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Nova fase na corrida espacial: SpaceX e Nasa lançam foguete com astronautas

Bruna Souza Cruz e Fabiana Uchinaka

De Tilt, em São Paulo

30/05/2020 16h26Atualizada em 31/05/2020 13h26

Os astronautas Robert Behnken e Douglas Hurley decolaram na tarde deste sábado (30) rumo à ISS (Estação Espacial Internacional) no foguete Falcon 9, da SpaceX. Eles saíram do Centro Espacial John F. Kennedy, no Cabo Canaveral, Flórida (EUA), e devem levar 19 horas até a estação, que fica a 400 km da Terra— a viagem não é em linha reta e a estação está em movimento. Lá devem permanecer até provavelmente agosto.

Na última quarta, a decolagem foi interrompida menos de 20 minutos antes do horário agendado, porque o tempo não ajudou. Neste sábado, porém, deu tudo certo. A cápsula ainda está a caminho da estação, mas o trabalho da SpaceX já foi concluído com sucesso —todas as etapas foram realizadas, inclusive o retorno de parte do foguete à base.

A cápsula Crew Dragon entrou na órbita baixa da Terra 12 minutos após o lançamento, às 16h22 (horário de Brasília) —logo em seguida foi possível ver um dinossauro de pelúcia flutuando entre os astronautas.

Isso significa um enorme avanço para o programa espacial dos EUA. Este é considerado um marco histórico por três motivos:

  • é a primeira vez que a Nasa envia astronautas para o espaço com uma empresa privada
  • é a primeira vez que a empresa do bilionário Elon Musk realiza um feito assim
  • é a primeira vez em nove anos que a Nasa envia astronautas para a ISS a partir dos EUA

Desde que aposentou seus ônibus espaciais, em 2011, a agência espacial norte-americana fazia lançamentos do Cazaquistão com a nave russa Soyuz, considerada uma das mais confiáveis já fabricadas e com histórico de apenas um acidente. Para isso, pagava uma quantia milionária aos russos por cada lançamento.

Por conta das restrições provocadas pelo coronavírus, a festa esperada para o momento histórico foi cancelada — o público acompanhou tudo de casa e todos que estavam nas mesas de controle da Nasa usavam máscaras. Apenas uma comitiva privada, que contou com a presença do presidente Donald Trump, estava no local. Behnken e Hurley estiveram previamente em quarentena e estão prontos para encontrar as três pessoas que moram hoje na ISS: Chris Cassidy, da Nasa, Anatoly Ivanishin e Ivan Vagner, da Roscosmo (agência russa).

Cápsula desacoplou com sucesso - Reprodução - Reprodução
Cápsula desacoplou com sucesso
Imagem: Reprodução

A cápsula Crew Dragon, que viajou a 27.000 km/h antes de desacoplar, é como a Apolo —mas mais moderna: telas táteis substituíram botões e joysticks, o interior é predominantemente branco, com iluminação mais sutil. O design da nave não lembra os enormes ônibus espaciais, que funcionaram entre 1981 e 2011, e a cápsula pode se separar do foguete em caso de emergência.

Na volta, os astronautas sobem de novo na Crew Dragon, que cai no oceano depois que entra na atmosfera.

Imagem ilustrativa da cápsula Crew Dragon - SpaceX/Divulgação - SpaceX/Divulgação
Imagem ilustrativa da cápsula Crew Dragon
Imagem: SpaceX/Divulgação

Projeto Artemis

A parceria Nasa-SpaceX é uma mudança importante no modelo da agência. Antes, a construção dos foguetes era feita sempre pela Nasa e outras empresas prestavam serviços terceirizados. Desde o governo Obama, as empresas privadas ganharam permissão de fabricar foguetes para lançamentos de humanos. Com os avanços da SpaceX, os americanos deixarão de depender dos russos para chegar ao espaço e devem manter rotas regulares a partir da Flórida.

Musk, conhecido pelos carros elétricos da Tesla, tem no espaço uma de suas principais frentes de negócio —além de querer conectar o mundo inteiro à internet com um enxame de satélites, ele pretende colonizar Marte. A parceria com a Nasa pode fazer avançar seus planos de organizar viagens espaciais para turistas.

A agência espacial pagou mais de US$ 3 bilhões à SpaceX para projetar, construir, testar e operar sua cápsula e fazer seis viagens espaciais de ida e volta. O desenvolvimento enfrentou atrasos, explosões e problemas, mas superou a gigante Boeing, que também recebeu dinheiro da Nasa para fazer uma cápsula, a Starliner, que ainda não está pronta.

O lançamento do Falcon 9, de 70 metros de altura, é o primeiro passo do Projeto Artemis, coordenado pela Nasa, que visa colocar humanos novamente na Lua até 2024 —desta vez, uma mulher. Após décadas esquecida, a Lua virou a nova queridinha de várias nações e se tornou cenário de outra corrida espacial. China, Índia e outros países, além dos EUA, fizeram missões recentes que têm o solo lunar como alvo.

A viagem para a ISS é um teste também da SpaceX para uma missão rumo à Lua, embora a viagem para nosso satélite exija um foguete mais poderoso. O objetivo final da missão da Nasa é que humanos pisem pela primeira vez em Marte, algo previsto para 2030.

Uniforme dos astronautas - Divulgação - Divulgação
Uniforme usado pelos astronautas na missão
Imagem: Divulgação

Roupa de cinema

Hurley e Behnken usaram um uniforme feito sob medida pela SpaceX, que chamou para a tarefa o estilista e figurinista de Hollywood Jose Fernandez, conhecido pelo visual de filmes como "Mulher Maravilha", "Wolverine", "Batman vs. Superman "e" Capitão América: Guerra Civil ".

O desafio era fazer algo funcional e bonito, explicou a empresa. Demorou quatro anos para chegar a esta versão final, que conta com sistema de comunicação e controles de pressão e temperatura integrados. Uma vez que o astronauta está sentado no assento da cápsula de passageiros Crew Dragon, o traje se conecta ao sistema da nave espacial.

Uma outra curiosidade é que as luvas são sensíveis ao toque, o que facilita o controle dos comandos dados pelos astronautas para a cápsula.

Uniforme dos astronautas - Nasa/Kim Shiflett - Nasa/Kim Shiflett
Doug Hurley e Bob Behnken com as roupas projetadas pela SpaceX
Imagem: Nasa/Kim Shiflett

"O traje espacial é realmente uma parte do sistema Dragon, é realmente parte do veículo", afirmou Chris Trigg, gerente de trajes espaciais e equipamentos de tripulação da SpaceX, em um vídeo compartilhado nas redes sociais. "O traje e o assento estão trabalhando juntos."

O capacete é fabricado sob medida usando a tecnologia de impressão 3D e inclui válvulas integradas, mecanismos para retração e travamento da viseira, e microfones na estrutura do capacete, disse a Nasa.

Esse traje é voltado para proteger os astronautas durante o lançamento e a viagem até o espaço, mas não os protege durante caminhadas por lá. Neste caso, seria preciso voltar aos uniformes padrão já utilizados pela Nasa.

Quem são os astronautas

Bob e Doug, como são conhecidos, são veteranos e já participaram de várias missões espaciais —além disso são melhores amigos. "Ter a sorte de voar com seu melhor amigo... acho que muitas pessoas gostariam disso", disse Hurley antes da viagem.

O primeiro será o comandante de operações conjuntas, enquanto o outro será o comandante de espaçonave e terá a missão de realizar dois testes de voo durante o trajeto em direção à ISS.

Robert "Bob" Behnken, astronauta que vai para o espaço em missão que sairá direto dos Estados Unidos - Divulgação/Nasa - Divulgação/Nasa
Robert Behnken foi para o espaço pela primeira vez em 2008
Imagem: Divulgação/Nasa

Bob, 49, nasceu no estado do Missouri e se formou em física e engenharia mecânica pela Universidade de Washington. Depois, concluiu doutorado em engenharia mecânica pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), uma das melhores universidades do mundo na área. Nesse meio tempo, atuou como engenheiro de teste de voo da Força Aérea norte-americana. Calcula-se que ele tenha registrado mais de 1.500 horas de voo em mais de 25 tipos de aeronaves.

Em 2000, foi aprovado para integrar o corpo de astronautas da Nasa. Em 2008, foi pela primeira vez ao espaço para trabalhar na ISS. Em fevereiro de 2010, seguiu em sua segunda missão fora da Terra. Entre julho de 2012 e julho de 2015, atuou como astronauta-chefe da Nasa, sendo responsável por tarefas de voos, preparação de missões e suporte em órbita das tripulações que estavam na ISS.

Segundo a Nasa, Behnken contabiliza mais de 708 horas no espaço e 37 horas fora da ISS, realizadas durante seis caminhadas espaciais.

Douglas G. Hurley, astronauta que vai para o espaço em missão que sairá direto dos Estados Unidos - Divulgação Nasa - Divulgação Nasa
Douglas Hurley foi para o espaço pela primeira vez em 2009
Imagem: Divulgação Nasa

Doug, 53, nasceu em Endicott, uma pequena vila no estado de Nova York, mas considera Apalachin como cidade natal. Ele é engenheiro civil pela Universidade Tulane, em Louisiana. Foi do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, onde começou a fazer voos de treinamentos. Ao longo dos anos contabilizou mais de 5.500 horas de voos em 25 tipos de aeronaves.

Ele também foi aprovado para o corpo de astronautas da Nasa em julho de 2000. Nove anos depois, teve a oportunidade de fazer o seu primeiro voo para o espaço no ônibus Endeavour como piloto, passando mais de 15 dias no espaço. Sua segunda missão foi em julho de 2011, quando ajudou a fornecer suprimentos e peças de reposição para a ISS durante a viagem do ônibus espacial Atlantis. Em 2014, Hurley foi nomeado diretor assistente do programa comercial de tripulação. (Com agências internacionais)