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Quando "peitar" a chefia e inovar vale dinheiro no ato e bônus salarial

Claudio Zini, 70, é diretor-presidente da Pormade Portas - Divulgação/Pormade
Claudio Zini, 70, é diretor-presidente da Pormade Portas Imagem: Divulgação/Pormade

Claudia Varella

Colaboração para Ecoa

09/01/2020 04h00

Seja lá qual for sua experiência profissional, tente imaginar essa rotina corporativa:

- o funcionário desobedece a uma ordem da chefia. Para fazer um trabalho, opta por outro procedimento, que não o orientado, pois o considera mais eficaz;

- Café da manhã com o presidente, o "big boss". O mesmo figura, aquele que preferiu fazer do jeito dele a seguir o processo, fala abertamente sobre os erros da gestão, assim, na cara, olho no olho.

Como isso acaba para o "funcionário do mês"? Assim mesmo, virando o queridinho do patrão. Ele ganha dinheiro no ato e bônus salarial por provar o valor de tudo que fez e falou.

Não, essa empresa não é um "unicórnio", tampouco uma "big tech". Também não fica no Vale do Silício. Longe disso. Estamos em União da Vitória, no Paraná, base dos 650 funcionários da Pormade Portas que, como o nome dá a entender, fabrica portas. E isso desde 1939.

A companhia tem um sistema diferente para incentivar o funcionário a participar da gestão: erro descoberto e apontado + indicação de possíveis soluções e melhorias = mais dinheiro diretamente para o profissional que levantou a questão.

Ideias aceitas rendem dinheiro a funcionários

De segunda a sexta-feira, o diretor-presidente Claudio Zini, 70, toma café às 9h (no escritório) e às 15h (na fábrica) com alguma equipe da Pormade Portas. Nos encontros, o funcionário que falar sobre erros e soluções ou comentar sobre os valores da empresa ganha, na hora, R$ 10 em dinheiro.

Se uma das soluções for aceita e gerar economia para a empresa, o autor da ideia também ganha bonificação, que é paga por semestre. A maior delas foi paga no 1º semestre de 2019: quase R$ 40 mil para 38 inovações e melhorias implementadas a partir de sugestões dos funcionários.

Esse incentivo é conhecido como "projeto dos 5 dias": o funcionário recebe o valor equivalente a cinco dias da economia que sua iniciativa propiciou para a empresa. Entre um insight e outro, o funcionário Cláudio Kvachinieski, da área de suprimentos, já recebeu R$ 3.000 em bonificações.

Olha só o que ele sugeriu:

- compra de matéria-prima alternativa para um processo na produção de portas (ganhou R$ 1.400);

- troca de um modelo do cilindro na fechadura da porta de correr (prêmio de R$ 1.203);

- colocação de um parafuso inoxidável alternativo na linha de montagem de portas, mas com custo mais baixo (mais R$ 400 na conta).

Pormade 2 - Divulgação/Pormade - Divulgação/Pormade
O funcionário Cláudio Kvachinieski já recebeu R$ 3.000 em bonificações
Imagem: Divulgação/Pormade

"Além de tudo, sentimos que fazemos parte da empresa, contribuímos para que ela deixe de gastar sem necessidade e seja, além de mais competitiva no mercado, também mais sustentável", afirma Kvachinieski, na companhia há 22 anos.

Lembra todo o mantra corporativo de "trabalho em equipe"? Então, um grupo de funcionários já dividiu um prêmio de R$ 10 mil por soluções pensadas em conjunto, como a fabricação de um carregador automático para linha de equipamentos.

"Onde antes era feito tudo manualmente e sem nenhuma precisão, conseguimos, com essa máquina, gerar mais agilidade ao processo e minimizar o desgaste físico para o operador. Foi dado um upgrade no setor de moagem de resíduos que dobrou a produção", disse Jean Rodrigo da Cruz, mecânico industrial na companhia.

Conceito demorou cinco anos para dar resultado

A ideia de gestão compartilhada surgiu a partir de uma viagem de Zini ao Japão, em 1980. Ele visitou empresas que implantaram as práticas sugeridas pelos consultores William Edwards Deming e Peter Drucker após a Segunda Guerra Mundial, e que, segundo ele, foram muito bem aceitas pelos orientais.

"Assisti à palestra de um guru japonês que afirmou com toda a convicção: 'erros são tesouros'. Naquele momento, pensei como a frase fazia muito sentido e indaguei para mim que estava rico. Até achei engraçado, mas, na verdade, nós aprendemos com os erros. E aprender com eles é ser inteligente. Agora, aprender com os erros dos outros significa ser sábio", afirma Zini.

O conceito de gestão participativa foi colocado em prática na Pormade assim que Zini voltou do Japão. "Foi como colocar um paralelepípedo no acelerador. Contratei um consultor de RH que me instruiu a colocar no papel os valores da empresa, algo que fosse fácil para todos entenderem e que pudesse ser colocado em prática. Foi então que estruturei nossos dez valores", disse.

A gestão compartilhada demorou cinco anos para ser implantada na empresa. "O principal fator é a confiança. Com mais confiança, temos menos burocracia, que é um veneno nas empresas. Assim, temos mais agilidade e velocidade. Quanto mais confiança há na empresa, mais ela poderá ter um modelo descentralizado", afirma.

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Funcionários da Pormade se sentem donos do negócio com novo formato de gestão
Imagem: Divulgação/Pormade

"Desobedecer para fazer melhor" é o valor preferido

Para Zini, dar liberdade faz com que os funcionários se sintam donos do negócio. "Porém, é importante deixar claro que essa liberdade é com a responsabilidade de dono e de comunidade", afirma.

E ele cita o seu valor preferido: "desobedecer para fazer o melhor", explicando que o funcionário não deve fazer apenas o que foi pedido, mas, sim, o que ele acha que deve ser feito.

"A Pormade funciona com um organismo vivo, descentralizada. O ser humano adora estar no comando de suas ações. E, se deu errado no inovar, sem problemas, pois só não erra quem não faz. Na Pormade, nós incentivamos as pessoas a errar no ato de inovar. Se não estamos fracassando é porque não estamos tentando o suficiente", afirma. Cartazes com os valores da empresa estão espalhados pela fábrica e escritórios.

Empresa deve sempre dar retorno aos funcionários

Para Sandro Magaldi, especialista em gestão de negócios, um modelo como o da Pormade incentiva a diversidade de pensamento dos funcionários, e não apenas da alta gestão. "Essa liberdade criativa de questionar o modelo estabelecido gera originalidade de ideias e possibilidades ainda não mapeadas", disse.

Segundo ele, o convencional modelo de liderança do "comando e controle", cuja maior expressão está caracterizada no ditado "manda quem pode, obedece quem tem juízo", é diametralmente o oposto ao sistema da Pormade.

Magaldi disse, no entanto, que ao empoderar e dar voz aos funcionários, a empresa precisa estar preparada para responder às demandas. "Se esse ciclo não for legítimo e a organização não der continuidade ao processo, relacionando-se de forma participativa e inclusiva com seus funcionários, o efeito poderá ser o contrário do desejado: a tendência é que, com o tempo, ninguém colabore, pois perceberá que não vale a pena", afirma.