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Paula Gama

REPORTAGEM

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Serviço ruim e motoristas em risco: CPI põe transporte por app em xeque

Paul Hanaoka/Unsplash
Imagem: Paul Hanaoka/Unsplash

Colunista do UOL

14/12/2022 04h00

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Se depender da Câmara dos Vereadores de São Paulo, os serviços de transporte e entregas por aplicativo da forma como funcionam hoje estão com os dias contados. Após 14 meses de investigações, a CPI dos Aplicativos denunciou uma série de irregularidades e propôs medidas para regulamentar a atuação das empresas e dar mais segurança a passageiros, motoristas e entregadores.

O relatório final na CPI, aprovado em plenário nesta segunda-feira (12), além de servir como base para uma futura regulamentação da atuação das empresas em São Paulo, foi encaminhado para o Ministério Público Estadual e Federal do Trabalho, Ministério do Trabalho e Previdência, Congresso Nacional e órgãos de defesa do consumidor. A ideia é que as informações ajudem a equilibrar o serviço, traga contrapartidas à cidade e ofereça mais segurança ao usuário e ao trabalhador, seja motorista ou motofretista.

Do que o relatório acusa os aplicativos?

No documento de mais de mil páginas, são feitas diversas acusações a aplicativos como Uber, 99, ifood e Rappi, entre elas, "irregularidades relativas à segurança, às questões trabalhistas, ao excesso de carga horária que coloca em risco os profissionais e clientes que se utilizam dos diversos aplicativos", diz o documento.

Sobre os aplicativos de transporte, Uber e 99, o relatório da CPI afirma que, hoje em dia, o cenário é de redução de tarifas pagas aos trabalhadores, plataformas inchadas de profissionais, descontos de tarifas sem critérios ou transparência e profissionais cada vez tendo que aumentar mais a sua carga horária para tentar manter os rendimentos.

O documento também analisa o cenário do ponto de vista dos usuários dos aplicativos de transporte. Além de acusar as plataformas de prestar um serviço ruim, do qual a sociedade passou a depender, alega que se privilegia a "lucratividade em detrimento da qualidade e da segurança".

"Sob aspecto dos serviços prestados, tem-se, atualmente, a apresentação de um serviço que não mais atende às expectativas inicialmente prometidas. Além de problemas com a segurança dos clientes dos aplicativos, que constantemente estão expostos a roubos, fraudes e ameaças, a celeridade na entrega não é concreta e acaba colocando em risco os profissionais."

A CPI apurou que, diariamente, a Fundação Procon-SP recebe 3 mil reclamações online sobre os aplicativos. Somente em 2021, foram registrados 2 milhões de queixas sobre o atendimento.

"Os aplicativos de delivery, por exemplo, vendem uma celeridade que não se configura mais. Os atrasos são constantes, os danos causados nos alimentos e cargas transportados são diários e as fraudes cada vez mais presentes. Ou seja, a qualidade prometida não existe. Os aplicativos de transporte, como Uber e 99, por sua vez, prometeram a redução da circulação de carros e trânsito nas vias públicas, mas o que se verificou foram apenas aumentos exponenciais".

Para os vereadores, o verdadeiro impacto da chegada das plataformas foi piorar a vida de praticamente todos os envolvidos. "Uma série de estudos revelou que essas empresas pioraram o trânsito em grandes metrópoles, tiraram passageiros de serviços públicos e aumentou as emissões de gases poluentes por viagem. Tudo isso enquanto abusavam dos próprios trabalhadores (que vinham majoritariamente de comunidades marginalizadas) para servir, desproporcionalmente, jovens nas cidades grandes", acusa o relatório.

Falta de segurança para motoristas, entregadores e passageiros

A Comissão também demonstrou preocupação com a segurança física de motoristas, motofretistas e passageiros. Ela explica que, de acordo com a legislação municipal, assim como acontece com táxis, escolares, motofretes e o transporte coletivo, periodicamente os veículos de aplicativos deveriam ser submetidos a inspeção veicular.

"Porém as duas principais empresas do setor, a Uber e a 99, obtiveram liminar judicial para que os veículos que estão cadastrados nas suas plataformas não se submetessem a vistoria. Ora, mas qual seria o interesse de uma medida tão descabida? Certamente angariar tickets ainda menores para o motorista e taxas mais altas para as plataformas nas corridas. E tudo as custas da segurança dos motoristas e dos passageiros", argumenta.

Sobre os entregadores, o documento levanta dados da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) que apontam que dos 275 motociclistas que morreram no trânsito em 2021, pelo menos 77 (28%) atuavam como motofretistas. É possível o esse número seja maior, pois algumas vítimas não têm a profissão identificada.

Também são levantadas questões referentes à relação trabalhista entre os motoristas e motofretistas e as plataformas. Para a CPI, os trabalhares não têm autonomia para definir cargas de trabalho ou corridas, e ainda são incentivados a trabalhar em condições perigosas.

Um dos trabalhadores entrevistados pela investigação, Paulo Roberto da Silva Lima, afirmou que os entregadores são incentivados a trabalhar mais quando chove, por exemplo.

"Entregador ganha mais quando tem promoções que determinam que ele ganhará a mais por dada entrega. Essas promoções costumam surgir quando há maior risco na viagem. Por exemplo: teve uma chuva forte e a cidade está com enchentes, então o app vai oferecer a mais para o entregador trabalhar e ele conduzirá o veículo em uma situação de alto risco." (sic).

Questões tributárias

Outro tema que aparece no relatório são irregularidades encontradas na declaração de número de usuários ativos nas plataformas e, consequentemente, no pagamento de impostos. A investigação apurou que centenas de motoristas não foram cadastrados na junto à prefeitura por Uber e 99, por isso, milhares de quilômetros rodados - e pagos pelos usuários - deixaram de ser contabilizado no pagamento de impostos.

"Se fossemos calcular que os aplicativos cometem essa sonegação desde a data da edição da Resolução do preço público (2016) - o que não seria nenhuma surpresa - teríamos uma surpreendente quantia de R$ 117.936.000 (cento e dezessete milhões, novecentos e trinta e seis mil reais), que deixaram de ser arrecadados simplesmente deixando de enviar alguns motoristas ao sistema de contagem de quilometragem."

O que quer a CPI?

Presidente da CPI, o vereador Adilson Amadeu (União Brasil), afirma que serão feitas recomendações a diversões órgãos do poder público para solucionar as questões apontadas.

"A discussão sobre a queda na qualidade do serviço oferecido passa por uma série de fatores que estão elencados neste relatório, mas a rejeição das empresas em aceitar qualquer regulação, por parte da Prefeitura, que objetivem equilibrar e controlar melhor o serviço, é a principal delas. Por isso, é fundamental que essa discussão seja retomada junto ao poder público e umas das principais premissas de nosso trabalho", afirmou.

O documento cobra a regulamentação dos serviços de transporte de passageiros e de entregas, além de melhores condições trabalhistas e a necessidade de uma legislação com seguridade social. Também há uma cobrança para que a prefeitura controle as horas trabalhadas dos colaboradores, além de um reajuste de R$ 0,12 a mais na tarifa cobrada das plataformas por quilômetro rodado.

Também há uma solicitação para que as empresas sejam cobradas pela prefeitura pelo cadastro dos trabalhadores ativos, e que se estabeleça a necessidade de uma vistoria anual nos veículos.

O relatório aponta ainda a necessidade de auditoria, junto à Prefeitura de São Paulo, no pagamento dos quilômetros rodados pelas empresas, em política vigente desde 2016, com previsão de arrecadação na casa dos R$ 240 milhões para este ano. Também pede ao Ministério Público que apure irregularidades em pagamentos passados.

O que dizem os aplicativos

O iFood disse que valoriza o processo em andamento e segue comprometido em manter o diálogo aberto para buscar avanços e oportunidades para todos os 200 mil entregadores que trabalham e geram renda com a nossa plataforma.

"Como empresa brasileira, entendemos nossa responsabilidade e estamos fazendo a nossa parte, colaborando também no debate sobre um marco regulatório que garanta melhorias para os trabalhadores e que traga segurança jurídica para as empresas do setor. Participar e colaborar com o processo tem sido extremamente importante para o iFood", afirmou por meio de nota. A empresa disse ainda que não teve acesso ao relatório na íntegra.

Já a Uber disse que "as afirmações feitas pelos vereadores não são verdadeiras e não trazem sequer uma prova que ateste as calúnias incluídas no relatório da Comissão. Após quase dois anos desde que foi instaurada, a CPI dos Aplicativos termina com conclusões vazias, baseadas numa aparente vontade política duvidosa de denunciar sem fundamentos empresas que contribuem com São Paulo e que facilitam a vida de pessoas que se deslocam e que geram renda na cidade".

A Uber reforçou ainda que segue a legislação brasileira, e que todos os pagamentos devidos ao município de São Paulo foram e são efetuados à Prefeitura em conformidade com a regulação. Segundo a empresa, desde que chegou à cidade, já contribuiu com mais de R$ 1 bilhão de reais em tributos e taxas municipais.

A 99 disse que A 99 recebeu e informa que analisará o relatório. "A empresa destaca que cumpre integralmente a legislação vigente e está rigorosamente em dia com pagamentos de todos os tributos, como ficou comprovado inúmeras vezes diante da Comissão. Como ocorreu durante todo o funcionamento da CPI, a 99 segue à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos que sejam necessários e para debater com as autoridades quaisquer aprimoramentos na regulação do transporte privado individual de passageiros por aplicativos que resultem em melhores condições para os passageiros, os motoristas e as cidades em que opera".

O Rappi disse que "é uma plataforma de intermediação de serviços multiverticais de três pontas - consumidores, estabelecimentos e entregadores independentes -, fortemente baseada em tecnologia, que é o que gera escalabilidade nos nove países em que operamos".

Além disso, afirmou que recolhe todos os seus impostos de acordo com a legislação vigente e possui decisão favorável da Justiça do Trabalho da 2a Região pela inexistência de vínculo da plataforma com entregadores (decisão da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho contra o Rappi).

"Além disso, consideramos importante o debate a respeito da relação entre entregadores e plataformas, e estamos disponíveis ao diálogo e para contribuir com eventuais propostas que venham a surgir, tanto na Câmara Municipal quanto no Congresso Nacional", disse por meio de nota.

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