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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Com psoríase há 46 anos, ele ficou com dedos tortos e só enxerga de um olho

Advogado José Célio Peixoto Silveira tem psoríase há 46 anos - Arquivo pessoal
Advogado José Célio Peixoto Silveira tem psoríase há 46 anos Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

27/11/2022 04h00

Com a psoríase em sua forma grave, o advogado José Célio Peixoto Silveira, 63, tinha vergonha das lesões na pele e não aceitava ter uma doença sem cura. Foram anos indo a diversos médicos na busca por um remédio milagroso. O cearense chegou a virar vegetariano na tentativa de melhorar os sintomas por indicação de uma nutricionista.

Convivendo com a doença há mais de quatro décadas, ele teve outras manifestações da psoríase e algumas complicações, incluindo a perda da visão do olho direito (uveíte) e muitas dores nas articulações. Apesar das dificuldades, o advogado conta que se conectar com outros pacientes foi o melhor remédio que ele teve. Conheça a história dele:

"Aos 17 anos, notei o aparecimento de umas manchas avermelhadas com escamas esbranquiçadas no meu couro cabeludo. Coçava bastante. Achava que era uma caspa mais grossa, arrancava as 'casquinhas' com a unha, mas só piorava.

Após seis meses nesta situação, meu pai me levou ao dermatologista. De cara, o médico disse que era psoríase, uma doença de pele crônica e inflamatória, não contagiosa. Ele me passou um xampu específico para tratar as lesões no couro cabeludo, disse que eu não podia arrancar as escamas e me orientou a fazer acompanhamento para manter o controle da doença.

Fiquei revoltado, saí do consultório com raiva do médico, achava que ele não sabia de nada.

Com o passar do tempo, a doença se espalhou para a testa, atrás das orelhas, braços e pernas. No começo me incomodava, morria de vergonha das pessoas verem as lesões. Fiquei um tempo sem ir ao barbeiro cortar o cabelo, passei a usar roupas claras porque as escamas ficavam nítidas com as roupas escuras.

Não usava bermudas e camisas de manga curta, preferia morrer de calor do que me expor. Ia à praia bem cedo e só frequentava as menos movimentadas. Não dava margem para as pessoas olharem e perguntarem o que eu tinha, mas quando elas viam e perguntavam, já explicava o que era e deixava claro que não era transmissível.

Advogado José Célio Peixoto Silveira tem psoríase há 46 anos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Foi difícil lidar com o diagnóstico, não aceitava e não admitia ter uma doença sem cura. Fui a vários médicos e profissionais de saúde, inclusive de outros estados, na expectativa de que algum receitasse um remédio milagroso que me curasse, mas obviamente isso não aconteceu.

Em uma dessas consultas, passei com uma nutricionista que disse que já tinha tratado pacientes com psoríase. Segundo ela, eles tinham apresentado bons resultados ao seguir uma dieta vegetariana. Ela disse que o mesmo poderia acontecer comigo, acreditei e virei vegetariano por dois anos. Não melhorei neste período e ainda emagreci 20 kg.

Altos e baixos da doença

Tenho a forma grave da psoríase e já tive fases de melhora e piora da doença. Nas épocas de crise, a pele descamava muito, caía na roupa, no lençol, na rede e no chão. Era viciado em arrancar as 'casquinhas' mesmo não podendo fazer isso.

Era um inferno e um tormento viver com a psoríase, enfrentei períodos de estresse, tristeza e reclusão.

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Psoríase entortou os dedos do advogado
Imagem: Arquivo pessoal

Ao longo dos anos, apresentei outras manifestações. Tive a psoríase ungueal, quando a doença se manifesta nas unhas dos pés e das mãos. Minhas unhas ficavam onduladas, grossas, quebradiças e com manchas brancas. Meus dedos ficaram deformados e tortos.

Tive a artrite psoriásica, um tipo de artrite crônica que atinge as articulações. Sentia muitas dores nos dedos, mãos, pulsos, pés e joelhos. Como complicação da artrite psoriásica, tive uma inflamação no nervo óptico (uveíte) e perdi completamente a visão do olho direito. Cheguei a fazer uma cirurgia, mas não recuperei a visão, só enxergo com o olho esquerdo.

'Conhecer outros pacientes foi meu melhor remédio'

Após anos brigando com a psoríase, uma das coisas que me ajudou a aceitar o diagnóstico foi ver que não estava sozinho. Fui a uma associação de pacientes de psoríase em Fortaleza. O encontro foi ótimo, me senti muito bem.

Conhecer, conversar, compartilhar emoções, sofrimentos e trocar experiências foi o melhor remédio que tive. A partir daí, me conscientizei e aprendi a conviver de forma positiva com a doença.

Passei a me engajar e a frequentar as reuniões mensais do grupo, visitava associações de outros estados, participava de congressos. Em 2005, eu e alguns colegas fundamos a Psoríase Brasil - Associação Brasileira de Psoríase, Artrite Psoriásica e de outras Doenças Crônicas de Pele, da qual atualmente sou vice-presidente.

Advogado José Célio Peixoto Silveira tem psoríase há 46 anos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Conhecer outros pacientes foi o que mais ajudou o advogado
Imagem: Arquivo pessoal

O objetivo da entidade é disseminar informações e buscar o acesso ao diagnóstico e ao tratamento das doenças crônicas de pele.

Em um desses encontros, em 2006, conheci uma dermatologista que se interessou pelo meu caso e me convidou para fazer um tratamento com imunobiológicos pelo SUS (Sistema Único de Saúde), no hospital universitário da UFC (Universidade Federal do Ceará), onde ela trabalhava.

Após uma bateria de exames e avaliações, passei a usar a medicação. O resultado foi extraordinário, minha pele ficou limpa e sem nenhuma lesão, não sentia mais dores nas articulações, foi como sair do inferno e chegar ao céu.

Já tinha feito outros tratamentos, tomado remédios à base de corticoide, imunossupressores, cremes, pomadas, xampus, entre outros, mas minha qualidade de vida melhorou mesmo com o uso dos imunobiológicos —atualmente estou no terceiro.

Após 46 anos convivendo com a psoríase, posso afirmar que é possível ser feliz e ter uma vida normal. Durante a jornada, é importante se informar, se conectar com outras pessoas e seguir o tratamento corretamente."

O que é psoríase?

A psoríase é uma doença inflamatória crônica, não contagiosa, que se manifesta principalmente na pele com manchas avermelhadas descamativas nos cotovelos, joelhos e couro cabeludo.

Sua causa é desconhecida, mas sabemos que é uma doença imunomediada, isto é, existe uma alteração no sistema imunológico de indivíduos com psoríase que faz com que pessoas geneticamente predispostas desenvolvam a doença.

Alguns fatores ambientais estão relacionados com o desencadeamento ou a piora da condição como estresse emocional, infecções, tabagismo, alcoolismo e medicamentos.

Quais os tratamentos disponíveis para psoríase?

Cotovelos de homem com psoríase - iStock - iStock
Imagem: iStock

A maioria dos pacientes, cerca de 80%, apresenta a doença localizada, em que o tratamento é feito com loções, cremes e pomadas à base de corticoide e análogos da vitamina D.

Pessoas com lesões espalhadas pelo corpo devem receber tratamento sistêmico. Nesse grupo temos a fototerapia (irradiação da pele com luz ultravioleta), os retinoides (medicamento que age na regulação do processo de multiplicação das células da pele), os imunossupressores (que atuam diminuindo a atividade do sistema imunológico) e os medicamentos imunobiológicos (que agem com ação mais seletiva no sistema imunológico). A psoríase não tem cura, portanto, todos os tratamentos têm como objetivo o controle da doença.

Quais complicações podem ocorrer?

Por apresentarem lesões em áreas expostas, os pacientes sofrem constrangimento e discriminação, o que causa um grande comprometimento da qualidade de vida.

Além disso, pessoas com psoríase têm maior chance, quando comparadas com a população geral, de desenvolver obesidade, hipertensão arterial, diabetes e doenças cardiovasculares (infarto e AVC).

A provável explicação para isso é que os indivíduos com psoríase apresentam, na circulação sanguínea, substâncias químicas relacionadas à inflamação crônica da pele (citocinas) que também são associadas com o desenvolvimento dessas comorbidades.

O que é artrite psoriásica?

Acredita-se que cerca de 1/3 dos indivíduos com psoríase evoluem com o comprometimento articular. O mais comum é o quadro se iniciar na pele e, após 5 a 10 anos, comprometer as articulações.

A artrite psoriásica é uma doença inflamatória em que o sistema imune ataca o próprio organismo. Não sabemos exatamente a causa, mas fatores genéticos, ambientais e estresse físico e emocional podem ser gatilhos para a condição.

A doença pode acontecer em qualquer faixa etária, mas o surgimento dos sintomas é mais comum entre 30 e 50 anos. Entre quem tem psoríase, a artrite psoriásica é mais comum em quem apresenta psoríase ungueal, eventualmente com sangramentos, chegando à destruição completa da unha; envolvimento cutâneo mais extenso (maior área de pele afetada) e história familiar.

A artrite psoriásica pode afetar diversas articulações, que ficam inchadas e doloridas. Uma manifestação comum é o acometimento dos tendões ou ligamentos na região em que se ligam aos ossos, processo denominado entesite. Ela não tem cura. Sendo assim, o objetivo do tratamento é controlar os sinais e sintomas, retardar ou evitar a evolução da doença e oferecer mais qualidade de vida.

Quais complicações alguém com artrite psoriásica pode ter?

Se não tratada adequadamente, pode ocasionar deformidade das articulações, com incapacidade permanente para o trabalho e as atividades diárias. Ela também aumenta o risco de doenças cardiovasculares.

Em alguns casos, pacientes com artrite psoriásica podem desenvolver doenças oculares que causam sintomas como olhos vermelhos; coceira; olhos secos ou sensação de areia; dificuldade de foco ou visão turva; dor ou sensibilidade. Em casos muito graves, pode ocorrer perda de visão.

Fontes: Marcelo Arnone, médico dermatologista e coordenador do Ambulatório de Psoríase do HC-USP (Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo); e Licia Maria Henrique da Mota, médica reumatologista, doutora em ciências médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília e professora do programa de pós-graduação em ciências médicas e programa de patologia molecular da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília.