Topo

Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Solidão, perdas e medo do futuro: idosos também precisam de terapia

iStock
Imagem: iStock

Carol Firmino

Colaboração para o VivaBem

30/01/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Para essa parcela da sociedade, a maior busca por terapia é motivada pela depressão e a solidão
  • Pensar que ter mais experiência isenta o indivíduo de problemas faz com que, muitas vezes, a ajuda demore a chegar
  • A terapia deve fazer parte de um processo saudável de envelhecimento

Quem precisa de terapia? Essa é uma pergunta sem resposta certa, já que a iniciativa de procurar ajuda psicológica vem acompanhada de diversos fatores. No entanto, resgatar o debate sobre a saúde mental na terceira idade é cada vez mais urgente. Em 2018, um relatório da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicava que o Brasil é o segundo país mais depressivo do mundo, com 9,3% de pessoas com depressão. Dados de 2019 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram ainda que a prevalência da doença está nas mulheres (14,7% contra 5,1% dos homens) e na faixa etária de 60 a 64 anos (13,2%).

Assim como cada fase da vida revela demandas emocionais diferentes, esperar que a pessoa chegue à terceira idade com todas as dificuldades resolvidas é uma ilusão. Pensar que ter mais experiência isenta o indivíduo de problemas faz com que, muitas vezes, a ajuda demore a chegar. Para essa parcela da sociedade, a maior busca por terapia é motivada pela depressão e solidão. Em alguns casos, o idoso ainda passa a ser visto como um estranho ou peso dentro da própria casa, enfrentando o desafio de ter seus anseios compreendidos pela própria família.

Autoconhecimento e amor-próprio

Por muito tempo, Edith Emília Sitta Batistioli, 77, pensou que fazer terapia não era necessário, mas a mudança de opinião surgiu quando ela começou a vivenciar os benefícios dos encontros: "Eu aprendi a ser mais calma, aprendi a me priorizar, em vez de priorizar os problemas dos outros", afirma. Ela conta que procurou ajuda pela dificuldade de lidar com problemas familiares, responsáveis pelo sentimento de angústia que ela estava vivenciando.

No passado, Batistioli chegou a participar de terapias em grupo, mas hoje prefere individual. Com ela, estavam quatro mulheres e um homem. "Eu acredito que os homens procuram menos, mas também há os que não aceitam, pensam que não precisam. Antigamente, existia mais preconceito, mas agora as pessoas querem estar bem, a gente não quer estar mal", reflete. O preconceito citado por ela ainda é visível nos consultórios e reflete a crença limitante —e que vem sendo desconstruída — de que homens não choram ou não devem se preocupar com sua saúde mental.

Edith - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Com a terapia, Edith Emília Sitta Batistioli, 77, aprendeu a se priorizar e a ser mais calma
Imagem: Arquivo pessoal

Entre os especialistas consultados, é consenso que a terapia deve fazer parte de um processo saudável de envelhecimento, mas que o ideal seria algo construído ao longo da vida, contribuindo para aumentar a resiliência em qualquer idade. Assim como a prática de atividade física, envelhece melhor quem faz.

"Eu fui fazer terapia por conta de um problema intestinal. Meu intestino era muito preso e, na época, me indicaram uma profissional da linha psicanalítica. Pensava que fosse resolver só o problema do intestino, junto com os tratamentos médicos, mas começou a me ajudar no todo. Na convivência com a família, com os amigos, na Igreja, enfim, foi uma melhora total. Faço terapia há mais de 20 anos, foco bastante, presto atenção no que eu aprendo e nas mudanças que preciso fazer na minha vida, que nem sempre é fácil", afirma A.S.F, de 65 anos.

Segundo A.S.F, ir a um psicólogo trouxe maturidade e amor-próprio. "Hoje, por mais que eu tenha alguns medos, são os necessários; e as inseguranças não são como eu tinha antes ou como pessoas que vejo sofrendo muito pela baixa autoestima. Todo mundo tem, mas eu já sei lidar. A gente não se torna aquela pessoa chata, que só pensa em si, eu consigo perceber quando estou em uma conversa pesada, só querendo falar de mim, e sair disso para me tornar uma pessoa melhor".

Os sinais que eles dão

Dores no corpo, falta de apetite, perda de energia, insônia ou sono demais, tendência ao isolamento, crises de choro e apatia podem acender o alerta de que algo está errado, principalmente porque muitos idosos preferem, inclusive, não falar a respeito de seus problemas.

É importante também não normalizar todas as alterações de comportamento como algo natural do processo de envelhecer. Ou seja, qualquer mudança precisa ser levada em consideração e motivar a busca por ajuda especializada. Existem declínios cognitivos e funcionais que podem acontecer em função da idade, mas isso não quer dizer que não necessitam de tratamento.

Com o avanço da idade, os idosos começam a enfrentar mudanças significativas, que vão desde a despedida do cônjuge ao desligamento do trabalho, perda de vida social, além da diminuição de algumas funções, como visão, memória, audição, capacidade motora.

Thereza - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Thereza Ribeiro Lara, 81, pôde contar as questões mal resolvidas desde a infância para a psicóloga
Imagem: Arquivo pessoal

No caso de Thereza Ribeiro Lara, 81, que trabalhou no comércio e sempre esteve acostumada ao movimento de pessoas, a terapia trouxe novas possibilidades de conversa. Agora, com a pandemia, a frequência diminuiu, mas aconselha que todos que puderem façam essa escolha: "Para quem se sente depressivo, não sabe com quem conversar ou desabafar, procure ajuda, porque é muito triste a gente ficar com aquela angústia".

E ela tem razão. Quem motivou sua ida à psicóloga foi a neta, que percebeu que a avó passava muito tempo dormindo. Depois de perder o marido para o Alzheimer, Lara morou 10 anos com a mãe que, segundo ela, era uma pessoa revoltada e difícil de lidar, tamanho sofrimento que viveu desde criança, quando ficou órfã aos sete anos. "Cuidei da casa dela durante 10 anos, mas chegou um momento em que eu não queria sair nem para atender o portão, tinha vergonha, pois emagreci demais, a minha vida era chorar e dormir. Então, eu vim para a casa da minha filha e conheci a Néia, uma psicóloga para quem pude contar todos os meus problemas desde a infância".

Perdas que precisam cicatrizar

Lídia Maria Videira Trovo, 66, procurou a terapia pela primeira vez há nove anos, após a morte do marido. Depois da consulta com psiquiatra, que identificou o estado depressivo e de somatização, ela deu início aos encontros com a psicóloga. "Eu comecei a fazer terapia duas vezes ou três vezes por semana, dependia do meu psicológico. Fui me encontrando, comecei a fazer uma vez na semana e agora de vez em quando eu vou e faço uma sessão. A terapia me mostrou quem era a Lídia, que se achava uma pessoa extremamente forte, bem resolvida, profissional, mãe, avó, esposa, quando, de repente, tudo isso caiu e eu tive que me reencontrar", conta.

Recentemente, ela teve outra perda, a do pai, que faleceu aos 93 anos, e revela que a maneira como lidou com a situação foi diferente, em especial pelo fortalecimento emocional que adquiriu durante a psicoterapia: "Eu achava que tudo era um problema imenso, fui aprendendo como lidar e tirar proveito para o meu crescimento como pessoa. Antes eu ia me descabelar, chorar o tempo todo, pensando que minha vida tinha acabado. Por isso, é uma experiência muito boa para a gente olhar para dentro".

Outro benefício apontado por Trovo é a independência que a terapia traz, principalmente a partir dos 50 anos, quando o medo do envelhecimento e do futuro ficam mais evidentes. "Eu era fraca, dependia da opinião das pessoas, dependia de tudo estar redondinho para ser feliz. Agora eu sei que felicidade não é estar tudo bem, é algo que você encontra dentro de si, não depende das pessoas ou de outros eventos. A gente tem que viver a vida, viver o hoje, tirar proveito de tudo e ser feliz".

Fontes: Carla Guth, psicóloga, com pós-graduação em psicopedagogia e especialista em família e construcionismo pela PUCSP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo); Gabriela Malzyner, psicóloga, psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae, mestre em psicologia clínica pela PUCSP, membro efetivo da CEPPAN (Clínica de Estudos e Pesquisas em Psicanálise da Anorexia e Bulimia) e professora do curso de formação em psicanálise do CEP/SP (Centro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo); Renato Caminha, psicólogo, mestre em psicologia pela PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), professor e supervisor do InTCC - Ensino, Pesquisa e Atendimento Individual e Familiar, em Porto Alegre (RS).