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Transplante de medula tinha fila imensa, agora não mais: leia 3 relatos

Thaiza recebeu uma medula que veio diretamente dos EUA - Arquivo pessoal
Thaiza recebeu uma medula que veio diretamente dos EUA Imagem: Arquivo pessoal

Janaína Silva

Colaboração para VivaBem

17/10/2022 04h00

O transplante de medula óssea é chamado mais recentemente de transplante de células-tronco hematopoiéticas, como explica Adriana Seber, hematologista, oncopediatra e coordenadora de TMO (Transplante de Medula Óssea) do Hospital do Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer): "É porque são as células que produzem, na medula óssea, o sangue que corre em nossas veias. No interior dos nossos ossos, são as jovens células-tronco responsáveis pela produção sanguínea, de forma contínua, durante toda a vida."

E diferente do que você talvez pense, não precisa ser 100% compatível para ocorrer um transplante. Os avanços das pesquisas já permitem realizar a doação de medula óssea com 50% de compatibilidade entre quem doa e quem recebe: é chamado de haploidêntico, em que parentes são os doadores, e amplia as chances de cura.

"De pai pra filho, de filho pra pai e entre irmãos que não são completamente compatíveis. Hoje em dia, quase todo mundo tem doador. É raro alguém que não tenha, o que ocorre quando não há compatível no banco de medula, a pessoa não tem família ou é adotada", afirma a médica.

Antes, era uma fila imensa de muitos anos para se conseguir um doador. Segundo Seber, agora, não mais. "O principal gargalo é o SUS (Sistema Único de Saúde), que possui poucos leitos para o transplante."

Os resultados desse tipo de procedimento são comparáveis ao resultado de um 100% compatível do banco de medula, mas não são indicados para todos os tipos de casos, segundo Virgílio Farnese, médico hematologista do HC-UFU (Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia).

Outra vantagem é a rapidez nos casos de urgência. No estudo "Comparação entre transplante haploidêntico e transplante com doador não-aparentado em pacientes com doenças hematológicas", publicado em 2021 pelo médico hematologista Leonardo Javier Arcuri, pela ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca), da Fiocruz, confirmou-se resultados iguais entre o haploidêntico e o de não-aparentado em termos de sobrevida, mortalidade não relacionada à recaída e recaída.

Os outros tipos existentes de transplante de medula óssea são o autólogo e o alogênico. No autólogo, as próprias células-tronco hematopoiéticas do paciente são removidas e, então, armazenadas para posterior uso. Após a quimioterapia ou a radiação estar finalizada, as células colhidas são infundidas no paciente.

No transplante alogênico, as células-tronco hematopoiéticas vêm de um doador, idealmente um irmão ou irmã com uma composição genética semelhante. Se o paciente não tem um doador aparentado compatível, medula óssea de uma pessoa não aparentada e com uma composição genética semelhante pode ser usada.

Medula que veio dos EUA

Thaiza com o doador - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Alguns anos após o transplante, Thaiza encontrou o americano que doou medula a ela
Imagem: Arquivo pessoal

Thaiza Borges de Santana Reis, hoje com 12 anos, em 2015 encontrou um doador no banco mundial de medula que era compatível com ela. A menina teve sarcoma de Ewing —um tipo de câncer ósseo—, aos 3 anos, e antes da última quimioterapia foi constatado que ela estava com leucemia mieloide aguda e precisava de um transplante de medula. À época, a história dela foi contada em Universa.

Nesse caso, o doador foi um norte-americano que havia feito o cadastro em um mutirão realizado na universidade em que estudava: Eric Williamson. Ele veio ao Brasil em 2019 para conhecer Thaiza e sua família.

A medula foi extraída nos EUA e, segundo Cristiane Reis, mãe da menina, todo o trabalho foi coordenado e cronometrado para que chegasse a tempo de ser transfundida em Thaiza, no hospital do Graacc, seguindo todos os protocolos.

No caso dele, a medula foi retirada direto do osso e ele comparou o incômodo que sentiu durante uma semana como se tivesse caído sentado. Nas palavras de Cristiane, muitos acreditam que é uma cirurgia, mas nada mais é do que uma bolsa de sangue que chega e é transfundida no paciente.

Com filho recém-nascido, ela descobriu câncer

Lívia, personagem de VB - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lívia recebeu diagnóstico de câncer logo após nascimento do filho, que na foto visita a mãe durante internação para o transplante
Imagem: Arquivo pessoal

Lívia Mendes Borges Colombari teve mieloma múltiplo —câncer maligno que tem início na medula óssea— e se submeteu ao transplante autólogo.

Foi o surgimento de um edema no rosto, que cresceu de maneira acelerada quando estava no sétimo mês da gestação, que permitiu que ela descobrisse a doença.

"Com meu filho recém-nascido, então com apenas 20 dias, fiz a biópsia e logo obtive a confirmação de que era mieloma múltiplo. Foi possível amamentá-lo durante um mês e três dias, o tempo que levei para fazer a cirurgia e iniciar o tratamento", relata.

Em fevereiro de 2018, foi feita a retirada da medula, que é parecida à doação sanguínea. Na sequência, ela é levada para ser preparada para o transplante.

"Em março, fui internada para fazer a quimioterapia necessária e, no dia 14, o procedimento foi feito. Fiquei internada até o dia 24 do mês, dia em que minha medula pegou, que é como os médicos se referem quando ela passa a produzir as células do sangue em quantidades suficientes."

Hoje, seu filho Pedro tem 5 anos, ela faz acompanhamento médico e ainda toma algumas medicações. "Tive muita sorte, pois, apesar de estar grávida, o diagnóstico e o tratamento foram rápidos. Sei de outros pacientes que têm sequelas, como muitas dores e perda óssea, devido à demora."

Passava mal sempre após a mamadeira

Josué Kalebe - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Josué foi diagnosticado aos 2 anos
Imagem: Arquivo pessoal

Josué Kalebe, hoje com 7 anos, não havia completado dois anos ao ter o diagnóstico de meduloblastoma, tumor maligno e agressivo que atinge o sistema nervoso central.

Sua mãe, Gilvanete Inácio da Silva Sousa, lembra que os primeiros sintomas aconteciam sempre na parte da manhã após tomar mamadeira; ele vomitava e reclamava que doía a cabeça. Moradores da cidade de João Dourado, no interior da Bahia, os pais levaram o garoto a consultas, mas o pediatra dizia que era virose, passava analgésicos, mas os sintomas não passavam.

"Tiramos férias e fomos à Brasília visitar meu irmão que ainda não conhecia Josué. Durante a viagem, na casa e mesmo em passeios, ele continuava passando mal e só melhorava quando tomava remédio para náuseas e enjoos. Aconselhados pela sogra do meu irmão, fomos em busca de atendimento médico. No hospital, ele chegou bastante debilitado e foi encaminhado para fazer uma tomografia de cabeça que encontrou o tumor, que estava com 4 cm", conta a mãe.

A cirurgia foi feita no Hospital de Base do Distrito Federal e retirou todo o tumor, que foi levado à biópsia. Com o resultado de meduloblastoma, Josué foi encaminhado ao Graacc, em São Paulo, para iniciar o tratamento para a transfusão de medula óssea autóloga, que foi feito em maio de 2017, após quatro ciclos de quimioterapia.

Josué está curado, vem a São Paulo uma vez ao ano para exames de rotina, leva uma vida normal, com acompanhamento de profissionais, como fisioterapeutas e fonoaudiólogos, já que teve algumas sequelas pela localização do tumor.

Quando o transplante de medula óssea é indicado

O transplante de medula óssea é utilizado, principalmente, quando existe algum câncer de medula óssea. Os principais são leucemia, linfoma, mieloma múltiplo, mas também pode ser promovido em outras condições benignas, como anemia aplástica, que é uma doença na qual a medula perde a capacidade de produzir sangue.

"Outras patologias que também têm indicação são a anemia falciforme, que é bem prevalente no Brasil, a talassemia, em que há destruição dos glóbulos vermelhos que nascem defeituosos, e feito apenas em casos graves em crianças, alguns tumores sólidos, como o de testículo, nas situações em que não houve resposta por meio da quimioterapia, anemia de Fanconi e doenças imunológicas da infância", lista o hematologista do HC-UFU.

Ainda experimental, mas com estudos demonstrando a eficácia, há o transplante de medula óssea em pessoas com doenças autoimunes: esclerose múltipla, esclerose sistêmica, doença de Crohn e lúpus. "As indicações são para os casos em que as demais formas de tratamento não surtem mais efeito", informa Farnese.

O hematologista do HC-UFU explica que são raros os casos de rejeição, mas existe o que chamam de rejeição dupla. A primeira é quando o organismo do receptor rejeita a medula recebida; na segunda, ela, de uma hora para outra, começa a rejeitar o receptor. "São situações críticas que requerem muita atenção e controles tanto do doador quanto do preparo do receptor."

Como e quem pode doar

Transplante de medula óssea - iStock - iStock
Imagem: iStock

"A medula óssea é o único órgão que é doado em vida para uma pessoa que não conhecemos", afirma Farnese. A medula óssea é obtida de três maneiras.

Na primeira situação, ela é extraída por meio de uma agulha especial inserida dentro dos ossos da bacia do doador, sob anestesia, por equipe médica. A medula óssea é um líquido que é filtrado e transfundido no receptor via acesso venoso.

Outra forma é do sangue periférico, a medula é obtida por meio de processos específicos e medicamentos. As células progenitoras são separadas do sangue do doador e armazenadas em um uma bolsa para depois serem transfundidas no receptor.

A proveniente do cordão umbilical e da placenta é mais usada em crianças, pois as células-tronco presentes são em menor número. Além disso, segundo Farnese, elas diminuem ao longo do tempo, quando armazenadas, sendo necessários dois ou mais cordões.

O processo é simples e, praticamente, não oferece risco. "A principal questão é a segurança do doador. Uma vez encontrado ele vai ser convidado a doar, fará uma série de testes e exames, será orientado em relação aos sistemas de doação e decide ou não fazer a doação", esclarece Farnese.

Entre as características necessárias estão: adulto jovem, de 18 a 35 anos; se mulher, que nunca tenha engravidado, pois o organismo não produziu nenhum anticorpo em relação a outro ser.

Seber explica que a tipagem da medula varia de acordo com a ancestralidade e etnia e, no momento, no Brasil, são necessários cadastros de homens afrodescendentes. Outro lembrete dos médicos é para que, feito o cadastro, mantenha-o sempre atualizado, para que possa ser localizado com rapidez.

No site do Redome (Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea) estão disponíveis endereços dos hemocentros que realizam o cadastro de doador, bem como enfermidades que impossibilitam a doação, entre outras informações.

Além disso, pede Seber, é importante doar sangue. "Esses pacientes ficam em torno de um mês sem produzi-lo no organismo e necessitam de doação."