Topo

Banho e dignidade: projeto no DF disponibiliza chuveiro à população de rua

O ônibus do projeto Banho do Bem é equipado com 4 chuveiros com água quente e itens de higiene - Divulgação
O ônibus do projeto Banho do Bem é equipado com 4 chuveiros com água quente e itens de higiene Imagem: Divulgação

Lílian Beraldo

Colaboração para Ecoa, em Brasília

29/03/2022 06h00

Para alguns, tomar banho pode ser um momento de relaxamento e descanso. Para outros, apenas um necessário ritual de limpeza. Já para a empresária Adriana Calil Amorim, 56 anos, a palavra "banho" ganhou um significado especial: o de solidariedade e criação de vínculo com outras pessoas.

Adriana é a idealizadora do Banho do Bem, uma iniciativa que vem sendo realizada há 4 anos na região central de Brasília para levar mais dignidade à população de rua. Todos os domingos, com a ajuda de voluntários, ela leva um ônibus para a Rodoviária do Plano Piloto. No veículo, pessoas em situação de rua têm acesso a chuveiro, água limpa e privacidade para poderem tomar banho.

"Eu estava procurando uma coisa que pudesse fazer em prol das outras pessoas. Aí vi a história de um rapaz que, sozinho, em Natal (RN), oferecia a possibilidade de tomar banho para a população de rua. Achei legal e pensei em uma ação maior. Foi aí que surgiu a ideia de transformar um ônibus para oferecer chuveiros a essas pessoas em Brasília", relembra.

O ônibus é adaptado e equipado com 4 chuveiros com água quente — aquecida a gás — e todo tipo de material de higiene, de sabonete e xampu até creme hidratante e perfume. No local, ainda é possível vestir roupas limpas (previamente doadas ao projeto), fazer a barba e cortar o cabelo. Além disso, todos saem com um kit composto por escova, pasta de dentes e sabonete.

Cerca de 50 pessoas são atendidas pelo Banho do Bem a cada domingo, a maioria homens. De acordo com Adriana, muitos veem um chuveiro pela primeira vez na semana quando entram no ônibus. O atendimento ocorre das 15h às 19h, mas a partir das 13h já tem gente formando filas pouco ortodoxas. "Eles colocavam um pedaço de papelão, um toco de madeira, o que tivessem na mão, mas não ficavam ali, na fila. Para evitar confusões e tentar ser mais justa, comecei a fazer sorteios. Coloco os números num papel e a ordem é seguida a partir do número que cada um tira."

adriana - Divulgação - Divulgação
A empresária Adriana Calil Amorim, idealizadora do 'Banho do Bem'
Imagem: Divulgação

Como a água utilizada para o banho vem de uma caixa acoplada no veículo, é preciso que todos sigam pequenas regras, como não demorar tempo demais nas cabines, para que o recurso não acabe e impeça a higiene dos que esperam a sua vez.

"Eu poderia ter colocado um limitador. Em 5 minutos, o chuveiro para. Mas prefiro que a gente converse, até mesmo para passar essa necessidade de responsabilidade com o outro que também está aguardando", afirma Adriana. Ela conta com o apoio de voluntários para esse processo de conscientização, e tem dado certo. "Eles respeitam", diz.

Desde o início do projeto, em 2018, Adriana contabiliza 8,2 mil banhos. De lá para cá, a iniciativa cresceu em tamanho e perspectiva. "Quando comecei, achei que seria só um banho, que seria um momento de mais tranquilidade para que eles se sentissem melhor. Mas não é. Um banho não é só um banho. É muito maior do que eu pensei. Nós criamos um vínculo com eles e muitos acabam pedindo ajuda para sair daquela situação", revela.

"Eu acho que o projeto, no fim, é esse. É tirá-los da rua. É claro que isso é para aqueles que pedem ajuda — a gente não vai lá e fala: 'você precisa sair da rua'. Não. Eles simplesmente chegam e dizem: 'Adriana, eu estou querendo ajuda. Vocês podem me ajudar?', relata a empresária.

O Banho do Bem também fez parcerias com casas terapêuticas do Distrito Federal para ajudar aqueles que querem deixar a dependência química. Os homens são atendidos na ONG Salve a Si e as mulheres na entidade Maria de Magdala. As pessoas que chegam às unidades indicadas pelo projeto recebem atendimento gratuito.

Vida transformada

Uma das pessoas ajudadas pelo projeto foi o mineiro Daniel Martins, 36 anos. "Como outras pessoas que dependem de alguma assistência social, eu também procurei [o Banho do Bem] sabendo que eles prestavam um ótimo trabalho dando atenção, vestimentas e cuidando da nossa saúde", conta. "Representou muita coisa pra mim, já que as pessoas da equipe me apontaram uma direção."

Daniel comparecia aos domingos e levava seus projetos de crochê — o que acabou chamando a atenção dos voluntários que se dispuseram a auxiliá-lo. "Eu tive a ajuda de muita gente. Fiz um círculo de amizades", conta Daniel, que aprendeu a fazer crochê em 2005, dentro do sistema penitenciário.

Hoje artesão profissional, ele tem remuneração e divide um quarto com colegas no Cruzeiro Novo, uma região no centro da capital federal. Ele é cadastrado no Programa do Artesanato Brasileiro e, além de vender suas peças de crochê, dá oficinas para jovens e pessoas na periferia que se interessam pela técnica.

"Eles [os voluntário do Banho do Bem] têm um comprometimento com o próximo. São muitas pessoas que se disponibilizam a fazer esse trabalho e todos têm experiências e conhecimentos particulares que podem ajudar os outros."

Família do Bem

foto - Divulgação - Divulgação
Voluntários também realizam a distribuição de alimentos
Imagem: Divulgação

Depois de implantar o Banho do Bem, Adriana começou a pensar em outras iniciativas que pudessem beneficiar ainda mais a população em situação de vulnerabilidade.

Surgiu assim o Comida do Bem, que distribui de 200 a 300 marmitas, aos domingos, na Rodoviária de Brasília, por volta das 13h — antes da chegada do ônibus do banho. O projeto também conta com o apoio de pessoas que ajudam fazendo a comida em suas próprias casas, doando os alimentos não perecíveis ou entregando as quentinhas.

Outra iniciativa também liderada pela empresária é o Sorriso do Bem, que busca cuidar da saúde bucal dos moradores de rua. "É um atendimento de grande necessidade para eles. Muitos têm os dentes bastante comprometidos, tanto é que a grande maioria dos casos é de extração", explica, destacando que a "clínica" faz todo tipo de tratamento, inclusive canal.

Atualmente, segundo ela, o mais difícil tem sido encontrar alguém disponível para transportar o trailer que serve como consultório dentário até a rodoviária — um trajeto de cerca de 50 quilômetros (ida e volta). "Nós estamos precisando de pessoas que possam ajudar a rebocar o consultório. Temos uma pessoa, mas ela está muito sobrecarregada. Precisava de pelo menos mais duas, para revezar os domingos", explica.

Irmão mais novo da "família", o Sorriso do Bem conta com cinco dentistas voluntários e já fez, aproximadamente, 290 atendimentos dentários em dois anos de existência.

Quer ajudar a Família do Bem? Entre em contato com a Adriana Calil, pelo telefone: (61) 99556-5433.