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Fabricar carro elétrico é muito diferente de um "normal"? Veja o que muda

Linha de montagem do Chevrolet Bolt em Orion (EUA) - Divulgação
Linha de montagem do Chevrolet Bolt em Orion (EUA)
Imagem: Divulgação

Leonardo Felix

Do UOL, em Orion (EUA)

15/06/2018 04h00

UOL Carros visitou linha de montagem do Chevrolet Bolt e conversou com especialista para responder à pergunta

Muito se fala sobre as dificuldades de fabricar um carro elétrico. Mas, afinal, a diferença é tão grande assim para um veículo convencional a combustão? Para responder essa pergunta UOL Carros visitou a fábrica do Chevrolet Bolt em Orion (EUA), na região metropolitana de Detroit, e conferiu de perto como se dá o processo.

O primeiro detalhe que chamou nossa atenção foi o fato de que o monovolume 100% elétrico compartilha a mesma linha de montagem com os compactos Sonic hatch e sedã. Seria de se esperar que o modelo tivesse um espaço totalmente dedicado à sua produção, como ocorre com o BMW i3 em Leipzig (Alemanha), mas não é o que acontece com o Bolt.

Em relação ao Sonic há apenas dois momentos de distinção na montagem. O primeiro ocorre na montagem do tanque de combustível, que no caso do elétrico representa o acoplamento do conjunto de baterias ao assoalho do carro. O segundo está na seção que integra a carroceria ao conjunto motor-transmissão-suspensões, já que o Bolt dispõe de um propulsor elétrico.

Há também, obviamente, o fato de que é preciso produzir baterias para equipar um, enquanto o outro vê seu sistema de propulsão surgir numa fábrica de motores comum. De resto, os processos de estamparia, solda, pintura e montagem são idênticos.

Isso passa longe de significar que a produção de um elétrico esteja 100% assimilada pela indústria automotiva. Para entender melhor onde estão os atuais gargalos conversamos com Ricardo Takahira, membro da comissão de híbridos e elétricos da SAE Brasil (associação nacional de engenharia automotiva).

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Mais complexo com menos peças

Um trem-de-força de um veículo convencional, formado por propulsor, caixa de câmbio e demais elementos do sistema de transmissão, reúne mais de 5 mil peças. Todas elas são substituídas por não mais do que algumas dezenas delas num modelo elétrico.

Aí temos o paradoxo: mesmo sendo mais simples em termos de número de componentes, o carro elétrico é tecnologicamente muito mais complexo e custa praticamente o dobro de um veículo convencional.

Veja os exemplos de Bolt e Sonic: enquanto o primeiro custa entre US$ 15 mil e US$ 20 mil nos EUA, sem contar impostos estaduais, o segundo parte de US$ 36 mil e alcança salgados US$ 43 mil.

Tanto a brincadeira é cara que a venda desse tipo de automóvel se torna inviável se não houver subsídios governamentais, mesmo em países com mercados mais maduros.

Por que isso acontece? Elencamos três razões abaixo:

1. Custo da unidade motriz

As atuais baterias de íon-lítio ainda são muito mais caras de se desenvolver e produzir do que um conjunto de propulsão a combustão. Assim, enquanto o trem-de-força de um carro movido a combustão não representa nem 30% do custo total de produção, num elétrico o percentual não será menor do que 40%, podendo chegar a 50%.

"Ainda não houve o amadurecimento do domínio tecnológico", aponta Takahira. O mais curioso, segundo ele, é que os custos não vêm apresentando queda nos últimos anos. "Os engenheiros estão fazendo um trabalho excepcional para aumentar a autonomia e reduzir os tempos de recarga, só que a chegada dessas novas soluções não permite que os preços caiam", afirma.

Plataforma do Chevrolet Bolt - Divulgação - Divulgação
Plataforma do Chevrolet Bolt: elétrico demanda milhares de peças a menos do que um carro comum, mas ainda assim custa muito mais caro para produzir
Imagem: Divulgação

2. Complexidade das demais tecnologias

Se a fonte energética é uma bateria cheia de eletricidade, todas as conexões com o restante do automóvel também têm de funcionar eletricamente. Portanto, a proliferação de módulos, centrais eletrônicas e chicotes elétricos representam um gasto extra na construção de um veículo desse tipo.

Além disso, o projeto acaba modificando outros componentes que, num veículo a combustão, funcionariam de maneira mais simples pelo uso de sistemas puramente mecânicos.

"Acelerador, freios, tudo é operado eletronicamente num carro elétrico. Os freios, por exemplo, utilizam uma bomba elétrica de vácuo no lugar do servofreio e incluem regeneração da energia cinética dissipada nas frenagens. É um sistema bem mais complexo, e caro, que o de um automóvel comum", explica o especialista da SAE Brasil.

É por isso que, durante a fabricação, a bateria precisa estar 100% carregada, pois é preciso ter energia de sobra para configurar determinados módulos. "Num carro 'normal', com meio litro de combustível você ajusta tudo que precisa para completar a montagem", compara.

Detalhe: por conta dessa bateria carregada, até a formação humana precisa ser incrementada na fábrica de carro elétrico e montagem de seus componentes. Há normas internacionais determinando a obrigatoriedade de treinamento para que um funcionário possa mexer com componentes acima de 48 Volts. 

"O perigo de um curto-circuito é grande, podendo provocar incêndio e queimaduras severas. O operador precisa saber o que está fazendo e como agir em caso de emergência", comenta Takahira.

3. Logística reversa

Diferentemente de um veículo a combustão, praticamente não existe manutenção em um elétrico. Parece uma ótima notícia, mas a verdade é que, tal qual um celular, a bateria possui um ciclo de vida limitado e tende a ter sua autonomia gradativamente reduzida ao longo dos anos.

Quando ela precisar ser substituída, será necessária a troca e o descarte de todo o conjunto, o que também acarreta custos elevados. UOL Carros já contou qual é o custo, por exemplo, no cado do BMW i3, praticamente o valor do modelo novo.

"No preço de um carro elétrico já está embutida a logística reversa da bateria, que terá de ser enviada provavelmente a um país como Estados Unidos ou Japão quando descartada. Não é um processo simples", esclarece o membro da SAE.

Calma que há pelo menos uma boa notícia: motor elétrico e módulos eletrônicos, se bem projetados e utilizados, podem durar toda a vida útil do automóvel sem demandar reparos. Muito pouco para uma realidade em que o carro elétrico ainda se mostra tão mais caro e complexo, mas já é algum alento.