Qual relação entre solidão e Parkinson ou outras doenças neurodegenerativas

"Uma ameaça urgente para a saúde". Esse foi o alerta dado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em novembro de 2023 ao anunciar a criação de uma comissão para lutar contra a epidemia da solidão.

Em uma entrevista à BBC News em maio deste ano, o cirurgião-geral Vivek Murthy disse que o impacto na mortalidade de estar socialmente desconectado é semelhante ao causado por fumar até 15 cigarros por dia, e ainda maior do que o associado à obesidade e falta de exercícios físicos.

Além disso, um dos efeitos que mais tem gerado preocupação aos cientistas está na ligação com as doenças neurodegenerativas. Um estudo publicado em outubro de 2023 na revista científica JAMA Neurology revelou uma associação da solidão com o Parkinson, distúrbio neurológico progressivo que afeta principalmente o controle dos movimentos do corpo.

A pesquisa acompanhou 491.603 pessoas de um biobanco no Reino Unido durante 15 anos. Todos os participantes tinham mais de 50 anos. Os resultados indicaram que aqueles que se sentem frequentemente solitários tiveram 37% mais riscos de desenvolver a doença.

Para Júlio Pereira, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião, essa relação pode ter a ver com doenças neuropsiquiátricas, como ansiedade e depressão, que consequentemente são associadas a condições como Parkinson. Muitas vezes, a solidão provoca depressão ou a depressão acaba levando à solidão.

"Já é consenso hoje entre a comunidade médica que grande parte das doenças neurodegenerativas, como Parkinson, Alzheimer e outros tipos de demência, tem uma associação com doenças neuropsiquiátricas, em especial a depressão e a ansiedade", sinaliza.

No caso do Parkinson, explica ele, além das doenças neuropsiquiátricas, os diagnósticos também levam em consideração fatores genéticos, envelhecimento, gênero —mais comum em homens do que em mulheres— e fatores ambientais como poluição e exposição a pesticidas.

A doença é causada pela degeneração das células nervosas de uma região chamada substância negra, responsável por produzir dopamina, um neurotransmissor essencial para o controle dos movimentos musculares.

Grande parte das doenças neurodegenerativas ocorrem depois dos 65 anos. Em se tratando de Parkinson e Alzheimer, quase 80% das ocorrências costumam surgir após essa idade. "Isso ocorre porque essas doenças acontecem naturalmente com o envelhecimento das células, em especial dos neurônios, alterando suas funcionalidades", esclarece Pereira.

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Porém, a depressão, a ansiedade e outros sintomas gerados pela solidão podem servir de gatilho para essas doenças, afetando o cérebro de diferentes formas.

O que a solidão faz com o cérebro

Ocorre ativação de mecanismos neurobiológicos que aumentam a atividade do eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal), sistema neuroendócrino responsável por controlar as reações ao estresse e regular diferentes processos corporais, como digestão, respostas do sistema imunológico, humor e emoções, sexualidade e a alocação e gasto de energia.

Aumento das respostas inflamatórias no cérebro, impactando o funcionamento cognitivo, ligado ao aprendizado e à resolução de problemas.

Impacto sobre a plasticidade comportamental ou neural, diminuindo a capacidade de compensar, nos indivíduos mais velhos, mudanças degenerativas relacionadas naturalmente à idade.

Simplificação da cognição social, reduzindo informações complexas sobre outras pessoas e situações sociais em categorias simples e estereótipos, a fim de torná-las mais fáceis de entender e lembrar. Por exemplo, se a pessoa conhece um advogado, pode presumir que ela é inteligente e bem-sucedida. Mas essa simplificação pode levar a generalizações e preconceitos.

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A vigilância crônica e a proteção contra ameaças podem levar a um esforço mental maior e uma consequente diminuição no desempenho e na capacidade de aprendizado.

Maior prevalência de depressão.

Deficiências na consolidação da aprendizagem que podem resultar da diminuição da qualidade do sono.

Idosos são os que mais sofrem

Embora a solidão também possa atingir adultos jovens, os idosos costumam sentir maior impacto. Isso porque, além da degeneração natural do corpo e da mente, a sociedade tem cuidado cada vez menos deles.

"Algumas décadas atrás, os idosos viviam menos e costumavam ter um cuidado mais próximo, mas hoje em dia as famílias estão cada vez mais desestruturadas, e isso tem deixado os idosos contemporâneos mais vulneráveis à solidão", aponta Arthur Danila, psiquiatra e coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.

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Uma pesquisa publicada em julho do ano passado na Unicamp entrevistou quase 8.000 pessoas acima dos 50 anos e concluiu que mais de um terço dos idosos do país têm sintomas depressivos e 16% sentem solidão.

A pesquisa intitulada "Solidão e sua associação com indicadores sociodemográficos e de saúde em adultos e idosos brasileiros" mostra que idosos e idosas que relataram sentir solidão têm quatro vezes mais riscos de desenvolver depressão.

"Ainda não está bem estabelecido se a solidão causa depressão ou vice-versa. Estudos longitudinais com idosos mostraram que o sentimento de solidão se associou ao aparecimento de sintomas depressivos no seguimento, assim como sintomas depressivos prenunciaram o aparecimento de solidão", afirma o texto.

Laís Abreu, professora da Faculdade de Medicina da UFRN e geriatra da Clínica AMO, de Natal, ligada à Rede Dasa, acredita que a depressão é uma patologia diagnosticada tardiamente por profissionais de saúde e não valorizada entre pacientes e familiares, que podem atribuir erroneamente a uma condição normal ao envelhecimento.

A depressão é muitas vezes um sinal de alarme para que o médico avalie o estado mental e físico do idoso de forma pormenorizada. Indivíduos acima de 60 anos que possuem diagnóstico tardio de depressão possuem maior risco de desenvolver doenças neurodegenerativas. Laís Abreu, professora da Faculdade de Medicina da UFRN

Primeiros sinais de degeneração cognitiva em idosos:

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esquecimento;

falta de atenção;

dificuldade de lembrar nomes, datas e caminhos;

dificuldade de realizar atividades que antes realizava com maior facilidade.

Mudança de hábitos pode retardar doenças

Laís Abreu explica que a idade é um dos principais fatores para que ocorram doenças neurodegenerativas, sendo considerado esse um fator não modificável. "É preciso focar em aspectos modificáveis, que reduzam a chance ou que retardem o aparecimento dessas doenças", ressalta a geriatra, que lista alguns:

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cessar o tabagismo;

reduzir o consumo de álcool;

fazer exercício físico;

construir um bem-estar biopsicossocial;

dormir bem;

participar de novas atividades;

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viver em um meio ambiente menos poluído;

corrigir déficits auditivos.

Problema vai além das doenças neurodegenerativas

O psiquiatra Arthur Danila esclarece que para quem tem depressão, a solidão chega a ser dez vezes maior do que na população em geral. "Além disso, a solidão também pode estar associada a outros transtornos psiquiátricos, como sintomas psicóticos e paranoicos. Há também um aumento de 17 vezes na tendência suicida", ressalta o psiquiatra.

Indivíduos solitários, conta o médico, são mais propensos a interpretar seu mundo social como ameaçador, manter expectativas sociais mais negativas e lembrar mais eventos sociais negativos do que os não solitários.

Em casos graves de solidão que evoluem para estado paranoico, a pessoa fica com menos vontade de se comunicar, levando a uma alteração de racionalidade onde ela passa a entender que a interação social seria prejudicial. Ela fica hiperalerta ao ambiente externo diante da ameaça do convívio social.

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Além disso, a depressão leva a características que vão aumentar a incidência de doenças cardiovasculares. Entre elas estão distúrbios do sono e alimentares, ganho de peso e sedentarismo. "Já existem evidências científicas que esses transtornos neuropsiquiátricos aumentam a incidência de eventos cardiovasculares, como infarto e AVC", diz Júlio Pereira.

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