Egoísta, mimado, antissocial: ser filho único é mesmo um problema?

Seja por querer economizar, priorizar a carreira, não ter tantas responsabilidades ou viver em um mundo superpopuloso, a taxa de fecundidade no Brasil está em queda livre, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). De 1960 para 2010, a redução foi de 6,3 para 1,9 filho. E atualmente, com base no Censo 2022, a taxa de fecundidade é de 1,75 filho.

Esse número deve cair ainda mais nas próximas décadas e como resultado disso (de ser cada vez mais comum uma única criança por família), uma dúvida antiga volta a querer assombrar os pais: seriam os unigênitos realmente complicados, para não dizer "doentios", como registrou há mais de um século em suas anotações o psicólogo norte-americano Granville Stanley Hall?

No século 19, Hall afirmava que filhos únicos tinham propensão a determinados tipos de comportamento inaceitáveis, como rebeldia, tirania e dificuldade de adaptação à sociedade. Mais tarde, Alfred Adler, psicólogo austríaco que foi aprendiz de Freud, atestou que a falta de irmãos, ou "rivais", repercutia em seres mimados, superdependentes, egoístas e medrosos.

Graças à ciência, o conhecimento em comportamento evoluiu e hoje muitas das teorias do passado não fazem o menor sentido. Portanto, para o alívio dos pais, é possível afirmar, com segurança, que filhos únicos são comparáveis, em termos de personalidade, sociabilidade, habilidades, adaptação e mesmo reações negativas, a outras crianças que possuem irmãos.

Diversos estudos recentes, como das universidades de Auckland (Nova Zelândia) e Leipzig (Alemanha), já demonstraram que crianças que crescem com ou sem irmãos não apresentam diferenças do ponto de vista psicoemocional tão significativas. "Até porque é possível que quem seja filho único seja exposto ao contato com primos, vizinhos e colegas de escola de idades próximas", explica Yuri Busin, psicólogo pós-graduado pela PUC-RS.

Busin continua que o que molda nosso jeito de ser tem muito mais a ver com uma combinação entre genética hereditária; ambientes em que crescemos, somos educados e vivemos (entram aí também a situação socioeconômica, recursos emocionais dos pais, contexto cultural); experiências de vida; mudanças hormonais (como as que ocorrem na puberdade); hábitos e escolhas individuais.

Prós e contras de ser ímpar

Se não há diferenças cognitivas ou comportamentais entre filhos únicos ou com irmãos, não é possível afirmar o mesmo em termos de vantagens e desvantagens. Ao serem comparados, os filhos únicos poderiam, às vezes, não é regra, ter uma maior atenção dos pais, informa Wimer Bottura, psiquiatra pelo IPq-FMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP).

Crianças que crescem com ou sem irmãos não apresentam diferenças do ponto de vista psicoemocional tão significativas
Crianças que crescem com ou sem irmãos não apresentam diferenças do ponto de vista psicoemocional tão significativas Imagem: iStock
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Igualmente, chances de receberem saúde e educação melhores, "por serem, digamos, 'mais baratos', pois quanto menos crianças, mais recursos sobrariam", acrescenta o médico. Também já foi observado em estudo, publicado no Journal of Comparative Family Studies, que filhos únicos costumam ter um bom vocabulário, em razão de terem maior tempo com os pais (que por não terem outros filhos ou retardarem a paternidade/maternidade, também tenderiam a estudar mais e consolidar carreira e rendimento) e avós, com quem criariam laços facilmente.

Por outro lado, a falta de irmãos poderia repercutir em alguns pontos negativos. Se no dia a dia passarem mais tempo em ambientes adultos, podem amadurecer e largar a infância mais precocemente. Também podem se sentir carentes e sem apoio, caso os pais ou responsáveis não consigam prover suas necessidades afetivas. Já na fase adulta, quando não constituem família ou possuem poucos amigos, podem enfrentar a solidão, inclusive para cuidar dos pais idosos.

Não colabore com o estigma

Se o filho único se comporta mal, o que é possível de acontecer com qualquer criança, talvez seja por haver algo de errado com sua criação. "Adultos não devem exagerar na proteção, expectativas com os filhos ou ceder fácil a caprichos", adverte Leide Batista, psicóloga com experiência pelo Hospital da Cidade, em Salvador. Segundo ela, excessos repercutem em birra, insegurança, mal desempenho escolar, acomodação e faltas de limites, gratidão e valorização.

Também é importante que esse filho, para não se isolar e exigir demais a atenção dos pais, seja incentivado a brincar com outras crianças fora do horário de escola e não somente no celular, videogame ou computador. O contato com seus pares é importante para seu desenvolvimento e aumento de repertório, vínculos, boas escolhas, resolução de desafios, conflitos e disputas.

Agora, no que compete à chegada de um irmão caçula, os pais devem acolher e conversar com o filho que será o mais velho, para ele assimilar que, apesar das mudanças, da troca de posição e aumento da família, ninguém sairá perdendo, antes todos ganharão. Como ele viveu os anos iniciais sozinho, sem compartilhar suas coisas, sua casa, seus pais, pode se sentir ameaçado e esse impacto deve ser o menor possível, para não prejudicar sua visão sobre o mundo e futuro.

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