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Fim da fábrica de Ford Ka e EcoSport na Índia frustra plano de 'nova China'

Descontinuados no Brasil em 2021, Ford Ka e EcoSport ainda são feitos na Índia inclusive para exportação, mas lá também sairão de linha, em 2022 - Divulgação
Descontinuados no Brasil em 2021, Ford Ka e EcoSport ainda são feitos na Índia inclusive para exportação, mas lá também sairão de linha, em 2022
Imagem: Divulgação

Aditi Shah

Em Nova Déli (Índia)

18/09/2021 04h00Atualizada em 18/09/2021 12h10

Quando a Ford construiu sua primeira fábrica na Índia, em meados da década de 1990, as montadoras americanas acreditavam que estavam investindo em um mercado altamente promissor - como se fosse "a próxima China".

A economia indiana foi liberalizada em 1991 e, na época, o governo estava recebendo investidores e esperava-se que a classe média alimentasse um frenesi de consumo. O aumento da renda disponível ajudaria as montadoras estrangeiras a atingir uma participação de até 10% no mercado local, diziam os analistas.

Isso nunca aconteceu.

Na semana passada, a Ford anunciou um prejuízo de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 10,5 bilhões) nos últimos dez anos. Por conta disso, encerrará as operações em sua fábrica em Sanand no quarto trimestre de 2021 e sua fabricação de veículos e motores em Chennai, no sul do país, em 2022.

Atualmente, a montadora produz Ka e EcoSport, dentre outros modelos. Antes da oval azul, as compatriotas General Motors e Harley-Davidson também fecharam as respecticvas fábricas no país asiático.

Dentre os estrangeiros que permaneceram, a japonesa Nissan e até mesmo a alemã Volkswagen - a maior montadora do mundo em vendas - têm menos de 1% cada do mercado indiano de automóveis.

Fábrica da Ford na Índia - Babu/Reuters - Babu/Reuters
As duas fábricas da Ford na Índia foram inauguradas na década de 1990 e hoje operam no prejuízo
Imagem: Babu/Reuters

As vendas estagnaram em cerca de 3 milhões de carros. A taxa de crescimento desacelerou para 3,6% na última década, contra 12% na década anterior.

O recuo da Ford marca o fim de um sonho indiano para as montadoras americanas. Ele também segue o fechamento das fábricas da Ford no Brasil, anunciado em janeiro. Agora, o investimento decisivo é em veículos elétricos, centralizado nos Estados Unidos e Europa.

Analistas e executivos disseram que os estrangeiros avaliaram mal o potencial da Índia e subestimaram as complexidades de operar em um país vasto que recompensa compras domésticas.

Muitos não conseguiram se adaptar à preferência por carros pequenos, baratos e com baixo consumo de combustível, que podem bater em estradas irregulares sem a necessidade de reparos. Na Índia, 95% dos carros têm preços abaixo de US$ 20 mil (R$ 105 mil).

Impostos mais baixos sobre carros pequenos também tornaram mais difícil para os fabricantes de carros maiores de mercados ocidentais competirem com especialistas em carros pequenos, como a japonesa Suzuki - acionista controladora da Maruti Suzuki, maior montadora em vendas na Índia.

Das montadoras estrangeiras que investiram sozinhas na Índia nos últimos 25 anos, analistas disseram que apenas a Hyundai se destaca como um sucesso, principalmente devido ao seu amplo portfólio de carros pequenos e uma compreensão do que os compradores indianos desejam.

"As empresas investiram na falácia de que a Índia teria um grande potencial e o poder de compra dos compradores aumentaria, mas o governo não conseguiu criar esse tipo de ambiente e infraestrutura", disse Ravi Bhatia, presidente da Jato Dynamics, fornecedora de dados de mercado para a indústria automobilística.

Passo em falso

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Alguns dos erros da Ford podem ser atribuídos a quando ela foi para a Índia em meados da década de 1990 ao lado da Hyundai. Enquanto a marca sul-coreana entrou com o pequeno e acessível Santro, a Ford ofereceu o médio Escort, lançado pela primeira vez na Europa na década de 1960.

O preço do Escort chocou os indianos, acostumados com os preços mais acessíveis da Maruti Suzuki, disse o ex-executivo da Ford Índia Vinay Piparsania.

A estreita gama de produtos da Ford também tornou difícil capitalizar sobre o apelo conquistado por seus SUVs mais vendidos EcoSport e Endeavor, disse o analista Ammar Master da LMC.

A montadora disse que considerou trazer mais modelos para a Índia, mas concluiu que não poderia fazer isso de forma lucrativa.

"O problema de muitas marcas globais sempre foi atingir o preço da Índia, porque eles trouxeram produtos que foram desenvolvidos para mercados maduros em uma estrutura de alto custo", disse Master.

Uma peculiaridade do mercado indiano surgiu em meados de 2000 , com uma taxa de imposto mais baixa para carros com menos de 4 metros de comprimento. Isso fez a Ford e seus rivais construírem modelos específicos para a Índia, mas suas vendas acabaram decepcionando.

"Os fabricantes dos EUA com DNA de modelos grandes tiveram dificuldade para criar um veículo pequeno bom e lucrativo. Ninguém acertou o produto e as perdas se acumularam", disse Bhatia, da Jato.

Ascensão e queda

A Ford tinha capacidade excedente em sua primeira fábrica na Índia quando investiu US$ 1 bilhão (R$ 5,3 bilhões) em uma segunda tentativa, em 2015. Ela planejava fazer da Índia uma base de exportação e aumentar sua participação em um mercado projetado para atingir 7 milhões de carros por ano em 2020 e 9 milhões em 2025.

Mas as vendas nunca seguiram e o crescimento geral do mercado estagnou. A Ford agora utiliza apenas cerca de 20% de sua capacidade anual combinada, com 440 mil carros.

Para usar sua capacidade excedente, a Ford planejou construir carros compactos na Índia para mercados emergentes, mas engavetou os planos em 2016 em meio a uma mudança de preferência do consumidor global por SUVs.

Ela mudou sua estrutura de custos em 2018 e, no ano seguinte, começou a trabalhar em uma joint venture com a empresa local Mahindra, projetada para reduzir custos. Três anos depois, em dezembro, os sócios abandonaram a ideia.

Depois de perder US$ 2,5 bilhões (R$ 13 bilhões) na Índia desde sua entrada e queimar outros US$ 2 bilhões (R$ 10,5 bilhões) apenas na última década, a Ford decidiu não investir mais.

"Para continuar investindo... precisamos mostrar um caminho para um retorno razoável sobre o investimento", disse o chefe da Ford Índia, Anurag Mehrotra, a repórteres na semana passada.

"Infelizmente, não podemos fazer isso."

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