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Drift no gelo vira pacote turístico para endinheirados aspirantes a piloto

Audi Ice Experience é treinamento no qual motoristas comuns aprendem técnicas de pilotagem, incluindo rali - Rafaela Borges/UOL
Audi Ice Experience é treinamento no qual motoristas comuns aprendem técnicas de pilotagem, incluindo rali Imagem: Rafaela Borges/UOL

Colunista do UOL

20/02/2023 04h00

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Dizem que os pilotos finlandeses são bons de rally porque aprendem, desde cedo, a dirigir no gelo.

Isso os ajuda a ter uma noção de controle do carro que só que tem o hábito de guiar nessa condição tão adversa é capaz de adquirir.

E a habilidade vai além do rali. Ficou em evidência, muitas vezes, na Fórmula 1, com nomes como o bicampeão Mika Hakkinen e o campeão Kimi Raikkonen, ambos da Finlândia.

Não é à toa que o país é um dos destinos escolhidos pela Audi para ministrar seu curso de direção no gelo, batizado de Audi Ice Experience.

Este ano, há também um programa na Áustria, na Europa, do qual participei. É sobre essa experiência que falaremos aqui.

Programas de direção no gelo são oferecidos por diversas montadoras a clientes e, em alguns casos, a não clientes.

Geralmente, são ministrados no inverno da Europa, mais especificamente entre os meses de janeiro e março, a temporada de neve no continente.

Como participar do Audi Ice Experience

Audi Ice Experience seefeld - Rafaela Borges/UOL - Rafaela Borges/UOL
Treinamento é em Seefeld, nos alpes austríacos
Imagem: Rafaela Borges/UOL

Além da Audi, marcas como BMW e Porsche oferecem experiências de direção no gelo. No caso da primeira montadora, o programa é sempre com carros de sua frota, todos com tração quattro - nas quatro rodas.

Porém, de acordo com o piloto de testes Cesar Urnhani, que participou comigo do Audi Ice Experience, carros de tração traseira também são capazes de participar desse tipo de programa. "O que não dá é para fazer com um modelo de tração dianteira."

Qualquer pessoa pode participar do Audi Ice Experience. Não precisa ser cliente da marca. Os valores do programa da Áustria vão de 600 a 1.350 euros (R$ 3.350 a R$ 7.540) e incluem hospedagem. As reservas devem ser feitas com a operação austríaca da montadora.

Os preços variam de acordo com a duração do programa e do tipo de hospedagem, bem como dos modelos escolhidos. O meu foi de dois dias, com os Audi RS5 Sportback e RS e-tron GT, ambos à venda no Brasil. A hospedagem foi no Krumers Alpin Resort (confira serviço completo abaixo).

Como é o Audi Ice Experience

Audi Ice Experience RS e-tron roda traseira - Audi/Divulgação - Audi/Divulgação
Imagem: Audi/Divulgação

Quem participa de programas de "track experience" (experiências em pista) coordenados por empresas sabe da regra: sistemas de estabilidade sempre ligados.

No Audi Ice Experience, a regra é oposta: a ordem é desligar a tecnologia e perder a traseira, para depois recuperá-la. Literalmente! É fazendo isso que o piloto aprenderá a ter controle sobre o automóvel.

O curso é composto basicamente por slaloms e círculos, com níveis de dificuldade variados. Os dois primeiros exercícios, para falar a verdade, são bem chatos. Mas não desanime. A coisa fica insana logo depois.

Quando vou a track experiences, o slalom é sempre o exercício que me deixa mais impaciente. Não gosto. Acho "boring" (entediante). Não foi diferente na primeira atividade do Audi Ice Experience. Nele, o controle de estabilidade deveria ser mantido ligado, e a velocidade é bem baixa.

Logo depois veio um exercício de frenagem, também burocrático. Quando eu começava a ficar entediada, o jogo virou. O Audi Ice Experience não deixa o tédio tomar conta. Do terceiro exercício em diante, a ordem era controle de estabilidade desligado e modo Dynamic (o esportivo da Audi) acionado.

E, então, a adrenalina tomou conta em um dia e meio (descontando os dois primeiros exercícios de introdução) de derrapadas e drifts. A regra é fazer, em um ambiente controlado e com largura suficiente para evitar acidentes, tudo aquilo que você sempre quis fazer com um carro, mas nunca pode.

Os exercícios: perder e retomar o controle

Audi Ice Experience círculo RS5 - Rafaela Borges/UOL - Rafaela Borges/UOL
RS5 se prepara para um dos exercícios mais desafiadores, o círculo completo
Imagem: Rafaela Borges/UOL

O Audi Ice Experience é composto por uma série de slaloms e círculos, cujo grau de dificuldade vai aumentando. O objetivo é dar aquela "traseirada" e colocar o carro novamente na trajetória. Quem conseguir fazer isso terá controle.

Mas como obter esse controle? Os freios são coadjuvantes. No gelo, você faz a frenagem, mas o carro não para da mesma maneira que faz no asfalto. Não há aderência. Então, as rodas param de rodar, mas o veículo continua deslizando.

A função do ABS não é nula. Ele faz a diferença, mas de uma maneira bem menos impactante que no asfalto. Os freios, aqui, entram em ação apenas quando o controle já foi perdido completamente, e não há mais possibilidade de retomá-lo.

No gelo, o que importa mesmo é dosar pedal e direção para controlar o carro. Eu consegui? Em algumas oportunidades, sim. Em outras, não.

Sempre fui bem nos exercícios de círculo em pista, geralmente com carros de tração traseira. É acionar o acelerador, fazer a traseira escapar, e depois usar o pedal e o volante para controlar a máquina.

No gelo, fui bem no meio círculo. Já o círculo completo é um desafio e tanto. O 4x4 determina um comportamento diferente do carro (ante o de tração traseira), mais estável e com maior controle. Sem o sistema quattro, fica difícil até mover um automóvel em linha reta - aliás, é complicado caminhar no gelo (eu escorreguei inúmeras vezes).

É por isso que são os produtos com tração nas quatro rodas os preferidos para experiências no gelo. Mas a falta de aderência é o determinante, e exige que o piloto seja muito mais preciso que no asfalto na relação entre direção e pedal.

Passar da primeira metade do círculo com a traseira ainda virada para fora é muito difícil, mas possível. São cerca de 45 minutos a cada exercício - em um grupo de oito pessoas -, e há repetição suficiente para se acostumar com os movimentos necessários.

Nessa fase do treinamento o slalom ganha um novo tempero. Em vez de dois cones, são cinco. A curva fica mais ampla. Com controle de estabilidade desligado, e em velocidade mais alta, o carro (principalmente o RS5) passa a escapar de traseira. O desafio: fazer ele retomar a trajetória sem derrubar os cones.

Eu consegui? Depois de círculos e mais círculos, nem todos bem sucedidos, este ficou até fácil.

O final do treinamento

A parte da tarde do segundo dia é a hora de colocar todo o treinamento em prática em duas pistas montadas pela equipe do Audi Ice Experience.

A primeira é uma sequência de slaloms abertos e meio círculos. Parece fácil, e eu achei que estava cumprindo à perfeição.

Mas, segundo o instrutor de meu grupo de oito pessoas, o holandês Nick, esse é o exercício mais desafiador. Quem conseguir fazê-lo perfeitamente pode até pensar em se tornar instrutor do Ice Experience.

No meu caso, eu não estava fazendo a parte final do círculo corretamente. Eu começava bem, mas o carro não continuava com a dianteira virada para os cones até o fim do movimento.

Aí, ficava mais fácil para mim entrar na seção seguinte, composta por slaloms abertos. O movimento, porém, não havia sido perfeito. Outros integrantes do grupo faziam bem a parte do círculo, mas o drift, ao final, acaba se transformando em um zerinho não intencional e não controlado - algo que aconteceu comigo também. Nick tinha razão: fazer esse circuito não é para qualquer um.

O final foi um exercício livre, composto por três voltas em um circuito de slaloms abertos e curvas circulares, como aquelas dos circuitos ovais da Fórmula Indy. É nessa parte que o participante, sem instruções - pelo rádio,

Nick apenas nos corrige, mas, pela primeira vez, não diz o que devemos fazer -, percebe tudo o que aprendeu.

Nesse circuito, esquecemos de vez o freio, e enxergamos a importância da dose entre volante e acelerador no controle do carro. Ah, não se engane: em uma pista asfaltada o ponto de frenagem é fundamental. Você vai precisar dele.

Mas o gelo nos faz ter uma nova percepção sobre o ponto de aceleração, o ponto de virada do volante e, principalmente, a sintonia entre eles. Na perda de aderência, é dessa conexão que vem a retomada do controle.

RS5 Sportback x RS e-tron GT

Audi Ice Experience RS5 traseira - Audi/Divulgação - Audi/Divulgação
Imagem: Audi/Divulgação

Tanto quanto a dose entre pedal do acelerador e volante, o gelo deixa claro a diferença entre comportamentos de carros diferentes. Nem na estrada, nem na pista, somos a todo momento capazes de sentir isso com tanta clareza. Até porque, como eu disse no início do texto, quase sempre estamos com o controle de estabilidade acionado.

O carro elétrico RS e-tron GT chega a 646 cv com overboost e absurdos 85 mkgf de torque disponíveis a partir do momento em que se aciona o pedal do acelerador. É uma patada instantânea - os carros a combustão precisam chegar a determinada rotação para atingirem força máxima.

O RS5 Sportback finge ser mais manso. Seu V6 tem 450 cv e 61,2 mkgf a 1.900 rpm. Mas, na essência, e em condições extremas, é ele o indomável. O RS e-tron GT passa a impressão de ser mais fácil de controlar no gelo. E é.

Mas é mais difícil de lidar na condição que nos foi proposta: fazer drift. Ele se recusa a perder a traseira. É um carro racional, que precisa ser muito provocado para sair do controle, mesmo no gelo. Modelo de quatro portas com carroceria de cupê, tem centro de gravidade ainda mais baixo por causa da bateria sob o assoalho.

Essa disposição da bateria também privilegia uma boa distribuição de peso. E, como explica Nick, independentemente do tipo de tração, as rodas que vão rodar primeiro no início da aceleração são sempre as dianteiras.

Por isso, o colossal torque instantâneo dos dois motores elétricos (um na frente e outro atrás) é despejado com tudo nas rodas dianteiras, antes de atingir as traseiras. O resultado? O carro sai de frente. Como fazer um automóvel assim sair de traseira?

Mas ele sai. Temos de insistir bastante, mas ele sai. Só que, antes de percebemos isso, temos a impressão de que estamos mandando muito bem com o RS e-tron GT, por conseguirmos mantê-lo na trajetória. Mas não é o piloto que consegue. É o carro que se recusa a perdê-la.

E, no Audi Ice Experience, a experiência é sobre perder, e depois retomar. Coisa que o RS5 faz com maestria. A tração quattro está ali mas, sem aderência e sem controle de estabilidade, o carro, um ícone do equilíbrio em pistas e em vias asfaltadas, se rebela sem resistência. E é essa a magia do modelo a combustão.

No gelo, o RS5 Sportback perde a traseira com facilidade. É quase um BMW M3, de tração no eixo de trás. Ele se mostra pronto para o desafio, e instiga o motorista ao desejo de controlá-lo (algo que a tração quattro ajuda a fazer). Fora o som do motor, que emociona. O sedã com jeitão de cupê promove uma perfeita conexão entre humano e máquina.

Sobre as características do RS5, Cesar Urnhani acrescenta que o motor dianteiro deixa a traseira ainda mais fácil de escapar, pois esse peso concentrado na frente faz com que a parte de trás fique solta para deslizar no gelo. Ao final do programa, percebe-se que são duas máquinas com diretrizes opostas: uma joga com a razão e outra, com a emoção.

Serviço

Audi Ice Experience Krumers - Rafaela Borges/UOL - Rafaela Borges/UOL
Krumers Alpin Resort
Imagem: Rafaela Borges/UOL

O preço cobrado pela Audi inclui apenas hospedagem e alimentação em restaurante na estação em que é realizada o curso - uma pista que parece um lago congelado, mas é criada pela própria montadora, com manutenção durante o ano todo. Bilhetes aéreos e transfers são à parte.

O aeroporto mais próximo é o de Innsbruck, na Áustria, a apenas 27 km de Seefeld. Há voos a partir de São Paulo (com conexão) a partir de R$ 11 mil (classe econômica), em março, último mês de atividades do Audi Ice Experience na primeira metade de 2023.

Outra opção é voar de São Paulo a Munique, com uma conexão, e a partir de R$ 6 mil. A cidade alemã fica a 150 km de Seefeld (entre uma hora e meia e duas horas). Do Rio de Janeiro a Munique, o voo é direto e parte de R$ 6.800. O transfer é por conta do participante em todos os casos.

Na classe executiva, o voo mais barato (R$ 10,1 mil) é de São Paulo a Munique. Para Innsbruck, os valores partem de R$ 12 mil (Rio de Janeiro) e R$ 17 mil (São Paulo). As companhias aéreas com esses valores são Latam e Lufthansa.

Seefeld é uma estação de esqui na região de Tirol, nos alpes austríacos. O hotel mais recomendado pela Audi é o Krumers Apin Resort, que fica ao lado do teleférico (para quem quiser estender o programa para uma temporada de esqui) e a cinco minutos do local das atividades do Ice Experience.

É um quatro-estrelas com acomodações confortáveis, mas sem luxo. Os destaques do hotel não estão no quarto, e sim na parte externa, com piscina e restaurante com vistas para as montanhas. A decoração encanta pela combinação de clássico e contemporâneo, com destaques para os ambientes do bar e da biblioteca. O spa tem programas de fisioterapia, algo importante para a prática de esqui na neve.

As diárias estão incluídas. Mas, para quem quer estender a estadia, fica aí o serviço.

Elas partem de 256 euros (R$ 1.430) em março. Mais luxuoso, o Klosterbräu começa em 524 euros (R$ 2.930), mas está 400 metros mais distante do teleférico.

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