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'Diziam que era ansiedade': ela levou 10 anos até descobrir doença cardíaca

Elizangela Santana, de 42 anos, passou anos sendo medicada para ansiedade - Arquivo Pessoal
Elizangela Santana, de 42 anos, passou anos sendo medicada para ansiedade Imagem: Arquivo Pessoal

Camila Corsini

De VivaBem, em São Paulo

24/03/2023 04h00

Quando começou a passar mal, a professora Elizangela Santana, 42, não desconfiava que poderia ter algum problema cardíaco. Pelas suas características —mulher magra e com hábitos saudáveis— isso também nem passou pela cabeça dos médicos com quem ela se consultava no Recife, onde mora.

A VivaBem, Eliz conta a saga de mais de 10 anos até ser, finalmente, diagnosticada e receber um tratamento adequado.

'Medicada com ansiolíticos'

"Comecei a passar mal com uns 15 anos, tinha taquicardia (aumento da frequência cardíaca) e arritmia (alteração nos ritmos dos batimentos). Meus dedos e lábios ficavam roxos, tinha uma ânsia de morte, como se eu fosse desmaiar. Não sabia do que se tratava.

Buscava a emergência do SUS e sempre era diagnosticada com ansiedade. Nem desconfiava que não era isso.

Algumas vezes, fui medicada com ansiolíticos mais conhecidos, como Diazepam e Clonazepam, e outros de que nem lembro o nome. Fui convivendo com isso.

Sempre que buscava um médico, contava o histórico e me passavam esses remédios ou algum para dormir — mas eu nunca tive problemas com sono, sempre dormi muito bem. Se jogar um travesseiro no chão, eu durmo, pode estar o barulho que estiver.

Tomava esses remédios e percebia que eles me paralisavam. Isso me fazia ter dificuldades em dar continuidade ao tratamento. Eu sempre fui ativa, elétrica, então não me sentia bem. Por isso, embora a prescrição fosse de uso contínuo, passei a tomá-los apenas quando tinha os sintomas.

Na juventude, passei a tomar anticoncepcional e eles agravaram o meu problema — que, eu ainda não sabia, mas eram cardíacos.

'10 anos de diagnóstico errado'

Um belo dia passei mal, fui para a emergência, e o médico aferiu a minha pressão. Ela sempre foi normal, mais para baixa. Nunca tive hipertensão. E ele notou que, embora minha pressão estivesse normal, eu realmente estava com arritmia.

Isso acendeu um alerta nele, que pediu um eletrocardiograma. Com esse exame, ele constatou que eu tinha uma disfunção cardiológica: escreveu PVM (referência a prolapso da válvula mitral) e um ponto de interrogação. Ali, fui orientada a buscar um cardiologista.

Um especialista me pediu exames mais específicos, como o ecocardiograma (uma espécie de ultrassom do coração). Ele constatou que eu tinha PVM.

Até esse diagnóstico preciso passaram-se cerca de 12 anos. Foram mais de 10 anos de diagnóstico errado

Me assustei porque, apesar de ter problemas de coração na família — minha mãe tinha angina e faleceu com um AVC e meu pai infartou —, eu nunca imaginava que seria diagnosticada com algum problema.

Era muito jovem e não levei isso a sério. Não tomava o betabloqueador (medicamento que ajuda a controlar o sistema cardiovascular) e só usava o remédio quando sentia crises de muita arritmia.

'Sou dependente de um remédio'

Depois do diagnóstico, passei a frequentar a área cardiológica do Procape (Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco), referência na especialidade.

Hoje, já me trato lá há mais de 12 anos e minha médica é especialista em válvulas. Sou acompanhada anualmente, faço vários exames. Sei que algumas pessoas passam por cirurgia, mas meu caso é leve e não preciso.

No ano retrasado, fiz um exame para detectar se eu tinha apneia do sono, porque estava com dificuldades para respirar e acordava sufocada. Isso foi constatado e ela mudou meu betabloqueador.

Hoje, sou dependente total desse remédio e não passo mais de 24 horas sem tomá-lo, porque volto a passar mal.

'Tudo é histeria e ansiedade'

Pelo meu estilo de vida, é difícil um médico chegar em um diagnóstico assim. Sou magra, não bebo, não fumo, durmo bem. Sempre tive alimentação regrada porque gosto muito de frutas, verduras e grãos.

Realmente gosto de ser saudável. Evito refrigerantes, tomo mais suco. Há um ano e meio entrei na academia por recomendação médica para aumentar a massa muscular e fortalecer o coração. Hoje, levo a vida mais normal possível.

Quando você chega em um médico, geralmente ele analisa o que vê na frente dele —e só associa problemas cardíacos a pessoas obesas ou com diabetes, hipertensão, colesterol alto... Eu não tinha nada dessas características que ele buscava

Para a gente, que é mulher, tudo é histeria ou ansiedade. Fui diagnosticada por sorte e hoje tenho um tratamento adequado. Se não fosse o médico da emergência, talvez eu não estivesse contando essa história hoje."

Caso não é isolado

Segundo a cardiologista Maria Cristina Almeida, do Departamento de Cardiologia da Mulher da SBC (Sociedade Brasileira e Cardiologia), casos de demora no diagnóstico de mulheres —como ocorreu com Elizangela— não são isolados. E isso acontece por diversos fatores:

  • O coração do homem e da mulher não são exatamente iguais. Os sintomas cardíacos podem ser diferentes entre mulheres e homens.
  • Os 'gatilhos' para a manifestação das doenças também podem divergir entre os gêneros: por exemplo, em homens, é comum que um esforço físico desencadeie o problema. Em mulheres, o gatilho pode ser uma situação de estresse.
  • Médicos homens nem sempre estão atentos às diferenças de sintomas, gatilhos e fatores de risco entre pacientes homens e mulheres.

Na mulher, as doenças podem se manifestar de forma diferente. Não é uma dor característica. Pode ser um mal-estar, fadiga, angústia. E isso pode levar ao erro do diagnóstico. As mulheres têm mais chances de ter essas manifestações atípicas
Maria Cristina Almeida

Para Maria Cristina Almeida, é importante analisar o perfil da paciente para além do seu histórico cardiovascular.

Fatores como menopausa, depressão, contexto socioeconômico e até mesmo violência doméstica são fatores de risco para doenças do coração no caso delas.

Além disso, as comorbidades já conhecidas, como obesidade, hipertensão e tabagismo, têm ainda mais impactos no corpo da mulher do que do homem — o que potencializa ainda mais os riscos de doenças cardiovasculares nas mulheres.

Outra questão a se combater, segundo ela, é o fato de que muitas queixas femininas são menosprezadas e atribuídas unicamente a fatores emocionais. As médicas mulheres, segundo a cardiologista, costumam ter maior sensibilidade para identificar essas diferenças.