Tuiuti destaca trans e travestis no Carnaval: 'Queremos acabar com o medo'

O carnavalesco Jack Vasconcelos, 47, sabia que enfrentaria uma longa jornada para compor o enredo do Paraíso do Tuiuti. A escassez de pesquisas sobre personalidades trans na história foi um dos desafios. Além de se apoiar em estudos acadêmicos, como os do antropólogo Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia, ele recorreu até à espiritualidade e afirma ter ouvido da própria Xica Manicongo a orientação para contar sua trajetória na Avenida.
Há passagens no enredo que não estão em livro nenhum. Tive o privilégio de ouvir do próprio espírito que ela se tornou e ser orientado dentro dessa história Jack Vasconcelos
Segunda a desfilar na terça-feira de Carnaval (4), o Paraíso do Tuiuti levará para a Sapucaí a história de Xica Manicongo, reconhecida como a primeira pessoa trans registrada no Brasil. Escravizada ao chegar ao país, ela perdeu seu nome africano, foi batizada como Francisco e obrigada a adotar uma identidade masculina. Nos territórios de Congo e Angola, os quimbandas utilizavam panos amarrados como saias, e Xica recusou os trajes impostos no Brasil.
Praticante da Quimbanda, ela buscou adaptar o culto aos seus ancestrais em solo brasileiro, o que resultou em sua denúncia à Santa Inquisição por feitiçaria e também pelo comportamento considerado indecente. Mesmo assim, resistiu e se tornou um símbolo de luta e representatividade para a comunidade LGBTQIAP+.
Em conversa com o UOL, Jack confessou que temia a aceitação do tema e, inicialmente, nem apresentaria o enredo como sua primeira sugestão. "Mas, na hora, me senti encorajado e acabei falando. Foi aceito de primeira, numa conversa que não durou nem cinco minutos."
A pesquisa, no entanto, exigiu tempo e esforço, pois não há registros precisos sobre Xica Manicongo. Para garantir fidelidade à história, o carnavalesco buscou informações com organizações como a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais):
"Havia muitas lacunas a preencher. Conheci a Quimbanda para me orientar em outra perspectiva e fui surpreendido pela experiência espiritual. Comecei a receber uma tentativa de comunicação. O que me faltava em termos de pesquisa fria foi preenchido pela boca da própria Xica Manicongo."
Agora, Jack espera que a história de Xica ecoe e inspire mais pessoas, ampliando a luta por visibilidade e respeito.
Quando o enredo pergunta, no título, 'Quem Tem Medo de Xica Manicongo?', queremos colocar as pessoas contra a parede e, ao mesmo tempo, aproximá-las. A gente quer acabar com o medo das duas partes, tanto da comunidade trans e travesti, porque são vítimas de violência constante, e também de uma parte da sociedade que não convive com essas mulheres incríveis. Jack Vasconcelos
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