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Intercâmbio para a África transforma a vida de executivas brasileiras

A empreendedora Sauanne Bispo durante viagem à África do Sul - Arquivo pessoal
A empreendedora Sauanne Bispo durante viagem à África do Sul Imagem: Arquivo pessoal

Aline Takashima

Colaboração para Ecoa, de Florianópolis (SC)

16/02/2021 04h00

A primeira vez que Sauanne Bispo, 35, visitou Joanesburgo, a maior cidade da África do Sul, ela se misturou com a multidão. Em todos os cantos, encontrou pessoas negras ocupando espaços.

"Eu me via nas ruas, nos transportes públicos, dirigindo carros maravilhosos. Pessoas parecidas comigo nas propagandas. Eu ia em restaurantes incríveis e encontrava outras pessoas negras comendo. Eu era só uma pessoa. Ninguém sabia que eu era brasileira porque eu parecia ser local", conta.

A viagem aconteceu em 2015. Na época, Sauanne participou de uma conferência de turismo no país. O passeio transformou a sua vida e confirmou o propósito do seu trabalho: desmistificar o continente africano no Brasil.

Em 2014, ela criou a Go Diáspora, um serviço de intercâmbio para países da África, com foco em cursos de inglês na África do Sul. "Todos os negros do Brasil deveriam visitar a África. É uma massagem no ego, um fôlego de autoestima."

É o que Paloma Macedo sentiu quando visitou o continente. Ela foi uma das clientes da Go Diáspora, em 2019. Aos 24 anos, viajou sozinha para a Cidade do Cabo, em sua primeira viagem internacional. Lá, estudou inglês durante um mês.

"Eu queria conhecer mais as minhas origens. A África que conheci é muito diferente do continente que ouvi falar no Brasil", conta. "A minha mãe não queria que eu fosse para lá, porque a imagem que a gente tem é que a África é pobre, todo mundo é carente, tem muitas doenças e não é seguro." Mas Paloma encontrou outra realidade. "A Cidade do Cabo tem muita estrutura para receber turistas e estudantes. Tudo é muito organizado. Foi uma quebra de paradigma para mim e para a minha família."

A falta de informação sobre o continente leva muita gente a compreender África como se fosse um único país, de cultura e hábitos homogêneos. " As pessoas desconsideram um continente de 54 nações com diferentes culturas. Ali existem pessoas detentoras de histórias e saberes", explica.

Paloma Macedo na Cidade do Cabo, na África do Sul - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Paloma Macedo na Cidade do Cabo, na África do Sul
Imagem: Arquivo pessoal

Inclusão racial nas empresas

Formada em Estatística pela Universidade Federal da Bahia, Sauanne trabalhou como coordenadora de análise criminal na Secretaria de Segurança Pública de Salvador, onde mapeava os homicídios da região. Mas cansou de contar corpos negros toda a semana.

Ela decidiu agir. Foi para a capital dos Estados Unidos, Washington, trabalhar na Africare, uma ONG de fomento a países da África. Também morou na Índia e na Rússia. Rodou por 31 países. Mas os de que mais gosta, sem dúvida, estão no continente africano.

Por isso criou também a Identity, uma empresa focada no público corporativo, pensando em viagens para África e imersões virtuais com personalidades africanas.

"A inclusão racial é um ponto de discussão nas corporações. Mas, como trabalhar a inclusão racial e atrair negros para as empresas se elas desconhecem a história dos negros?", pontua.

Representando a agência Identity, acompanhou 28 executivas de empresas como Pepsi, Unilever e KPMG para a Cidade do Cabo, na África do Sul. Elas visitaram museus, conheceram artistas africanos e conversaram com empreendedores negros que viveram o apartheid, regime de segregação racial que durou entre 1948 e 1994.

Salete da Hora foi uma das executivas que participou da viagem. Ela é diretora de marca, comunicação e sustentabilidade da CTG Brasil, uma empresa de energia limpa. E a única negra no passeio além de Sauanne.

Ir para a África é um reencontro. A experiência marcou a minha vida

Salete da Hora, diretora na CTG Brasil

"A gente aprende a vida toda que nossos lábios grossos são feios, assim como o nosso cabelo, o nariz e a nossa cor. Mas, quando você chega na África, você não sente isso. Quando você se dá conta da potência que é o continente e entra em contato com a história e a cultura da África, dá muito orgulho", resume a executiva.

Após a viagem, a CTG colocou em prática mudanças na empresa com o início de um programa de diversidade.

Imersão virtual para chegar a mais gente

As experiências que a Identity proporciona não se resumem a viagens. Assim que começou a pandemia do coronavírus, Sauanne apostou nas imersões virtuais. Em setembro, realizou encontros digitais para a Semana de Equidade Racial, da agência de publicidade Wunderman Thompson e com apoio de Ecoa.

"Nós trouxemos potencialidades do continente africano. Participaram personalidades de diferentes regiões da África do Sul, do Congo, do Quênia e Nigéria", explica a empresária.

A minha missão é me multiplicar até deixar de ser exceção. Como eu vou me contentar só porque eu estou ocupando um espaço?

Sauanne Bispo, fundadora da Go Diáspora e Identity