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Caçador de Carros

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

53 horas sem banho e motor fervendo: a saga do meu Nissan Maxima 1995

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

03/06/2021 04h00

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Há exatos 6 anos, no dia 03 de junho de 2015, eu fiz uma das maiores "loucuras" da minha vida, que foi comprar um carro importado dos anos 90. O escolhido, foi um Nissan Maxima 1995, que estava na cidade de São Leopoldo (RS).

Naquele momento da minha vida, estava passando por algumas dificuldades financeiras. Meu serviço como Caçador de Carros ainda era pouco conhecido e as contas nunca fechavam. Foram alguns anos no "vermelho", que me obrigaram a tomar algumas decisões. Uma delas foi vender meu Honda Civic 2004 e ficar apenas com uma Chevrolet Corsa Wagon 1999, que meu sogro deu para minha esposa.

A "peruinha" da GM era muito boa e estava atendendo quase todas nossas necessidades. Só não agradava minha querida esposa, que nunca foi apaixonada por carros como eu. Nada contra o carro em si, sua rejeição era com o pedal de embreagem. Ela tinha se acostumado com o Civic, que era automático, e não queria saber da Corsa Wagon, que era manual.

Depois de muita conversa, ela conseguiu convencer-me de que o ideal seria vender a perua e comprar outro carro automático, com o valor da venda.

Foi o que fizemos, mas não precisei de muito tempo para perceber o erro que tínhamos cometido. O valor conseguido pela perua era baixo, na casa dos R$ 10 mil. Com esse valor, só seria possível comprar um automático bem antigo, o que se tornou um pesadelo para mim.

Vistoriei dezenas de carros de várias marcas, e a decepção era grande com o que o mercado tinha para oferecer. Os carros eram ruins, sempre com algum problema que inviabilizava a compra. Até o dia em que achei um Nissan Maxima no interior de São Paulo e me encantei pelo carro. Ele não estava lá essas coisas, mas vi potencial no modelo e foquei ele nas buscas que se seguiram.

Foi quando meu Maxima apareceu para mim pela primeira vez. O carro parecia bonito nas fotos, a descrição do anúncio e a conversa com o antigo dono estavam fluindo bem, mas tinha o detalhe da distância, cerca de 1.100 km da minha casa.

Olhava para meu extrato bancário e ele me dizia que eu não tinha condições de me aventurar. Aquela tinha de ser uma compra certeira. Criei coragem, parcelei uma passagem de avião só de ida para Porto Alegre e fui comprar meu Maxima.

Era uma quarta-feira, e o objetivo era chegar lá bem cedinho, fechar negócio e encarar os mais de 1.100 km no mesmo dia. Estava fora de cogitação parar em alguma pousada para dormir no meio do caminho, por falta de verba.

Cheguei cedo, mas o ex-dono no carro não foi tão pontual. Ele me pegou no Aeroporto Salgado Filho duas horas depois do combinado. Fomos para São Leopoldo, e somente lá que pude vistoriar o carro com mais atenção.

'Orelhas de burro'

Para minha decepção, ele não era muito diferente daqueles que eu já tinha avaliado até então. Os freios estavam ruins, o motor tinha vazamento de óleo, o sistema de arrefecimento não tinha aditivo, a suspensão estava cansada, o ar-condicionado não gelava e mais algumas outras coisas que não me lembro agora.

Não tinha como comprar o carro pelo preço acordado e decidi desistir da compra. O antigo dono me deixou na estação de trem de São Leopoldo, para que eu pudesse retornar para Porto Alegre. Na estação, eu sentei na minha mala e comecei a refletir sobre o que estava acontecendo.

Parecia que um par de orelhas de burro tinha nascido na minha cabeça. Eu só conseguia pensar na decisão equivocada de ter ido tão longe para ver um carro antigo. Qual era a chance de dar certo?

Passados alguns minutos, o vendedor me chamou novamente para voltarmos a negociar um novo valor. Para resumir, eu aceitei pagar cerca de 70% do preço inicialmente proposto. Não era uma decisão racional, mas eu não queria perder mais dinheiro com uma nova passagem de avião.

Paguei pelo carro, fomos no cartório e começaram as surpresas. A bateria do Maxima não era a dele, mas sim emprestada de um amigo do vendedor. Claro que o certo seria ele comprar outra, mas eu não estava em uma posição favorável. Só queria voltar para casa naquele dia, o que já se mostrava ser impossível, por conta do horário.

Para piorar, ele não encontrava a chave reserva, e tivemos de voltar para Porto Alegre, na loja em que ele tinha comprado o carro, para verificarmos se estava lá. Fomos e, por sorte, estava lá.

Enfim, saí de Porto Alegre no finalzinho da tarde, quando já estava escurecendo. Guiei uns 300 km na primeira noite e decidi parar para dormir em um posto de combustível. Lembre-se de que eu estava sem verba para pousada, portanto o jeito foi deitar o confortável banco elétrico do Maxima e dormir nele mesmo.

Boas surpresas e problemas

No dia seguinte, voltei para a estrada, ansioso para chegar em casa. O carro estava se comportando muito bem e arrancava alguns sorrisos do meu rosto. Ele não parecia ser tão ruim como eu tinha avaliado. O motorzão com 192 cv estava bem saudável nas acelerações e nas ultrapassagens.

A suspensão cansada até que fez bonito nas curvas da Serra Gaúcha. Pensei comigo que tinha feito o melhor negócio da minha vida. Quando parei para abastecer, mais uma grata surpresa: consumo de quase 11 km/l, nada mal para um V6.

Estava tudo se caminhando para que eu chegasse bem em casa, quando a noite daquela quinta-feira chegou e os problemas começaram. O primeiro foi um sobreaquecimento do motor, que felizmente foi identificado antes que acontecesse algo grave. Recoloquei água no radiador e continuei a viagem.

Pouco depois, a luz do alternador acendeu, indicando que a bateria não estava sendo recarregada corretamente. Eu já estava na temida Serra do Cafezal, e não tive muito o que fazer a não ser insistir e ver até onde eu conseguiria chegar.

Até que o carro parou de vez, já sem forças até para manter os faróis acesos. Chamei o guincho da estrada, que me deixou num posto de combustível e sugeriu que eu seguisse viagem no dia seguinte. Ele me ajudou com uma recarga na bateria, que não seria tão exigida durante o dia, já que naquele tempo ainda não era obrigatório dirigir com os faróis acesos na estrada mesmo sob o Sol.

Mais uma vez, sem verba para uma pousada, deitei o confortável banco elétrico e dormi dentro do carro.

No dia seguinte, uma sexta-feira, consegui vencer os 200 km que faltavam e cheguei em casa. Minha esposa e minha filha me receberam com um longo abraço, um ato corajoso delas, já que eu estava havia 53 horas sem banho...

Amuleto da sorte

Foi uma aventura, que eu acho que não teria coragem de fazer novamente. Mas o Maxima me trouxe sorte, pelo menos é assim que eu gosto de pensar.

Dois dias depois de eu chegar com ele, foi para o ar uma matéria que eu tinha gravado em um programa de carros. Aquela matéria ajudou bastante na divulgação do meu negócio, que finalmente passou a ser rentável.

E lá estava eu, com uma quantidade boa de serviços para fazer e um carro antigo na garagem, que conseguiu me atender por pelo menos quatro meses, sem grandes problemas. Foi quando o Nissan Sentra entrou em minha vida, em outubro daquele ano, como um carro mais confiável para o uso diário. Mas aí é outra história.

Decidi encostar o Maxima e deixar ele como um amuleto da sorte, para ser usado apenas como lazer. No ano de 2019, comecei a investir pesado dele e troquei muitas peças de maneira preventiva. Arrisco dizer que já gastei três ou quatro vezes o valor que paguei por ele e sei que dificilmente recuperarei tudo isso em uma possível revenda.

Mas, depois de seis bons anos e 9 mil quilômetros rodados com esse meu grande amigo, a possível revenda se mostra cada vez mais distante. Hoje, o carro está em sua melhor forma, apto a encarar qualquer tipo de viagem, com segurança e conforto. Que venham mais anos e estradas pela frente.