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ANÁLISE

País das carroças? Por que Brasil voltou a ser a terra do carro velho

Do UOL, em São Paulo

30/11/2022 04h00

O Brasil é o país da sexta maior indústria automotiva do mundo. No fechamento de 2021, 2,24 milhões de carros foram produzidos. Ainda assim, a média de idade dos veículos em circulação é a mais elevada desde 1995, com dez anos e meio de uso, segundo levantamento realizado pelo Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores).

Vale lembrar que a reabertura das importações, durante o mandato do ex-presidente Fernando Collor, ocorreu apenas cinco anos antes da data de referência do estudo em questão. Naquela época, o país ainda vivia os reflexos dos tempos das "carroças" nas ruas, como dizia o chefe do executivo lá na virada da década de 80 para 90. Será que estamos mesmo de volta àquela realidade, ou quase lá?

Se a compra do carro novo nunca foi um sonho acessível para a maioria, hoje em dia a situação está ainda mais difícil. O Renault Kwid, zero km mais barato do Brasil, sai por R$ 66.590. O mesmo modelo com três anos de uso, ainda que nas versões mais simples, passa dos R$ 40 mil no mercado de usados - sendo que custava R$ 33.290 quando novo em 2019.

Carros antigos à venda - Divulgação - Divulgação
Carros antigos à venda
Imagem: Divulgação

Como se não bastasse, nestes três anos o brasileiro perdeu 21% do seu poder de compra, segundo dados do IPC. Isso quer dizer que o que se comprava com R$ 1.000 na época, hoje é preciso desembolsar R$ 1.210 (ignorando outras variáveis que deixam o cenário ainda mais desafiador para a população, como o dólar, o desemprego, entre outros aspectos). No fim do mês, a diferença no orçamento das famílias é grande.

O aumento sucessivo nos preços também traz de volta um fenômeno típico do mercado automotivo das décadas de 80 e 90. Há 30 anos, comprava-se um carro zero km para ganhar com a sua valorização de mercado. O dono desse Renault Kwid 2019 que usamos de exemplo, bem como de vários outros carros comprados zero km alguns anos atrás, está revivendo aqueles tempos.

Entrevistamos Cassio Pagliarini, sócio da Bright Consulting, que explica que "os carros mais baratos subiram muito de preço para que pudessem incorporar todas as necessidades de segurança, eficiência energética e emissões. Com as melhorias, adicionam-se custos. A obrigatoriedade do ABS e do airbag, da adequação às normas do Proconve L7 e o Rota 2030 estão entre as principais".

Esse fenômeno ajuda muito a explicar a realidade, mas ela é ainda mais complexa do que isso. O Brasil oferece uma série de vantagens competitivas para a indústria automotiva, mas o "cobertor" é sempre "curto".

Douglas Pina, Head de Mercado Urbano da Edenred Brasil, nos dá um exemplo quanto ao etanol, dentro do assunto das matrizes energéticas. Ele diz que, ao mesmo tempo em que ele pode ser uma boa alternativa à flutuação dos preços da gasolina, há uma forte correlação entre os combustíveis, devido à regulação natural decorrente da lei da oferta e da procura.

Como se não bastasse, o etanol acaba virando uma forte zona de conforto para as fabricantes. Afinal de contas, para que investir tanto dinheiro nas novas tecnologias (como a eletrificação) se as margens já são curtas (especialmente para os carros "populares") e não há qualquer incentivo por parte do poder público para isso?

O cenário fiscal é sempre outro grande fator de complicação. Segundo a Anfavea, a associação dos fabricantes de automóveis, o aumento da taxa de juros reduziu o volume de vendas, uma vez que o público que depende de financiamento tem enfrentado maiores barreiras bancárias. A viabilidade das emissões de crédito está menor do que em anos anteriores, tal qual a dificuldade de receber uma concessão dos bancos.

Quem sempre está melhor blindado contra isso é a parcela da população com maior poder aquisitivo. Tanto isso é verdade que, ao contrário do Brasil de 30 anos atrás, os carros que se figuram entre os mais vendidos não são mais os que compõem o segmento de entrada, mas sim os SUVs e a líder de mercado Fiat Strada, uma picape. A maior parte da gama desses modelos está acima dos R$ 100 mil.

Diante de todos os contextos, o Brasil está mesmo dando "marcha ré" no que diz respeito à renovação de sua frota. E as perspectivas, ao menos no curto prazo, não são de mudança desse panorama.

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