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'Além de enfrentar câncer, precisei lutar por medicamento de alto custo'

Jorge Ferreira descobriu linfoma de Hodgkin - Arquivo pessoal
Jorge Ferreira descobriu linfoma de Hodgkin Imagem: Arquivo pessoal

Colaboração para o VivaBem, em São Paulo

22/10/2022 04h00

Há três anos, o professor Jorge Ferreira, na época com 34 anos, notou que havia um gânglio inchado na sua cervical —região entre o pescoço e as costas. Uma investigação inicial com exames não apontou nada sério, o que deixou Jorge tranquilo para seguir com sua rotina normalmente. Mas, quase um ano depois, em meio a um período cansativo de estudos durante seu curso de doutorado, ele percebeu que o nódulo havia aumentado.

"Também tive febre, sudorese, fadiga, e depois de exames, descobri que estava com anemia e outros indicadores de saúde alterados. Além dos nódulos, na cervical, havia uma massa no mediastino [região torácica dividida em duas partes, limitada lateralmente pelos pulmões, à frente pelo esterno, embaixo pelo diafragma e atrás pela coluna vertebral] que já estava bem maior —em cerca de oito meses, o quadro evoluiu muito rápido", conta.

Com exames mais detalhados, o professor recebeu a notícia de que seu caso se tratava de um linfoma de Hodgkin, um tipo de câncer raro que acomete em torno de três a cada 100 mil brasileiros.

O problema acomete os linfócitos, que são células do sistema linfático, encontradas geralmente nos linfonodos (pequenos órgãos), e têm a função de defender o organismo contra doenças, especialmente as virais.

Em pacientes com linfoma, as células se tornam malignas e crescem desenfreadamente. Depois, elas começam a produzir, nos linfonodos, cópias idênticas, disseminando-se e atingindo tecidos adjacentes; se não tratadas, também podem atingir outras partes do corpo. O tórax é geralmente mais afetado.

"Foi no início de 2019 que fechei o diagnóstico. Voltei para Maceió, onde minha família mora, para fazer o tratamento. Foi quando iniciei o processo no HUPAA-UFAL (Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes, da Universidade Federal de Alagoas)."

Jorge conta ter sido encaminhado ao setor de hematologia para iniciar a quimioterapia com quatro drogas diferentes, um protocolo que durou seis meses e terminou em novembro daquele ano.

A abordagem que ele recebeu é a mais utilizada em casos de linfoma de Hodgkin. Trata-se da quimioterapia ABVD, que utiliza medicamentos anticancerígenos —com diferentes números de ciclos e substâncias para cada estágio ou caso— para destruir as células malignas por via venosa.

A radioterapia, que destrói ou cessa o crescimento dessas células por meio de raios, é realizada em conjunto. Para ele, foram 21 sessões, um ciclo que terminou no começo de 2020.

A busca por um medicamento de alto custo

O período da pandemia da covid-19 atrapalhou a realização dos exames de acompanhamento da doença. Jorge passou seis sem conseguir realizar o exame PetScan [tomografia], já que a medicação necessária para realizar o exame não chegava com regularidade em Maceió, por causa dos cancelamentos dos voos. Apenas no final de 2020 foi confirmada a recidiva de seu Linfoma de Hodgkin.

Quando recebeu a notícia da remissão, o professor para o processo de autotransplante no Hospital Real Português, em Recife, em julho de 2021. "Era a segunda etapa prevista pelo protocolo médico para evitar o retorno da doença. Porém, não pude passar pelo procedimento, pois após a coleta do sangue, não mobilizei a quantidade de células tronco necessárias para garantir a efetividade do processo."

Embora tenha sido um processo lento, Jorge destaca que o SUS (Sistema Único de Saúde) foi muito importante para que ele tivesse a chance de conseguir o autotransplante de forma gratuita.

"Após essa falha passei a tomar o remédio Brentuximabe como uma forma de evitar uma nossa recidiva. Esse também possuía um orçamento de alto custo, mas foi de fácil acesso porque o Estado possuía unidades na farmácia pública. Tomei até o final de 2021, quando foi confirmada nova recidiva."

Jorge recebeu então a indicação médica de uso do medicamento nivolumabe (Opdivo), um imunoterápico reconhecido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) como opção de tratamento para linfoma de Hodgkin.

Jorge Ferreira - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jorge aguarda entrega do medicamento
Imagem: Arquivo pessoal

Até o momento, a medicação ainda não foi incorporada ao SUS (Sistema Único de Saúde) para uso contra o câncer de Jorge, e seu custo para um paciente, de acordo com orçamentos ao qual o VivaBem teve acesso, pode chegar a R$ 50 mil para a quantidade de ciclos necessárias por um mês.

Sem condições financeiras para comprar o remédio, em março de 2022, Jorge iniciou os trâmites para ter acesso ao medicamento na Justiça Federal de Alagoas. A decisão da justiça foi favorável, mas ele relata que ainda demorou para conseguir uma previsão de recebimento do remédio.

Ele diz ter tido dificuldades financeiras desde o momento da contratação do advogado, já que não conseguiu que a defensoria pública aceitasse o pedido para cuidar do processo. "Contei com a ajuda de amigos, que criam 'vaquinha', para arcar com os custos judiciais e até de exames — o PetSca, por exemplo, custou cerca de quatro mil reais."

"No início de 2022 iniciei a repetição de um protocolo quimioterápico paliativo, enquanto aguardava a chegada do Nivolumabe, então na justiça. O protocolo precisou ser suspenso após verificar que estava causando mais efeitos colaterais adversos como comprometimento na sensibilidade das mãos e pés e desenvolvimento de diabetes tipo 2 possivelmente transitório [que pode sumir após o fim do tratamento com corticoide]."

"Após seis meses de tramitação e de decisão judicial que me concede tutela antecipada para acessar o medicamento, me deparei com a Ebserh, administradora do HUPAA-UFAL e do Cacon (Centro de Alta Complexidade Oncológica), dificultando o cumprimento da decisão judicial e me causando um dano que é imensurável, já que cada dia sem o medicamento pode causar um dano irreparável."

Neste momento, infelizmente, como paciente, tive que incorporar mais uma batalha, dessa vez contra a falta de apreço à vida, promovida por uma instituição que deveria cuidar, acolher e proporcionar a cura. Além de enfrentar o linfoma, precisei lutar para conseguir o medicamento.

Em nota, a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), respondeu ao VivaBem sobre o caso. De acordo com a empresa, sendo o HUPAA-UFAL uma filial da Ebserh e também seu superintendente, embora tenha a atribuição de assinar intimações, não tem autonomia para casos como o de Jorge.

"Mesmo assim, para não prejudicar o paciente, o hospital, que é apenas um prestador de serviço e não tem responsabilidade na gestão do SUS, nem tampouco tem recursos para esse fim, precisou fazer um processo licitatório utilizando recursos próprios que estavam previstos para ações com outros pacientes, já que a pessoa física indicada não pode receber recursos públicos em sua conta e CPF pessoais", diz a nota.

"Tal processo já foi concluído e teve nota de empenho emitida e está aguardando apenas que o fornecedor entregue o referido medicamento ao Hospital."

A entrega do medicamento estava prevista para o dia 13 de outubro e Jorge o recebeu uma semana depois. "A decisão me beneficia com o medicamento necessário por seis meses, mas após quatro farei exames para que o médico possa avaliar a resposta do meu corpo."

Quem pode conseguir medicamentos de alto custo na justiça?

Como os recursos públicos são limitados, os medicamentos mais amplamente incorporados pelo SUS são aqueles que tratam doenças muito frequentes, como diabetes, hipertensão e asma, assim como as patologias consideradas de tratamento estratégico, como Aids, hanseníase e tuberculose (que podem infectar outras pessoas).

Para os remédios de alto custo que já foram incorporados pelo SUS, como é o caso de alguns medicamentos para Parkinson, asma grave e osteoporose, por exemplo, o paciente deve fazer a solicitação em uma "farmácia de alto custo", com a documentação necessária indicada por seu médico.

"A incorporação no SUS é feita pelo Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde], um órgão que trabalha junto com o Ministério da Saúde. Eles avaliam a comprovação científica, mas também tem um olhar econômico para julgar se as terapias em questão não poderiam comprometer o orçamento do SUS frente a todos os outros casos de doenças que necessitam da assistência", explica o advogado sanitarista Silvio Guidi, sócio do escritório Vernalha Pereira e que atua no Conselho de Saúde do Estado de São Paulo.

Assim, os medicamentos especializados que estão fora do SUS, como são aqueles usados para o tratamento de muitas das doenças raras, demandam um processo especial de requerimento na justiça.

"A saúde é direito de todos e dever do Estado —uma premissa que está na Constituição Federal. E no caso de medicamentos de alto custo, no ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) disciplinou que seriam sempre gratuitos para as pessoas que provassem que elas, assim como seus familiares, não pudessem arcar com os custos", diz Guidi.

O tempo e a conclusão do processo, explica o advogado, pode variar de acordo com cada caso, o que pode aumentar o desgaste dos pacientes e familiares que já lidam com uma situação de saúde difícil.