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Solidão após tentativa de suicídio: 'Pessoas têm medo de conversar'

Breno Adan - Arquivo pessoal
Breno Adan Imagem: Arquivo pessoal

Luiza Ferraz

Colaboração para o VivaBem

08/10/2022 04h00

O dia 7 de novembro de 2020 foi um marco na vida de Breno Adan. Foi na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, que os paramédicos conseguiram ressuscitá-lo após seu coração parar por cerca de 10 minutos. A chance de uma nova vida aconteceu justamente após Breno, na época com 25 anos, tentar tirar a sua.

Os motivos para uma tentativa de suicídio são difíceis de explicar mesmo para quem convive com eles. "As coisas vão acontecendo, aí você fica mal, de repente você vai perdendo a autonomia, começa a desistir com mais facilidade e tudo piora tanto que você não consegue sair de casa", diz.

Breno sempre foi ativo, gostava de jogar futebol com os colegas e frequentava o pagode aos finais de semana. "Meus amigos falavam que não imaginavam que eu fosse fazer aquilo, porque eu sempre fui muito ativo e até briguento, gostava de discutir, defender o que eu acreditava."

Chegaram a dizer que 'eu era tão forte', mas eu ainda sou forte. Perguntavam 'por que logo você?', mas se não fosse eu, seria quem? Agora é preciso ter um rosto? Breno Adan

O estigma da pessoa depressiva como alguém para baixo e sempre triste pode dificultar uma análise. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o suicídio é a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, sendo mais de 700 mil pessoas todo ano.

Quando a pessoa não aparenta estar deprimida, é a chamada "depressão sorridente". Ela parece estar feliz, mas, no fundo, sofre com o transtorno. Entre os sinais, estão dormir e comer em excesso, sentir fadiga e agitação. Um estudo mostra que 15% a 40% dos casos de depressão podem ter esses sintomas considerados "atípicos".

"Não existe espaço para conversar"

Quando uma pessoa próxima tenta cometer suicídio, amigos e familiares muitas vezes não sabem como lidar com isso, achando que a melhor maneira é não tocando no assunto. "As pessoas acham que vão causar mais danos do que ajudar, então existe um cuidado excessivo, fazendo com o que indivíduo fique isolado", explica Denise Machado Duran Gutierrez, psicóloga pela USP (Universidade de São Paulo), doutora em saúde da criança e da mulher e professora na UFAM (Universidade Federal do Amazonas).

Breno também se sentiu sozinho após o acontecimento. "Já não te veem da mesma forma, você vira alguém frágil, deixa de ser interessante. Por isso, eu tentei voltar à rotina o mais rápido possível, coloquei uma pressão em mim para trabalhar, dirigir e fazer as coisas."

Breno - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"As coisas vão acontecendo, aí você fica mal, de repente você vai perdendo a autonomia"
Imagem: Arquivo pessoal

A falta de espaço para falar também pode vir antes da tentativa de tirar a própria vida. "A grande maioria das pessoas que tentam suicídio já falou sobre isso com alguém, mas não dão bola, porque acham que 'cão que ladra não morde', mas, nesse aspecto, é justamente o contrário: se a pessoa fala sobre isso, ela vai fazer", alerta Eduardo Perin, psiquiatra pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e especialista em terapia cognitivo-comportamental.

Não tem como eu chegar na roda de amigos e falar: 'Pessoal, eu tô mal, não quero sair de casa'. Não existe espaço para isso, você tem que estar sempre alto astral. Breno Adan

Segundo Gutierrez, em uma conversa, troca-se experiência e nota-se que existem muitos sofrimentos que não acontecem só com a gente e que outros já enfrentaram e tiveram soluções. "Isso traz esperança, conexão e possibilidade", diz.

Os especialistas recomendam que as pessoas próximas criem um espaço de acolhimento, com atitudes terapêuticas, indicando uma ajuda profissional e até grupos de apoio. O importante é que o indivíduo não se sinta sozinho e sem saída.

Devido ao trauma da parada cardiorrespiratória, Breno desenvolveu mioclonia na perna, que consiste em contrações musculares súbitas e involuntárias. Dessa maneira, precisou de um longo processo de fisioterapia para recuperar os movimentos.

Hoje, ele entende tudo o que passou e celebra as pequenas e grandes conquistas. "Eu penso no quanto superei. Eu não conseguia andar, não conseguia tomar banho sozinho. A recuperação foi muito complicada, e ninguém conversa sobre ou reconhece isso, parece que têm medo de piorar a situação de alguma forma."

Gutierrez diz que o ideal é entender a posição da pessoa. "Perguntar como ajudar, incluir ela nos programas, e fazer com que ela tenha espaço de expressão, podendo conversar sobre o assunto sem ser reprimida."

O tratamento será para sempre?

Os tratamentos e a continuidade deles variam de caso a caso, dependendo de qual patologia psiquiátrica o indivíduo apresenta ou se existe algum transtorno de personalidade associado. "Não existe uma regra, mas alguns cenários vão requerer tratamento para o resto da vida, como quem tem esquizofrenia e bipolaridade", explica Perin.

Breno - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"Já não te veem da mesma forma, você vira alguém frágil, deixa de ser interessante. Por isso, eu tentei voltar à rotina o mais rápido possível"
Imagem: Arquivo pessoal

Entre as abordagens, estão a psicoterapia, terapia cognitivo-comportamental, intervenção medicamentosa, entre outras. Apesar do tempo de tratamento depender do diagnóstico, Perin reforça: se houver risco de morte, é preciso buscar ajuda profissional.

De acordo com o psiquiatra, essas são as "prevenções secundárias", quando já existe um diagnóstico e a pessoa busca tratamento para não piorar o quadro. "A prevenção primária é quando o indivíduo busca coisas que previnem doenças, como praticar exercícios físicos, ter um hobby, momentos de lazer e uma vida social."

Essas atividades são importantes em qualquer situação. Para Breno, além da terapia, os livros foram um refúgio. "Eu comecei a estudar filosofia e entender muito melhor sobre momentos, vida e amor, antes eu vivia muito no automático."

"Eu acho que não mudaria o que aconteceu, porque hoje tenho uma visão diferente sobre as pessoas, consigo enxergar a força que existe dentro de cada um. Você repara como todos estão vivendo, lutando pela vida mesmo com tantas dificuldades, e aí acaba encontrando força nelas."

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (www.cvv.org.br) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

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