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Blocos de rua

Mulheres dizem "não é não". Mas os homens estão entendendo?

Adesivos contra o assédio estão por todas as partes - Nelson Antoine/UOL
Adesivos contra o assédio estão por todas as partes Imagem: Nelson Antoine/UOL

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

13/02/2018 09h26

A luta contra o assédio ganhou uma campanha oficial neste Carnaval. Adesivos e tatuagens temporários com o lema “não é não” estão sendo distribuídas aos foliões – e, principalmente, às folionas. Sua mensagem é tão clara quanto parece: não insista na abordagem se a garota deixar claro que não quer nada com você.

Mas será que os homens estão entendendo a mensagem, por mais óbvia que seja? Para tentar encontrar uma resposta a esta pergunta, o UOL foi ao bloco Vou de Táxi, que desfilou pela avenida 23 de Maio, em São Paulo, neste domingo (11).

Não é não - Erbs Jr./UOL - Erbs Jr./UOL
A campanha contra o assédio em todas as partes do corpo
Imagem: Erbs Jr./UOL
Logo de cara, nota-se que o clima no bloco incentiva muito mais a “pegação” que em outros desfiles que ocorreram na capital paulista. Grupos gritando “beija! Beija!” e fantasias com mensagens como “você não é garçom, mas serve” são comuns, assim como abordagens que terminam em beijos aparentemente consentidos.

Por outro lado, também é relativamente comum homens tocando nas mulheres, puxando-as pelos braços mesmo quando está clara a falta de interesse na aproximação.

“Nem f...!”, diz Marcelo Vezzo, 29, quando perguntado se a campanha o deixa inibido na abordagem às mulheres. Ele acabara de beijar uma garota depois de muita insistência. “Olha só, presta atenção em mim”, ele diz antes de partir para uma nova abordagem e “provar” que não liga para a campanha.

“Não é não é o meu saco! Não tenho medo de ser acusado de assédio, é Carnaval”, diz o amigo Bruno Rosseto, 27, em defesa de Vezzo.

No canto de uma das pistas da avenida, Caíque Vieira, 19, e Ronaldo Vasconcellos, 20, confabulam sobre as garotas que passam. Eles dizem entender a importância da campanha, mas reclamam de suas supostas consequências. “Eu estava quase beijando uma mina. Mas aí a amiga dela a puxou e disse não é não”, conta. “Nesse caso, é complicado porque a mina queria me beijar. Não é justo”.

Um terceiro amigo se aproxima e diz “isso aí é besteira, não tem nada a ver”, mas é rapidamente excluído da conversa por Vieira e Vasconcellos.

“Eu levo ele para o Carnaval desde que ele tem 15 anos. E sempre disse: se a mina disser não, é não mesmo. Não é para passar a mão no cabelo, nada disso”, diz Leonardo Vilela, 35. Ele se refere ao sobrinho Artur Vilela, 25, que o acompanhou no Vou de Táxi. “Inclusive, se a gente ver isso acontecendo (assédio), a gente dá uma ideia no cara”, completa.

Magno Rodrigues, 30, e Bruno Miranda, 27, estão em um grupo de amigos onde todos concordam com a importância do “não é não”. Eles só lamentam a necessidade de uma campanha assim ser necessária, o que creditam a uma questão educacional do povo brasileiro.

“A gente foi a um bloco ontem e um cara estava dando em cima de uma mina. Estava insistindo, até que ela virou e perguntou se ele iria mesmo assediá-la. Foi o suficiente para o cara se tocar”, conta Miranda, como um exemplo de que a campanha está dando certo.

Para Rogério Margela, 42, a questão vai muito além do Carnaval. Como pai de duas filhas, de 12 e 20 anos, ele diz que tem total consciência da importância do “não é não”. “Para mim, é uma questão de índole. E digo isso não só porque me preocupo com as minhas filhas, vale para mim também. Desde os 18 anos eu sei que, quando uma mulher diz não, ela quer dizer não!”.

Vou de Táxi - Marcelo Justo/UOL - Marcelo Justo/UOL
Bloco Vou de Táxi lotou a 23 de Maio
Imagem: Marcelo Justo/UOL
“Vi uns adesivos, mas não sei o que está rolando”, admite Cosmo Vilela, 35. Ao ser explicado sobre do que se trata a campanha, ele diz ser a favor, mas acredita que “a galera não está acostumada” ainda a essa situação de empoderamento feminino. “Com o tempo vai se tornar mais natural”, acredita Vilela.

O bloco já está quase no final, mas Murilo Ferreira, 28, diz que beijou “só” cinco meninas por enquanto. Exaltado com a pergunta sobre o “não é não”, ele diz que “mulher é tudo vagabunda” e que, em suma, a campanha é uma besteira. “As minas ajeitadas estão com os caras com dinheiro. E as feias só têm o Carnaval para transar. Então não tem esse papo de não é não.”

Perguntado se ele fazia ideia que aquilo seria publicado, ele reafirma sua posição. E reclama de a garota ao lado não ter lhe arranjado um cigarro. “Olha só, ela disse que não tem cigarro. De onde ela tirou aquele cigarro, então? Deve ter sido com algum macho.”