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Ozempic: os efeitos e os riscos do remédio que emagrece e virou mania

Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Do VivaBem, em São Paulo

20/04/2023 04h00

Você já deve ter ouvido falar do Ozempic, o medicamento que tira o apetite e virou mania no mundo por promover perda de peso acentuada em um curto intervalo de tempo.

O remédio, considerado seguro e com poucos efeitos colaterais, promete revolucionar o tratamento da obesidade. Seu princípio ativo pode levar o paciente a perder cerca de 15% do peso total em menos de 2 anos.

Com resultados tão atraentes, também virou objeto de desejo de quem quer emagrecer apenas por estética.

É o caso de Kátia*. Cansada de tentar eliminar os 12 kg que ganhou na pandemia, a monitora de pesquisas clínicas já havia usado sibutramina —fármaco mais famoso para emagrecer—, feito várias dietas e experimentado "produtos naturais". Nada surtia efeito.

Foi quando uma amiga de trabalho a apresentou ao Ozempic. Kátia teve receio de o medicamento de R$ 1.000 não funcionar. Mas resolveu pagar para ver. Estava prestes a viajar para a praia e queria "caber" nas roupas.

A história é parecida com a de milhares de anônimos e famosos, que tornaram o Ozempic um fenômeno mundial.

A funkeira Jojo Todynho assumiu ter usado para acelerar a perda de peso, assim como o bilionário Elon Musk —que tomou o Wegovy, medicamento com a mesma substância do Ozempic, a semaglutida.

O medicamento chegou a ficar esgotado por meses nos EUA.

O sucesso de vendas foi tanto que a farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, fabricante do Ozempic, ultrapassou a Nestlé e se tornou a segunda maior empresa da Europa em valor de mercado, atrás apenas da gigante de luxo LVMH, dona de grifes como Louis Vuitton, Christian Dior e Tiffany.

Como age o Ozempic

Desenvolvido para tratar o diabetes tipo 2, o remédio tem como princípio ativo a semaglutida, substância que simula a ação do GLP-1, hormônio que inibe a fome e regula o nível de açúcar no sangue (glicemia).

A perda de 15% do peso total em 17 meses apareceu no principal estudo feito com a substância —em outros remédios para tratar obesidade, como a sibutramina e a liraglutida, a redução na balança costuma ser de 6% a 10%.

A dose de semaglutida administrada na pesquisa foi a do Wegovy (2,4 mg), remédio do mesmo laboratório do Ozempic, o dinamarquês Novo Nordisk, já aprovado para tratamento de obesidade no Brasil, EUA, Europa e Japão.

Com os resultados promissores da semaglutida, o Ozempic, que tem doses menores da substância, passou a ser adotado no tratamento da obesidade de forma "off label" —quando a recomendação de uso está fora da bula, o que é permitido pelo Conselho Federal de Medicina.

Mas que remédio é esse?

  • É uma "injeção" em formato de caneta, disponível em três dosagens: 0,25 mg, 0,50 mg e 1 mg.
  • O Ozempic e o Wegovy fazem parte de um grupo de medicações consideradas revolucionárias para tratar o diabetes tipo 2 e a obesidade.
  • Além deles, que são injeções, há uma versão oral da semaglutida (o Rybelsus), já à venda por aqui para tratar o diabetes tipo 2.

Essas medicações mudaram totalmente o tratamento de obesidade. Com certeza vivemos uma nova era de tratamento de obesidade e até de sobrepeso com comorbidade. Tarissa Petry, endocrinologista do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP)

Ela tentou emagrecer a vida inteira e eliminou 18 kg em 4 meses com o Ozempic

Antes e depois ozempic - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Drielly Arruda**, 31 anos, começou a ter problemas com sobrepeso aos 3 anos e, na vida adulta, quase sempre esteve ao menos 10 kg acima do peso considerado saudável para sua altura (1,68 m).

Aos 25, a advogada de Cuiabá sofreu um AVC. Anos depois, lesionou os dois pés e o joelho e passou a sofrer com dores. Com 30 anos e 92 kg, estava obesa, pré-diabética, com colesterol alto e gordura no fígado.

Nas três situações, a orientação médica foi a mesma: Drielly precisava emagrecer para cuidar da saúde.

"Fui a um nutrólogo que me recomendou seguir uma dieta low carb, praticar exercícios e aplicar o Ozempic. Eu disse que sempre fui contra tomar remédios para emagrecer, mas ele reforçou que o uso era seguro e benéfico para pacientes com obesidade."

Os resultados foram rápidos e animadores. Em dois meses, a advogada perdeu 14 kg. Os exames melhoraram significativamente. "Fiquei feliz, motivada, com mais energia, disposição e a autoestima lá em cima, mas também sofri com efeitos colaterais."

Efeitos colaterais

Mas nem tudo foi felicidade para Drielly. Ela conta que tinha náuseas todos os dias, o que a deixava bastante irritada. Também perdeu o apetite e conseguia comer só metade do indicado na dieta.

Depois de dois meses, o médico ajustou a dose do remédio e recomendou seguir com as aplicações por mais 8 semanas. No quarto mês de tratamento, a advogada começou a perder tufos de cabelos. O nutrólogo disse que poderia ter relação com o Ozempic.

"Li relatos de mulheres que passaram pela mesma situação. Fiquei desesperada e parei de aplicar a caneta por conta própria."

Não há relação direta entre a semaglutida e queda de cabelo, diz o médico Ricardo Barroso, diretor da Sbem SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo). Mas o problema pode estar associado a uma perda de peso intensa e muito rápida.

Quatro meses depois de abandonar o Ozempic, Drielly engordou 8 kg. "Mas não considero que o ganho de peso foi causado por parar com o remédio. Nesse período enfrentei muitos problemas pessoais e descontei frustrações na comida."

Sem a semaglutida, o impulso para diminuir a fome some e a pessoa volta a comer normalmente em semanas ou meses. Se ela não fizer uma reeducação alimentar durante o uso do medicamento, a tendência é que retome a dieta pouco saudável que a fez engordar.

Segundo especialistas, esse reganho é comum no tratamento da obesidade e ocorre pois o excesso de peso é uma doença crônica, que exige acompanhamento médico e cuidados (boa alimentação, atividade física, controle do estresse) a vida toda, e não somente até eliminar os quilos esperados.

Efeitos colaterais do Ozempic - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Estudo publicado em março concluiu que o uso prolongado de substâncias que simulam o hormônio GLP-1 (como a semaglutida) aumenta em 3,5 vezes o risco de obstrução intestinal —condição fatal que requer cirurgia para ser tratada. Na pesquisa, que analisou 25.617 pessoas com diabetes, a maior incidência do problema ocorreu após um ano e meio aplicando o medicamento.

Além disso, um guia sobre o Ozempic da FDA (agência reguladora de medicamentos dos EUA) alerta que o remédio pode gerar tumores na tireoide, incluindo câncer. Esse efeito foi observado em estudos realizados com roedores e não se sabe se ocorre em humanos.

"Projeto Verão": uso estético divide opiniões

O emagrecimento rápido, os efeitos colaterais "leves", a facilidade para comprar o remédio (que não é preciso apresentar receita) e o compartilhamento dos resultados nas redes sociais estão entre os fatores que levam ao uso do Ozempic para fins estéticos.

Médicos ouvidos por VivaBem contaram que pacientes, na maioria mulheres, chegam ao consultório cada vez mais informados e já pedindo pelo remédio para perder peso.

O cirurgião-geral e nutrólogo Getúlio Santos diz que esse ano bateu recorde de atendimentos em sua clínica e quase 40% dos pacientes marcam consulta querendo tomar o Ozempic.

Ele não faz julgamentos e prescreve o remédio para fins estéticos. Sabe que, com ou sem a sua indicação, a pessoa vai dar um jeito de usar a semaglutida. Então, é melhor que faça isso com acompanhamento de um especialista.

"Cada organismo é único, tem suas particularidades. O paciente usa por conta própria e, às vezes, o Ozempic não é a melhor indicação para ele. A pessoa vai se expor a todos os efeitos colaterais, jogar dinheiro fora e não ter bom resultado", afirma.

O preço do remédio acaba sendo uma barreira [para o uso sem indicação]. Mas imagina se essa medicação fosse barata? André Camara de Oliveira, endocrinologista e diretor da Sbem SP

A caneta usada para aplicar o Ozempic - Divulgação - Divulgação
A "caneta emagrecedora" usada para aplicar o Ozempic
Imagem: Divulgação

Associações médicas criticam

A Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica) e a Sbem criticam o uso da semaglutida para buscar apenas resultados estéticos.

As entidades dizem que o uso estético aumenta o estigma do tratamento de quem já sofre preconceitos, além de contribuir para a escassez do remédio nas farmácias e expor pessoas sem indicação de uso a efeitos colaterais.

"Cria um preconceito com pessoas que teriam indicação e não usam por receio, porque virou 'modinha'", diz Bruno Halpern, presidente da Abeso.

'Vida à base de água' e falta de energia

A empresária Luana Di Lauro foi à endocrinologista em busca de orientação para emagrecer com hábitos saudáveis. Recebeu a indicação do Ozempic sem pedir.

"A médica pegou uma caneta do medicamento na gaveta e me mostrou como aplicar, sem solicitar exame. Não questionei, afinal, a gente acredita no médico. Ela disse que não faria mal e teria poucos efeitos colaterais. Claro que uma pessoa ansiosa para emagrecer, como eu, vai aceitar."

Mas os efeitos colaterais não foram leves. Luana começou a conviver com um grande desânimo e falta de energia: mal conseguia sair da cama. A fome sumiu: "Vivia à base de água", diz ela, que eliminou 6 kg em um mês.

Ao começar a usar a segunda caneta, passou a ter palpitações no coração. Acabou no pronto-socorro com uma crise de ansiedade. Entendeu que deveria largar o remédio.

"Eu me arrependo de ter usado porque a fome e peso perdido retornaram, mesmo com atividade física no pós. É humanamente impossível comer tão pouco como quando aplicava o remédio. A minha alimentação voltou ao normal e até pareceu que eu tinha uma fome acumulada."

Kátia, que usou o remédio antes de viajar para a praia, também sofreu com a falta de energia, teve dor de cabeça e enjoos. "Não me lembrava de me alimentar e tudo o que comia dava vontade de vomitar."

Ela fazia só uma refeição por dia e vivia cansada. Perdeu 5 kg em um mês e meio. Viajou feliz, mas não completamente satisfeita com o corpo. Em dois meses, engordou 2 kg e voltou a usar o Ozempic. Na segunda caneta, perdeu 3 kg.

"De 0 a 10, eu dou 6 para o remédio. Pelos efeitos colaterais e por emagrecer menos do que eu esperava."

Embalagem de Ozempic - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

'Há formas melhores de emagrecer'

Juliana* descobriu o remédio graças a sua irmã, médica, que de repente "apareceu" magra.

Decidiu comprar o medicamento e fez as aplicações com orientação da própria irmã. Até tentou mudar hábitos e contratou um personal trainer, mas sofreu com a falta de ânimo e de energia.

O exemplo de Juliana é complexo —ela reconhece. Teve bulimia na adolescência e faz acompanhamento com psicólogo até hoje. Diz ter certo "culto à magreza" e que o Ozempic virou uma muleta para alcançar o seu objetivo.

"Tenho essa visão distorcida do peso e ganhei alguns quilos. Ainda estava magra, mas não o quanto eu gosto. Tomei o medicamento para chegar no lugar que desejo estar."

Essa é uma discussão importante entre os médicos. Há temor de que, pela compra fácil, o remédio seja um recurso para pessoas com transtornos de imagem e/ou alimentares. O que impediria uma situação ainda pior é o seu alto custo.

Com medo de complicações, Juliana parou com as aplicações após perder 7 kg —o que demorou quatro meses. Em seis meses, esse peso voltou.

"Notei estar tapando um buraco. Ia tomar Ozempic para o resto da vida e não ia adiantar, porque teria o efeito rebote toda vez. Hoje, tenho uma cabeça menos imediatista e a visão de que há formas melhores para emagrecer.

*Os nomes das personagens foram alterados a pedido das entrevistadas.

**Depoimento dado à repórter Bárbara Therrie, colaboradora de VivaBem

Fontes: André Camara De Oliveira, diretor da SBEM - SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo); Bruno Halpern, endocrinologista e presidente da Abeso (Associação Brasileira de Obesidade); Fábio Ferreira de Moura, diretor da SBEM e endocrinologista do Hospital Universitário Osvaldo Cruz, da Universidade de Pernambuco; Joana de Vilhena Novaes, psicanalista e coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social da PUC-Rio; Marcela Caselato, endocrinologista e gerente médica da Novo Nordisk; Ricardo Barroso, diretor da Sbem SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo); e Tarissa Petry, endocrinologista do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP).