmatamento, além de pedir que sejam considerados os aspectos geológicos, topográficos e hidrogeológicos do local.

A preocupação é bastante pertinente, visto que a contaminação do solo pelo líquido que sai do corpo em decomposição, o necrochorume, pode penetrar no lençol freático e contaminar poços e rios. Para enfrentar esse problema, especialistas apostam em uma legislação que atente para estas questões e que fiscalize as condições dos locais.

Pensando em uma forma de "pós-morte sustentável", diversas alternativas têm sido promovidas. Os arquitetos italianos Anna Citelli e Raoul Bretzel desenvolveram a Capsula Mundi, uma cápsula biodegradável para substituir caixões de madeira. Nos Estados Unidos, a empresa Recompose construiu um local para compostagem humana, conhecida como redução orgânica natural, que regula os índices de carbono e nitrogênio. No Brasil, o Sistema de Cemitério Ecológico, desenvolvido pela Valfer Tecnologia, é uma tecnologia, anexada aos túmulos verticais, que faz a decomposição dos corpos de forma natural através da desidratação e evaporação do necrochorume. Diversos cemitérios utilizam o sistema no país.

Há ainda quem defenda a "aquamação" (uma espécie de cremação com água, cujo nome científico é hidrólise alcalina) como a alternativa mais sustentável de transformarmos nossos restos mortais em cinzas.

Mas, afinal, os enterros são sustentáveis?

A resposta é: depende. A Ecoa conversou com especialistas para entender os impactos de enterrarmos nossos mortos para o meio ambiente.

1 - Instagram/Recompose - Instagram/Recompose
Recompose: empresa americana oferece enterros sustentáveis
Imagem: Instagram/Recompose

SIM

Cemitério vertical

Os cemitérios verticais são comuns no Brasil, e uma forma menos nociva ao meio ambiente. Neles, os sepultamentos ocorrem acima do solo, em unidades de concreto onde os túmulos são inseridos um sobre o outro. Nestes, existem tubulações que sugam os gases expelidos durante a decomposição, e estes, por sua vez, são tratados antes de serem soltos no meio ambiente. Por esse motivo, o enterro em cemitérios verticais pode ser uma alternativa em relação aos enterros realizados diretamente no solo.

Caixão orgânico

Outra opção é o enterro em caixão biodegradável. A startup holandesa Loop desenvolveu o ecocaixão, feito de micélio, uma rede de fibras finas, o componente também é capaz de neutralizar substâncias tóxicas e fornecer nutrição para as plantas que crescem ao seu redor. O material do caixão se decompõe em seis semanas e ele também atua na decomposição do corpo, acelerando o processo e permitindo que a natureza absorva nutrientes.

Cemitério sustentável

O Eco No-Leak é um sistema sustentável utilizado em cemitérios de diversas regiões do Brasil. O cemitério é construído com o caixão já anexado nas gavetas. Também é um modelo vertical, instalado acima do solo. Os lóculos de sepultamento são caixas feitas de fibra de vidro e resina pet. Junto, duas tubulações controlam a retirada dos gases da decomposição para serem tratados e, por último, evaporados.

NÃO

Poluição do solo e de rios

A Organização Mundial da Saúde foi o primeiro órgão a reconhecer os riscos dos cemitérios ao meio ambiente. Em relatório publicado em 1998, a OMS alertou que os cemitérios convencionais seriam uma fonte potencial de poluição. Nesse sentido, o Conama estabeleceu critérios para a implantação de cemitérios no Brasil, por meio das resoluções de número 335/2003 e 368/2006.

Nesse sentido, os enterros convencionais, realizados em cemitérios com covas diretamente no solo, são bastante prejudiciais.

"As substâncias tóxicas usadas nos caixões e no embalsamento dos corpos e o chorume (poluente) liberado na decomposição dos corpos infiltram nos solos e lençóis freáticos contaminando-os", explica a geógrafa Lucila Freire.

De acordo com pesquisa realizada em 600 cemitérios, do geólogo Leziro Silva, entre 15% a 20% deles apresentam contaminação do subsolo pelo necrochorume. Quando em contato com a água, pode causar febre tifóide e hepatite infecciosa. Nesse sentido, o tratamento de água e esgotos sanitários são fundamentais para evitar a proliferação de doenças originadas pela contaminação do solo em cemitérios.

Desmatamento

Segundo a legislação ambiental, é proibido instalar cemitérios em Áreas de Preservação Permanente ou em outras que exijam desmatamento da Mata Atlântica. Mesmo assim, em 2021, ambientalistas denunciaram ao Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro, desmatamento de área preservada feito pela prefeitura de Búzios. No mesmo ano, no Paraná, o cemitério Jardim São Paulo, em Foz do Iguaçu, derrubou 13 mil metros quadrados de mata para construir novos jazigos.

Por esses motivos, os enterros sustentáveis, não convencionais, são uma alternativa de impacto ambiental positivo, pois "diminui o uso de terras para sepultamento, evita o desmatamento de áreas para a construção de cemitérios, economiza energia, reduz os custos com a manutenção de cemitérios e, principalmente, evita a poluição dos solos e lençóis freáticos", finaliza Lucila.