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Patricia Lobaccaro

Inclusão seletiva

09/08/2020 12h48

A inclusão da pessoa com deficiência é a causa mais subfinanciada dos direitos humanos. Nos últimos anos observamos que os investimentos filantrópicos permitiram grandes avanços nas questões de gênero, raça e LGBTQI+, entretanto as fundações, empresas e sociedade não estão investindo como deveriam na inclusão das pessoas com deficiência.

De acordo com as estatísticas da Human Rights Funders Network (HRFN), grupo que reúne os maiores financiadores dos Direitos Humanos no mundo, como as Fundações Ford, Bill & Melinda Gates, Kellogg e Open Society, projetos com foco em pessoas convivendo com deficiência (PCD) receberam somente 2% dos fundos em 2017, embora as PCDs representam 15% da população mundial. Na agenda dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS), não há destaque para diversidade e inclusão em sua totalidade. O ODS 5, por exemplo, que tem foco na inclusão de mulheres, ajudou a impulsionar as questões de gênero na filantropia mundial, e consequentemente o público de mulheres e meninas foi o que mais recebeu financiamento, com 21% dos mais de 3 bilhões de dólares doados por fundações em 2017. Em segundo lugar, o público de crianças e adolescentes, que recebeu 17% dos fundos, seguido por migrantes e refugiados com 12% dos recursos e povos indígenas com 5%.

Doações de fundações para área dos Direitos Humanos, por público alvo. Fonte: Human Rights Funders Network (HRFN).

Se as fundações financiadoras não têm dado muita atenção à inclusão de pessoas com deficiência - 2% do funding para um público que representa 15% da população mundial - o foco corporativo na causa não tem sido muito diferente. Na agenda de diversidade e inclusão nas empresas, as questões de gênero dominaram a pauta nos últimos 5 anos, com esforços e compromissos públicos de inclusão de mulheres em cargos de lideranças, conselhos e outras iniciativas. As questões raciais vêm ganhando impulso, principalmente após o episódio da morte do George Floyd, e empresas estão mais abertas a dialogar e financiar organizações da sociedade civil que promovem equidade racial. Ainda bem, já era tempo. Mas a pauta da inclusão das pessoas com deficiência segue não sendo prioridade para a maioria. Na mídia acontece o mesmo fenômeno.

No Brasil, embora a legislação tenha avançado, na prática as pessoas com deficiência enfrentam exclusão e discriminação em suas comunidades, na educação, no acesso a emprego e saúde.

Para Leonardo Gontijo, fundador do Instituto Mano Down, pessoas com deficiência intelectual vivem uma vida de isolamento com poucas oportunidades e essa realidade ficou mais visível com a pandemia. A captação de recursos da ONG também foi muito afetada com o distanciamento social, pois a ONG realiza muitos eventos, palestras e seminários. Por outro lado, Leonardo percebe mais abertura de diálogo com empresas nesse momento, especialmente as ONGs que têm boa governança e prestação de contas, e a Mano Down vem conseguindo renovar patrocínios e desenvolver novas parcerias.

Durante a pandemia, algumas organizações da sociedade civil que atendem pessoas com deficiência observaram um aumento de doações. Porém, grande parte dos recursos foi utilizado para compra de cestas básicas ou itens específicos, como cadeiras de rodas, e não para apoio estrutural para essas organizações. Segundo Vânia Ribeiro, responsável pela área de comunicação e captação de recursos da One by One, ONG carioca que promove a mobilidade e inclusão de crianças de baixa renda com necessidades especiais, ainda há muita dificuldade na captação de recursos para custear salário das professoras ou estrutura administrativa. Os desafios das PCDs ainda são muitos. Segundo Vânia, além da inclusão no mercado de trabalho e da falta de infraestrutura nas cidades, o que dificulta o deslocamento: "a falta de acesso à internet, aparelhos celulares ou tablets que permitam que as crianças possam participar de aulas e atividades, tem sido um grande desafio."

O Instituto Rodrigo Mendes, criado há 25 anos, tem a missão de colaborar para que toda pessoa com deficiência tenha uma educação de qualidade na escola comum. Segundo Rodrigo Mendes, fundador do Instituto, a exclusão é mais cara do que inclusão, podendo custar até 5% do PIB de um país. Rodrigo acredita também que o ensino inclusivo facilita aprendizagem dos alunos sem deficiência também, promovendo tolerância, cooperação, mediação de conflitos e empatia. O Instituto se dedica a formar professores da rede pública, produzir e disseminar conhecimento, além de fazer advocacy para que crianças com deficiência tenham acesso à educação de qualidade.

Organizações como essas que atendem pessoas com deficiência precisam de muito apoio e esse suporte tem sido mais tímido do que deveria. Gostaria de ver essa agenda avançando tal como as outras agendas de diversidade e inclusão, ganhando destaque e importância frente ao investimento social privado no Brasil.