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Menos amado? Teoria de que filho do meio sofre mais não faz mais sentido

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Imagem: iStock

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

18/06/2021 04h00

Resumo da notícia

  • A percepção de não pertencimento no filho do meio pode ser maior quando a família é numerosa
  • Mas sozinha, a ordem de nascimento não costuma impactar na sensação de desamparo da criança
  • Os pais não devem julgar e comparar os filhos, e sim incentivá-los e promover um bom relacionamento entre todos

Já ouviu o ditado que o filho mais velho costuma ser o mais cobrado pelos pais, o caçula o mais mimado e o do meio "o que sobra"? Alfred Adler, psicólogo austríaco contemporâneo do pai da psicanálise Sigmund Fred, com quem foi trabalhar em 1902, criou uma teoria chamada Síndrome do Filho do Meio para propor que irmãos de crianças nascidas em dois extremos se sentiriam "perdidos", ou menos importantes por não receberem atenção suficiente dos pais.

Mas faz sentido? Segundo Wimer Bottura Junior, psiquiatra infantil pelo IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) e presidente do comitê de adolescência da APM (Associação Paulista de Medicina), sim e não. Ele afirma não ser possível generalizar essa teoria como uma verdade absoluta a todos os filhos do meio e sem levar em consideração o contexto da época em que foi criada por Adler.

"A teoria dele joga luz à importância do pertencimento e reconhecimento dentro de grupos, aspectos fundamentais que só passaram a ser valorizados décadas depois", diz. Mas, em relação ao sentimento de falta nos filhos do meio, considera ser impreciso e inespecífico a eles: "Pode acontecer com qualquer outro filho, principalmente os primeiros. A teoria de Adler foi criada num passado que era muito mais frequente famílias terem cinco, dez, quinze filhos".

Sofrimento tem motivos além da ordem familiar

Dar atenção igual e simultaneamente a uma dezena de filhos com idades e demandas diferentes é muito complicado, convenhamos. Nesse sentido, até poderia se justificar o não reconhecimento por ter nascido entre os mais velhos e os caçulas. Mas, à medida que as famílias foram diminuindo, percebeu-se que há uma série de fatores que podem desencadear essa percepção de não pertencimento e que para o sujeito não é facilmente identificável.

O problema pode ser falta de afinidade com um dos pais, por ter "puxado" mais um lado do que outro da família; ciúmes dos irmãos, que pode ter a ver com alguma habilidade que o outro demonstre, comportamento e aparência. Isso tudo pode ter a ver com a ordem de nascimento, ou não. "[A explicação estaria] por não se realizar tantas coisas quanto o mais velho, que 'pode tudo', ou não receber tanta atenção, pois o filho do meio ocupa temporariamente a posição de caçula, que termina com o nascimento seguinte", explica Paula Diniz Vicentini, psicóloga especialista em psicopatologia pelo IPq-HCFMUSP e da Clínica Personal, da Central Nacional Unimed.

Entram na lista ainda traumas e frustração, temor ou desconforto em não corresponder às expectativas dos adultos, principalmente se as crianças forem demasiadamente cobradas por desempenho escolar e/ou comparadas com outras. É preciso tomar cuidado com palavras ou julgamentos que reforcem a imagem negativa e inadequada dos pequenos sobre si mesmos, a exemplo de "ele é mais sortudo, ou inteligente", ou "você é isso ou aquilo", ressalta Bottura.

Convívio precisa ser saudável

É importante que todo indivíduo na infância, principalmente nos primeiros anos, se sinta percebido, amado e um membro importante e compreendido na família em que está inserido. A falta disso gera baixa autoestima, isolamento, agressividade e leva a diversas complicações futuras, sobretudo de convivência e relacionamento. Assim, os pais precisam se atentar à criação de seus filhos, que, caso apresentem dificuldades ou se sintam incapazes, devem procurar ajuda profissional.

"Em muitas famílias, é comum que os filhos mais velhos sejam incentivados e cuidem dos irmãos. Isso reforça um comportamento mais responsável, mas é necessário fazer o mesmo com os demais e que os pais, durante brigas, sejam imparciais e assumam sempre uma postura de cuidado e empatia com todos, acolhendo as diferenças e insistindo na negociação entre eles", informa Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves e com experiência pelo HC (Hospital da Cidade), em Salvador (BA).

Os pais devem propiciar um convívio saudável para que as possíveis desavenças não sejam internalizadas e perdurem até a vida adulta. Quando isso ocorre, levam a tentativas de se provar teorias, às vezes distorcidas, de que se é injustiçado desde que nasceu, ou pontos de vista inflexíveis, aumentando a dificuldade em aceitar mudanças. Não há garantia de que os irmãos se tornem amigos e continuem mantendo uma relação amistosa, mas deve ser tentado, seja pelo bem da família seja por outras relações, em qualquer ambiente e situação.